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Presidente dos Amigos do Coliseu propôs gastar milhões no edifício e em obras sem garantir a gestão

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Rui Moreira afirmou que o presidente da Associação Amigos do Coliseu do Porto lhe propôs que o Município "comprasse parte ou todo o edifício" e assumisse a "titularidade da obra". A revelação do autarca foi feita durante a Assembleia Municipal convocada para debater o futuro do Coliseu, nesta segunda-feira. O presidente da Câmara do Porto considerou que esse caminho era "politicamente inaceitável", porque a Câmara gastaria milhões na aquisição e nas obras, ficando sem nenhum controlo sobre a operação, e que, no limite e face aos estatutos, "o Coliseu poderia até ser depois concessionado a privados, depois de reabilitado com dinheiros públicos".

Tendo assinalado que "durante estes últimos seis anos, não se recordava "de ouvir nenhum associado, nenhum membro do Conselho Municipal de Cultura defender esta ou aquela solução" para o Coliseu, o presidente da Câmara do Porto, na sua intervenção (pode lê-la AQUI na íntegra), narrou aos deputados municipais a cronologia dos factos e explicou por que não pode o Município - sozinho - ser o barco salva-vidas da emblemática sala com mais de 70 anos, que nasceu pela mão de privados e sempre assim se manteve: gerida por privados e nas duas últimas décadas suportada por uma associação que emana da sociedade civil, com participação de instituições e cidadãos a título individual.

"Pouco depois de ter tomado posse, em 2013, como Presidente da Câmara Municipal do Porto, recebi no meu gabinete, a seu pedido, o então presidente da Associação Amigos do Coliseu, o Senhor Eng. José António Barros. A associação, criada 18 anos antes para 'salvar' a sala de uma venda que a cidade recusava, estava numa situação financeira periclitante. E o Coliseu, a precisar de obras, mostrava já as fragilidades de uma sala com 70 anos e sem qualquer intervenção de fundo", começou por explicar.

Depois desse encontro, Rui Moreira procurou soluções conjuntas com a Área Metropolitana do Porto e com o Governo de então, mas, na verdade, atuou quase isoladamente, "ajudando o Coliseu como podia", comprando bilhetes para espetáculos e promovendo pelos meios municipais a sua atividade.

Foi também pivô na captação de vários mecenas e patrocinadores, "como foi o caso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e, por último, da AGEAS, que aceitou investir 1,8 milhões de euros no Coliseu". Nesse tempo, recordou o autarca, continuou a "tentar encontrar outras soluções que permitissem uma intervenção de fundo na sala, respondendo dessa forma aos apelos contínuos e claros do presidente da Direção, o Professor Eduardo Paz Barroso", que aceitou o cargo para dois mandatos como representante da Área Metropolitana do Porto na direção.

Inclusive, disse o presidente da Câmara do Porto, dispôs-se "a usar o orçamento da autarquia para participar numa solução de investimento público que fosse possível articular com os restantes associados de referência", nomeadamente os Governos, esperando que "se chegassem à frente com a mesma disponibilidade", mas "nunca nenhum deles o fez", declarou Rui Moreira.

Foi então que equacionou a solução dos fundos comunitários, com o envolvimento da Câmara à cabeça, como fez na requalificação do Liceu Alexandre Herculano, em que o Município assumiu a obra, pagando a contribuição nacional. No entanto, não só "nunca se abriu no Portugal 2020 uma oportunidade de candidatura a fundos europeus, como a ideia foi mal recebida pelos que afirmam que os equipamentos culturais não podem, todos, ser municipalizados", assinalou o autarca, dizendo até compreender este argumento.

Além disso, reforçou, nunca ouviu da parte de um associado ou de um membro que fosse do Conselho Municipal de Cultura qualquer outra proposta de solução ou de financiamento, nos últimos seis anos.

Já nos últimos meses, mais propriamente no início de novembro de 2019, Rui Moreira recebeu, no seu gabinete, o Professor Eduardo Paz Barroso, a seu pedido. "Trazia na mão o que disse ser o draft (rascunho) de um estudo de patologias do edifício, apelando a uma intervenção muito urgente. Não tomei conhecimento concreto de tal estudo, que não ficou no meu gabinete, por não ser, alegadamente, definitivo. Mas o seu apelo era tal, que no dia seguinte pedi a intervenção da Proteção Civil, para que fossem avaliadas as condições de segurança da sala, antes do espetáculo seguinte. Foi-me reportado, depois da inspeção, que não existia risco para os espectadores e funcionários e que a sala poderia continuar a funcionar. Por agora".

No mesmo encontro, o presidente da Direção da Associação Amigos do Coliseu deu conhecimento ao autarca de um parecer jurídico que a direção tinha solicitado a um conhecido escritório de advogados, externo àquele com o qual colaborava, e que deitava por terra a possibilidade de a Câmara poder alugar o Coliseu e, através de uma empresa municipal, absorver os recursos humanos da associação para avançar para as obras. "Segundo esse parecer, não tinha enquadramento jurídico", recordou Rui Moreira.

E foi nessa ocasião também que Eduardo Paz Barroso apresentou ao presidente da Câmara do Porto uma proposta alternativa, que Rui Moreira logo considerou "politicamente inaceitável". O documento apresentado, adiantou, propunha que "a Câmara do Porto comprasse parte ou o todo do edifício do Coliseu (...) injetando dessa forma alguns milhões de euros na Associação e, depois, assumisse o Município a titularidade da obra para nela investir mais uns oito ou 10 milhões de euros, ficando a sala na gestão privada da associação".

Em suma, "a Câmara gastaria milhões na aquisição e nas obras, ficando sem nenhum controlo sobre a operação (...). No limite, e face aos estatutos, o Coliseu poderia até ser depois concessionado a privados, depois de reabilitado com dinheiros públicos", salientou.

Rui Moreira afirmou ainda que o estudo, encomendado ao professor Vasco Freitas, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, "veio mais tarde a ser atualizado num sumário executivo enviado pelo Senhor Professor Eduardo Paz Barroso para 10,6 milhões de euros, sem que as obras elencadas fossem diversas".

Dada esta variação de orçamentos, o presidente da Câmara do Porto disse aos deputados municipais que entende "que o estudo deve ser revisitado e os seus montantes esclarecidos. Não para retirar às obras essenciais que deverão ser exigidas ao concessionário, mas para apurar, no atual quadro, quais faz sentido serem de execução obrigatória e quais as que devem ser deixadas ao critério do concessionário que vai operar", defendeu o autarca, adiantando ainda que o Coliseu, à semelhança de outros espaços culturais da cidade, não vai ficar "entregue à sua sorte".

"Estes espaços não ficam entregues à sua sorte, se o caderno de encargos for bem feito, se soubermos nele preservar a atividade da associação e se as entidades públicas continuarem a olhar para eles como oportunidades de coprodução", concluiu.

Recorde-se que o presidente da Câmara do Porto está mandatado pelo Executivo Municipal a votar a favor da proposta de concessão do Coliseu na Assembleia Geral, que decorre nesta sexta-feira, dia 13.

A sessão extraordinária da Assembleia Municipal que decorreu nesta segunda-feira debateu o tema, mas sobre ele não pode efetivamente decidir, dado que o assunto não é deliberativo nem de fiscalização. Da reunião, requerida pela Oposição, resultou a aprovação, por maioria, de uma moção do PS que propõe que o caderno de encargos do concurso de concessão do Coliseu a privados seja apreciado pelos órgãos municipais. Já as propostas da CDU e do BE, que defendiam a procura de soluções de financiamento público, foram reprovadas por maioria.