Política

Voto eletrónico é uma inevitabilidade, mas tem muito caminho para andar

  • Paulo Alexandre Neves

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A possibilidade, ou não, da existência do voto eletrónico no sistema eleitoral português, as suas vantagens e desvantagens e o que pode beneficiar, ou não, a nossa democracia com a sua utilização esteve hoje em debate na Universidade Lusíada do Porto, durante as IV Jornadas de Ideias Políticas, sob o lema "Os Sistemas Eleitorais e as Ideias Políticas". O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, foi um dos oradores convidados da mesa redonda, desafiando, desde logo, todos os presentes com uma questão: "porquê mudar?".

"Tem de haver uma boa razão para o fazer e não mudar apenas por mudar. Será que desconfiamos do processo eleitoral, tal como hoje funciona no nosso país?", interrogou o presidente da Câmara do Porto, que estava acompanhado da ex-deputada do CDS/PP, Cecília Meireles, do presidente do Conselho Económico e Social (CES), Francisco Assis), do vice-presidente do PSD, Paulo Cunha, e com moderação do jornalista do Público, Manuel Carvalho.

"Não há, de facto, fraude eleitoral em Portugal, atendendo ao modelo que está montado", garantiu Rui Moreira, considerando, no entanto, "um verdadeiro disparate" a homologação dos resultados eleitorais. "Isso não se resolve com o voto eletrónico porque [a homologação] demora sempre duas a três semanas. Os burocratas iriam manter este sistema de sabermos resultados numa noite mas quem foi eleito só poder tomar posse muito tempo depois", frisou.

Por outro lado, e quanto ao conforto que o voto eletrónico pode trazer aos eleitores, Rui Moreira deixou uma certeza: "Isso implicaria que fosse feito a partir de um telemóvel ou de um computador. Isso é um risco que não podemos correr porque o voto pode ser induzido por outra pessoa".

Dando como exemplo a recolha de votos em prisões e lares, onde não abdicou já de estar, o presidente da Câmara reconheceu que "há tentativas objetivas de influenciar o voto das pessoas. Temos, por isso, de ter sempre o voto presencial, mesmo com o voto eletrónico".

Rui Moreira considerou que "o voto deve ser presencial", que "devem ser condições para que as pessoas possam confortavelmente" e, sobretudo, as pessoas poderem votar mesmo quando estão deslocalizadas, por exemplo em férias: "Porque não posso estar no Algarve e aí votar, sem ter de me deslocar, obrigatoriamente, há minha mesa de voto de residência?".

Para melhoramento do sistema eleitoral, o autarca portuense deixou outras ideias, como a de que o domingo não é o único dia ideal para votar, citando o exemplo inglês, onde os atos eleitorais decorrem durante a semana, ou a existência "imbecil" do período de reflexão. "A partir do momento em que há possibilidade do voto antecipado não faz sentido continuar haver um período de reflexão", disse.

"Por outro lado, é absolutamente inútil a existência de uma coisa chamada Comissão Nacional de Eleições (CNE). Não serve para nada. Deveria ser o Tribunal Constitucional a fazê-lo", concluiu Rui Moreira.

"As caudas para a abstenção são muito mais profundas"

Cecília Meireles, que se confessou uma não adepta do voto eletrónico, garantiu que este lhe oferece muitas dúvidas, por exemplo no combate à abstenção: "As causas [para a abstenção] são muito mais profundas do que a mera questão logística. Tem a ver com o afastamento da política por parte dos eleitores e, sobretudo, com a dificuldade de entender a utilidade do voto".

Para a ex-deputada do CDS/PP na Assembleia da República, "há uma diferença substancial entre votar e fazer um 'post' no Facebook ou colocar uma fotografia no Instagram. Quando votamos estamos, não apenas, a decidir a nossa vida como a dos outros. É um ato que envolve uma certa seriedade", sublinhou.

Segundo Cecília Meireles, "a ideia de que se resolve o problema da abstenção com cliques nos telemóveis e daí ter um sistema melhor e mais democrático pode não ser tão linear, já que o sistema pode vir a ter até mais problemas que os que existem atualmente".

"Temos necessariamente de refletir"

Francisco Assis considerou que a população deve ter uma relação normal com as novas tecnologias, havendo necessidade, ainda assim, de existência de mecanismos de controlo. "Nem tudo o que é novo é necessariamente bom, mas, em relação a tudo o que é novo, temos necessariamente de refletir e ponderar", afirmou o presidente do Conselho Económico e Social (CES).

Pegando no exemplo do sistema eleitoral brasileiro, onde existe há muitos anos o voto eletrónico, Francisco Assis deixou uma reflexão à plateia, composta, sobretudo, de estudantes: "Não há risco de fraude no Brasil. Há uma confiança clara no sistema", disse, confrontando com o que acontece na Europa, "onde ainda há uma grande resistência ao voto eletrónico".

"Ainda ninguém me deu certezas que haja garantia absoluta de que não há fraude e de que quem esteja a votar o faça livre e conscientemente", adiantou o também professor do ciclo de estudos em Relações Internacionais, da Universidade Lusíada.

Mesmo assim, Francisco Assis está convencido que, "mais cedo ou mais tarde, vamos evoluir para isso [voto eletrónico], desde que haja todas as garantias", ainda que "tenha de haver um momento de solenidade", já que "é um ato profundamente solitário para a formação de uma vontade coletiva".

"Não podemos parar o vento com as mãos"

"Não podemos parar o vento com as mãos. Se é verdade que há um conjunto de cautelas que devemos ter nos saltos tecnológicos também há tendências que são inevitáveis. Esta [o do voto eletrónico] é uma delas", reconheceu, por seu turno, Paulo Cunha.

Para o vice-presidente do PSD, a existência de fraude "não será maior no voto eletrónico que no voto tradicional. É uma questão que faz parte do nosso quotidiano e tem a ver com o comportamento das pessoas".

Mais importante, disse, é "a dimensão da racionalidade" e de "solenidade". "Estamos perante um processo que vai acontecer no futuro próximo", disse, acrescentando: "Esta tendência para a desmaterialização e simplificação de processos é inexorável. Temos de ser pragmáticos".

"O sucesso das experiências, nesta matéria, pode aliviar as nossas resistências. É preciso não ter receio, não haver um pré-juízo sobre este processo", concluiu Paulo Cunha.