Habitação

As ilhas do Porto e os desafios da reabilitação urbana estiveram em análise na Alfândega

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As particularidades das ilhas do Porto foram objeto de análise durante a manhã do derradeiro dia do Fórum para a Inclusão Social, no Centro de Congressos da Alfândega. Para além da perspetiva histórica e dos modelos de intervenção, foi abordada a importância do investimento público e os desafios da reabilitação urbana, numa sessão que culminou na apresentação do livro “Ilhas do Porto: reabilitar para incluir”.

Perante uma plateia repleta, o vereador das Finanças, Atividades Económicas e Fiscalização, Ricardo Valente, começou por refletir sobre as questões do investimento público em habitação. Posteriormente, o vereador do Urbanismo e Espaço Público, Pedro Baganha, interveio sobre as questões da reabilitação urbana, especificamente sobre o projeto integrado “ilhas da Lomba”.

“Temos de começar pelo contexto histórico: a realidade das ilhas do Porto, que responderam a falha de mercado no século XIX. Era um Porto esquecido, envergonhado. Chegaram a ser 50 mil pessoas a habitar nestas unidades. Houve um estigma social que se colou a estes territórios”, notou Pedro Baganha, lembrando: “Sempre foi uma realidade terrível, uma realidade que envergonhava a cidade. O Porto foi a última cidade ocidental a ter peste, detetada por Ricardo Jorge.”

Existem “três grandes desafios da regeneração das ilhas do Porto”, identificou o vereador do Urbanismo e Espaço Público: “Falta de recursos económicos de proprietários e inquilinos; dificuldades a nível de projeto (tipologia, enquadramento urbanístico); e o desenvolvimento integrado destas operações, pensando em simultâneo no edificado e nos residentes.”

Sublinhou que as ilhas “podem ser aproveitadas, pela sua escala e dimensão, e porque existem instrumentos de financiamento, nas nossas políticas de habitação”, Pedro Baganha descreveu a ilha da Lomba como um “território chave” que permitiu testar uma “nova abordagem à problemática das ilhas” – um trabalho no qual o programa AIIA – Abordagem Integrada para a Inclusão Ativa permitiu “uma vertente adicional, de ter equipas no terreno e desenhar uma estratégia de intervenção.”

Candidatura ao IHRU submetida

Para além do financiamento que chegará do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o projeto a desenvolver na ilha da Lomba contará também com apoio do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). “A candidatura foi submetida ontem, aguardamos a aprovação para concretizar. O financiamento do PRR dá-nos uma oportunidade única”, congratulou-se Pedro Baganha, estimando um investimento aproximado de 8,5 milhões de euros na aquisição e reabilitação de seis ilhas.

O vereador do Urbanismo e Espaço Público fez também a apresentação do livro “Ilhas do Porto: reabilitar para incluir”, coordenado pelo arquiteto Aitor Varea Oro, responsável da atividade AIIA – ilhas do Porto na empresa municipal Porto Vivo, SRU.

“O livro é um resumo de tudo o que foi apresentado hoje. Tem uma proposta de futuro, aponta caminhos, não utopias”, resumiu Pedro Baganha. “As ilhas extravasam a esfera ideológica. Não são também uma mera questão técnica. Trata-se de uma questão com 150 anos. Não é um problema, é uma condição”, resumiu.

“Eu não queria escrever este livro”, começou por afirmar, bem-disposto, Aitor Varea Oro. “Mas surgiu a oportunidade de registar este processo, desde 2015, dar um contexto. O livro é uma proposta metodológica”, acrescentou, notando que o trabalho resulta do cruzamento de pontos de vista. “Estamos a prestar um serviço às pessoas. Democratizar o acesso à habitação implica democratizar o debate, todos os envolvidos têm de entender o que está em causa. Temos de fazer com que mais pessoas beneficiem da reabilitação urbana”, concluiu o arquiteto, descrevendo a elaboração da obra como uma “experiência muito enriquecedora.”

Habitação pública e investimento

Sob o lema “A importância do investimento público na reabilitação urbana: o caso das ilhas do Porto”, Ricardo Valente traçou uma panorâmica do tema. “A habitação é um direito constitucional”, começou por lembrar, notando que “atualmente é uma questão fulcral para a população portuguesa”. Os principais entraves estão identificados: “Preço inacessível e oferta diminuta.”

“Os fatores que contribuíram para este estado de coisas foram o congelamento das rendas e juros bonificados no crédito à habitação. Em Portugal, em cada 10 casas, temos três no arrendamento e sete adquiridas para habitação própria, com recurso ao endividamento bancário”, disse o vereador das Finanças, Atividades Económicas e Fiscalização.

“Entre 2011 e 2018 o IHRU executou, em média, 73 milhões de euros por ano”, apontou Ricardo Valente, concluindo que é necessário mais investimento público: “Desde 1982 que o Estado deixou de promover habitação pública. A habitação representa atualmente 1,4% do Orçamento de Estado, equivalente a 500 milhões de euros. Faltava haver uma estratégia, uma visão nacional para a habitação.”

Numa fase em que a subida das taxas de juro dificultará o acesso ao crédito, o investimento é necessário também na reabilitação do edificado mais degradado. “As estatísticas mostram que o mercado imobiliário está muitíssimo dependente do mercado da reabilitação, a construção nova não consegue responder à procura. A classe média não tem hipótese de encontrar casa nas cidades. Porto e Lisboa têm dificuldades em promover oferta nova de habitação, têm de ser os territórios periféricos a suprir a procura”, frisou.

“A habitação é um fator chave na competitividade dos territórios. O Porto é uma cidade em mutação rápida. A atração de investimento estrangeiro coloca desafios para o mercado habitacional. São necessárias soluções que promovam a qualidade de vida dos residentes”, prosseguiu Ricardo Valente, identificando uma “falha de mercado que deriva da transformação do produto imobiliário em produto financeiro. Isto cria desafios e dinâmicas difíceis de combater, que têm de ser reguladas.”

No Porto o trabalho tem sido desenvolvido no sentido de disponibilizar mais oferta. “A cidade tem um stock de habitação pública seis vezes superior à média nacional. Através da empresa municipal Porto Vivo, SRU, o programa Porto com Sentido tem vindo a captar privados para a implementação de políticas de habitação. Responde já às necessidades de mais de 180 pessoas no Porto”, congratulou-se o vereador, lembrando que no final de 2021 foi apresentada uma nova modalidade do programa, designada “build to rent”, que vai permitir a contratação de promessa de arrendamento em 200 habitações ainda em projeto.

“O PRR tem apoios para iniciativas de acesso à habitação, mas a execução tem de acontecer até 2026. Exige-se atuação efetiva e esforço e envolvimento de todos, público e privados. Sem rentabilidade não há capacidade de criar habitação de forma sustentável em sítio nenhum do mundo”, concluiu Ricardo Valente.

A abertura desta quarta-feira no Fórum para a Inclusão Social esteve a cargo da vice-presidente da empresa municipal Porto Vivo, SRU, Raquel Maia, seguindo-se duas apresentações subordinadas ao tema “Ilhas do Porto – projeto urbanístico singular”. A diretora de Habitação da Porto Vivo, SRU, Sofia Alves, deu uma perspetiva histórica com a comunicação “Revisitar as ilhas: génese e problemáticas”. Já Aitor Varea Oro abordou os “Modelos de intervenção integrados e seus desafios”.