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Oferta de nova habitação permanente acompanhou a criação de alojamento local na cidade, conclui estudo

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A dinâmica de nova habitação para fins residenciais no Porto tem acompanhado, nos últimos anos, a dinâmica do alojamento local. Na realidade, as camas criadas para este tipo de alojamento dedicado ao turismo, cujo uso pode sempre vir a ser recondicionado para habitação permanente, foram instaladas em prédios que estavam devolutos, que foram reabilitados ou em edifícios construídos de raiz. Esta é uma das principais conclusões do estudo encomendado pela Câmara do Porto à Universidade Católica, apresentado na primeira sessão do ciclo "Viva Porto - Debate Público sobre Habitação no Porto", subordinada ao tema "Alojamento Local. Problema ou Oportunidade?", realizada no átrio dos Paços do Concelho.

Os resultados foram revelados logo no início do encontro pelo vereador da Economia, Turismo e Comércio, Ricardo Valente, num debate moderado pelo presidente da Assembleia Municipal do Porto, Miguel Pereira Leite, e que recebeu como convidados Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), e Ana Barbeiro, membro da plataforma "O Porto Não se Vende".

Segundo os dados estatísticos, o turismo continua ser um forte motor da economia na Região Norte, ao contrário daquilo que já sucede noutras zonas do país, onde o ritmo de crescimento está a desacelerar. Em 2018, a região "recebeu 5,2 milhões de dormidas", o correspondente a um crescimento de 5% face a 2017.

No Porto, o "efeito de contágio" do bom momento que o setor atravessa também se faz sentir. Olhando especificamente para a oferta de Alojamento Local (AL), cujo cadastro começou a ser afinado pelo Município com a aplicação da taxa turística em março de 2018, existem atualmente 8082 imóveis registados para um "grau de cobertura de 93%".

De acordo com o apurado pelo estudo, se é verdade que a maior parte do AL está concentrada na zona histórica, uma outra verdade, para Ricardo Valente, é indesmentível: "o AL teve uma influência enorme na regeneração urbana do Centro Histórico". Como indicam as conclusões do trabalho de investigação coordenado pelo Professor Alberto de Castro, a criação de AL também permitiu a reafetação de habitação de "raiz", ou seja, possibilitou a reabilitação de habitação já existente, mas desocupada, ou até mesmo a construção de nova edificação (ainda que em menor grau).

Nos resultados, fica ainda comprovado que a grande maioria das pessoas a operar no setor são particulares que pretendem fazer do seu imóvel um bem gerador de riqueza. Na tipologia do titular do AL, verifica-se que a gestão feita por pessoas singulares é, na sua grande maioria, assegurada pelos próprios proprietários. Em contrapartida, se visto pelo prisma de negócio de pessoa coletiva, verifica-se que a maior parte dos alojamentos locais, nestas condições, estão arrendados.

Com o registo de novos AL a cair 40% no primeiro trimestre de 2019, e uma pressão que, globalmente, apresenta ainda uma expressão marginal - em torno dos 5% no território -, à exceção de um grau de concentração maior na Baixa, Ricardo Valente concluiu que o problema se coloca na oferta de habitação na cidade como um todo e, nessa medida, o único instrumento urbanístico que poderá ser útil para inverter esta realidade é o PDM (Plano Diretor Municipal), ao prever a densificação de áreas específicas do território.

Enquanto este Plano não estiver concluído, o aumento do preço das casas continuará a acontecer, disse. Em particular no Centro Histórico, essa inflação deve-se não ao turismo, mas sim à reabilitação que valorizou o preço dos imóveis, despertando também o interesse de outras franjas da população, que se sentem agora atraídas a viver no centro da cidade, por todas as dinâmicas que esta localização oferece, defendeu Ricardo Valente.

Olhando para a realidade morfológica do Centro Histórico, o vereador considerou que as "dimensões são, na maioria dos casos, as que sempre existiram", para contestar a ideia de que o AL esteja a gerar um fracionamento excessivo dos imóveis. Ainda assim, existem algumas medidas urbanísticas aplicadas pela Câmara do Porto para condicionar esse tipo de ações, assinalou.

"Para o Município, o património reabilitado é fundamental", reiterou o vereador, sublinhando que os AL podem, de futuro, ser facilmente colocados no mercado de habitação permanente, se for esse o entendimento dos proprietários.

"Porto pode ser um case study" com este estudo pioneiro

Eduardo Miranda contribuiu para o debate com alguns dados e partilha de conhecimento empírico. De acordo com o presidente da ALEP, cerca de 70% dos AL existentes no país estão localizados em zonas costeiras e cerca de 90% são explorados "por pequenos proprietários". Por isso, lamentou que a presença dos AL nas grandes cidades, como Porto e Lisboa, tenha gerado, nos últimos tempos, posições extremadas.

Mais do que polarizar a questão a favor ou contra este tipo de alojamentos, o responsável pela Associação do Alojamento Local em Portugal acredita que as diferentes visões sobre esta temática podem encontrar pontos de contacto e avançar para soluções concretas.

Se é verdade que o AL contribuiu, indubitavelmente, para a economia local e para a oferta de emprego, também é certo que criou constrangimentos, observou. "Mas até que ponto não podem ser mediados?", indagou Eduardo Miranda.

Estando Portugal na vanguarda da regulação do setor em relação a outros países, Eduardo Miranda espera agora que o Porto, com o passo dado pelo Município ao encomendar um estudo aprofundado "a uma entidade externa", possa ser exemplo com a criação de um regulamento.

"Queremos dados objetivos e não casos dramáticos que podem depois toldar soluções", afirmou, declarando ainda que "é uma visão pobre proibir, porque para se chegar a esse ponto é porque não se tomaram medidas de gestão adequadas".

Por outro lado, o presidente da ALEP vaticinou que a população que vive nos centros históricos continuará a sentir pressão, à medida que o edificado for reabilitado. "Vai sempre haver quem queira pagar mais e, para um proprietário, passa a não ser comportável ter rendas abaixo dos 300 euros, com património requalificado". A ameaça, frisou, nada tem a ver com o AL, mas sim com as novas dinâmicas do mercado de habitação. "Quando reabilito uma zona com baixos rendimentos, só a reabilitação em si causa inflação os preços", reforçou.

Esta visão colidiu com a de Ana Barbeiro, que defendeu a suspensão imediata de novos licenciamentos de AL na cidade. No entanto, os dois convidados alinharam em desafiar a Câmara para mediar questões entre titulares de AL e inquilinos. Para a representante da plataforma "O Porto Não se Vende", o alojamento local corresponde aos "serviços mínimos de hotelaria", que se disseminaram pelo Centro Histórico. Admitindo tratar-se de "uma boa ideia que se tornou num grande negócio", considerou que "existe algum descontrolo e falta de definição" na sua regulação.

Regulamento municipal sobre o setor está em fase de elaboração

Com o regulamento em fase inicial de elaboração, Ricardo Valente anunciou no final do debate que espera que o primeiro draft (primeira versão, sujeita a alterações) esteja concluído em 30 dias, para ser apresentado aos munícipes. A ideia, explicou, é levar o debate às juntas de freguesia, permitindo ainda contributos através dos outros canais tradicionais.

Antecipando as guidelines do documento, o responsável pelo Pelouro da Economia, Turismo e Comércio da Câmara do Porto garantiu que o mesmo estará em linha "com a discriminação positiva para uso habitacional" que tem vindo a ser feita pelo Município. Diversificar fluxos de turismo pela cidade, criar a figura de um mediador (como foi sugerido), apostar em novas ferramentas de comunicação ou ainda articular com os operadores campanhas de sensibilização para as regras da sã convivência entre turistas e residentes, e apoiar à qualificação da oferta turística são algumas das ideias em cima da mesa.

A propósito, Ricardo Valente informou que o Município está a trabalhar com a Airbnb para "criar um sistema de código de conduta, que poderá vir a expulsar automaticamente da plataforma quem não cumpre as regras".