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“Um ato de amor e de memória”: família doa ao município o espólio de Raul de Caldevilla

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O espólio de Raul de Caldevilla, um dos primeiros em Portugal a encarar a publicidade de modo estruturado e profissional, foi oferecido pela família, por doação à Câmara do Porto, para conservação e usufruto público no Arquivo Municipal do Porto – Casa do Infante.

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, recebeu na tarde de quinta-feira, nos Paços do Concelho, um conjunto de familiares de Raul de Caldevilla, acompanhados por dois estudiosos do trabalho do publicitário, Eduardo Cintra Torres (UCP; ISCTE-IUL) e Pedro Leitão (CITCEM/FLUP).

Os familiares de Raul de Caldevilla (1876-1951), portuense ilustre, fundador da moderna publicidade em Portugal, ofereceram ao município um conjunto de documentos manuscritos, impressos, gravados e fotográficos do seu espólio.

“Acaba por ser um ato de amor e de memória. O presidente agradeceu-nos, mas nós não estamos a fazer favor nenhum. Estamos a respeitar a memória dos nossos e a memória da cidade. E há aquele lado egoísta, vermo-nos livres daquela angústia, é menos um caixote ou dois com papéis em casa. É confortável saber que está a ser bem utilizado. Por quem gosta, curiosos, estudiosos”, confessou Raul Paula Santos, bisneto de Raul de Caldevilla, ao portal Porto.

Para além da valorização do espólio, esta doação também é uma forma de “respeitar a memória do nosso bisavô e de uma das filhas dele, minha avó, que nos falou muito dele. Acho que a minha avó, e mesmo o meu pai, que foi a primeira pessoa a guardar isto tudo, concordariam, se estivessem cá, entre nós, com este gesto”, acrescentou.

“A família sempre teve noção que aquele espólio podia ser importante. Tínhamos noção que o nosso bisavô tinha sido relevante em algumas áreas, especialmente a publicidade. O meu pai, que era neto dele, guardou muita coisa. Mas houve muitas mudanças de casa, depois o meu pai esteve em Moçambique na tropa, portanto aquilo foi sempre ficando em caixotes”, recordou Raul Paula Santos.

Enquanto crescia, o bisneto de Raul de Caldevilla começou a interessar-se pelo trabalho do bisavô. “Gosto de história, de papéis, e de arquivos. Fui sempre mexendo naquilo. A minha mãe, naquelas arrumações domésticas, perguntava-me o que havia de fazer àquilo. Dizia-me para eu guardar. Sempre que havia mudanças de casa ou arrumações, o que nós pensávamos é que aquilo era importante e não podíamos deitar fora”, sublinhou.

Foi então que tudo se conjugou para que a memória e o trabalho de Raul de Caldevilla fossem preservados. “Apareceu um historiador a querer fazer a história da publicidade e a falar do nosso bisavô. Procurou familiares e chegou a mim. O Pedro Leitão diz que devia ter começado por mim, fui dos últimos que ele contactou, e dos que tinha mais coisas. Depois o Eduardo Cintra Torres também apareceu, porque estava a trabalhar na mesma área e encontrou-se com o Pedro Leitão. A partir daí, foi um certo alívio, porque já não sentíamos aquela angústia. Não queríamos deitar fora. Está entregue, é um certo alívio”, admitiu o bisneto.

“Nós somos todos do Porto. Temos essa paixão pela cidade, e isto é uma forma de reconhecer a cidade e ajudar a cidade a dar a conhecer alguém que, por acaso, é nosso bisavô. Mesmo que não fosse bisavô, nós tínhamos os papéis lá em casa. Aquilo não é nosso, não tem utilidade lá em casa. Tem utilidade aberto ao público e a quem estuda”, vincou Raul Paula Santos

A conversa remata com uma curiosidade: “O meu pai adorava o meu bisavô e pediu à minha mãe para manter o nome Caldevilla. Eu sou Raul porque o meu pai quis homenagear o avô dele, meu bisavô. E também sou Caldevilla no nome, embora use mais os apelidos Paula Santos. Assino Raul de Caldevilla Paula Santos, tenho algum orgulho nisso. O meu bisavô não é uma figura pública muito conhecida, mas para quem conhece é engraçado. Dá sempre pretexto para boas conversas.”

O nome de Raul de Caldevilla está imortalizado na toponímia da cidade, numa rua na freguesia de Paranhos, perpendicular a Costa Cabral. Desenvolveu um trabalho pioneiro na área da publicidade: “Um chá nas nuvens” ficou para a história como o primeiro filme publicitário realizado em Portugal.

Fundou em 1910 a Empresa Técnica Publicitária, pioneira na introdução da publicidade exterior e tornou-se célebre quando patenteou os primeiros outdoors ou “tabuletas” e quando começou a afixar os primeiros cartazes publicitários de dimensões. O seu dinamismo e criatividade depressa fizeram com que se transformasse numa das mais conceituadas empresas no sector, assim como mais tarde a Empreza do Bolhão.