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Velo Invicta não perde pedalada para manter o estatuto de rainha das bicicletas

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Em agosto de 1959, a Alteza vencia a Volta a Portugal em bicicleta, com Carlos Carvalho nos pedais e Domingos Capas Peneda como diretor da prova. Este e outros registos, guardados em papel que a história foi amarelecendo, fazem do percurso da Velo Invicta Capas Peneda uma verdadeira camisola amarela entre as rainhas das bicicletas. Na mais antiga loja de velocípedes da cidade, a paixão ainda se sobrepõe a modas e há muito pedala do lado sustentável do caminho.

Não se sabe bem onde tudo começa, apenas com quem. Domingos Capas Peneda foi, além de marceneiro, dirigente desportivo ou comandante dos bombeiros, um apaixonado pelas duas rodas. Apesar de nunca ter competido, foi diretor da União Velocipédica Portuguesa (que mais tarde daria lugar à Federação Portuguesa de Ciclismo) e da maior prova de ciclismo do país.

As memórias dos idos anos 30, 40 ou 50 estão nas fotografias que o neto António ainda guarda. A Velo Invicta Capas Peneda, o nome pelo qual responde desde 1944 depois de várias sociedades, não é, mas quase podia ser um museu da bicicleta. Espólio não lhe falta. O avô “começou no ciclismo na Ciclo Porto, uma casa extinta na Rua de Santa Catarina” que “já nesse tempo vendia coisas fora de série” como as motas belgas da centenária Fabrique Nacionale.

Durante décadas, comercializava tudo o que tivesse a ver com velocípedes. Foi António que resolveu dedicar-se apenas às bicicletas, sucedendo ao pai e aos irmãos à frente do negócio da família, que chegou a ter filiais na Areosa e em São João da Madeira. Era para a loja que ia depois das aulas e claro que “as férias da escola eram sempre aqui”. O pai dizia que ele dava sorte e, aos cinco anos, ofereceu-lhe a primeira bicicleta: uma Órbita cor-de-laranja. “Uma das rodas estabilizadoras partiu e, quando dei por mim, já estava a pedalar sozinho”, recorda o herdeiro da Capas Peneda.

Um campeão destaca-se do pelotão

António não era nascido, mas sabe de cor os nomes dos que levaram a Velo Invicta ao estrelato. Carlos Carvalho no topo da lista, claro, ao vencer a Volta a Portugal com uma bicicleta da marca Alteza. Logo depois, Ribeiro da Silva, Veiga da Mota, Artur Coelho. Todos com bicicleta feitas “à medida de cada um, de forma mais rudimentar do que hoje em dia”, mas que as tornavam peças únicas. “Não havia os materiais leves que há agora”, garante o proprietário.

A Velo Invicta Capas Peneda trouxe para o mercado várias marcas próprias de bicicletas: a Alteza e a Velo Invicta eram “montagens de primeira categoria, de qualidade superior”, mas também se construíam veículos mais acessíveis com os selos Goa, Diu, Tissot ou Cliper. “A maior parte do artigo era francês ou inglês, embora cá também se fizesse material de muito boa qualidade. E ainda hoje se faz”, afirma António, frisando que “os aros nacionais aparecem em bicicletas de todo o mundo, de marcas sonantes”.

Pendurada na parede, ainda está uma Alteza, que valeu a António uma clavícula partida depois de a encontrar, há uns anos, num sucateiro. Restaurada pelo irmão, dificilmente será para vender. “Ainda há quem procure as nossas marcas, eu é que digo sempre que não tenho”, afirma confessando o lado emocional da questão. Pelo contrário, é ele quem tem procurado resgatar as várias chapas das bicicletas Capas Peneda espalhadas pelo país.

Bicicletas, quantas mais melhor

“A bicicleta Alteza não é a melhor do mundo, mas é com certeza tão boa como as melhores, tão resistente como as mais resistentes, tão leve como as mais leves, tão veloz como as mais velozes”, proclamava a publicidade nos anos 50, que já permitia a compra “com facilidades”.

O que mudou desde então? Os mais novos deixaram de ser os principais clientes. Hoje, são os jovens na casa dos vinte que mais procuram bicicletas. Homens ou mulheres, em igualdade, que procuram preferencialmente “a bicicleta mais citadina ou de trekking”. “A escolha pela deslocação em bicicleta tem muito a ver com a mentalidade das pessoas. Nota-se muita procura por estudantes que vêm de Erasmus, por exemplo. Pareceu que não, mas isso influenciou imenso as pessoas na cidade”, garante António Capas Peneda, para quem “mesmo a chegada das grandes superfícies trouxe coisas positivas ao introduzir uma série de bicicletas na estrada”.

O atendimento, claro, difere. Na Capas Peneda, está garantido o ajustamento da bicicleta a cada cliente, “principalmente os pedaleiros, que são as coisas que mais se deterioram” e não devem circular com folga. “Nas grandes superfícies, o cliente traz a bicicleta como ela está, não sabe se está ajustada para o seu tamanho ou não. E depois queixa-se de dores no corpo”, adverte António.

O proprietário acredita que, no Porto, as pessoas procuram bicicletas para se deslocar para o trabalho, “principalmente desde que apareceram as elétricas”, mas também em consequência da pandemia. “Tem havido uma grande procura hoje em dia, uma parte por ser mais barato, outra para evitar andar nos transportes públicos”, lança António Capas Peneda, confirmando a dificuldade em arranjar peças também para quem procura bicicletas personalizadas ou quer reconstruir clássicos. “As bicicletas antigas valorizaram imenso”, reconhece.

A mudar mentalidades desde sempre

Hoje, como há setenta anos, ainda faz sentido o conselho que a publicidade em tons amarelados partilhava: “Se não fores prudente, o automobilista considera-te o seu inimigo número um. Acusa-ta como provocador de 90% dos desastres que se dão nas estradas”. Ainda assim, o dono da Capas Peneda afirma que “a cidade está a ficar mais bem preparada para as bicicletas, é bom que o pensamento já esteja virado para a criação de muitas ciclovias”.

“Cresci a ouvir que o Porto tem muitas subidas e por isso não é feito para bicicletas, mas as pessoas esquecem-se que era assim que, há muitos anos, se vinha trabalhar para a cidade. Não havia outra forma e as bicicletas eram muito mais limitadas”, recorda com a certeza de que a escolha por uma mobilidade mais suave “é uma questão de mentalidade”. Há muito que o carro vassoura das desculpas passou, numa corrida em que a camisola amarela continua a vestir com o nome Capas Peneda.