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Trinta escudos de crocodilo valem mais de 70 anos de romarias e tradição

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Quem se dirige ao n.º 67 na Rua de Cimo de Vila não pode dizer que foi ao engano. É que, mesmo depois de alguns meses de remodelações, e algumas investidas selvagens pela cidade, a mascote da Casa Crocodilo continua fiel ao lar que o acolheu. As portas da tradicional loja de couros, solas e cabedais estão novamente abertas. E o animal bem seguro.

A história vale sempre a pena ser ouvida. E Guilherme Coutinho não se coíbe da viagem pela herança que recebeu do pai. A primeira loja de solas e cabedais de Tomás Coutinho iniciou atividade em 1947, na Rua Chã.

Foi precisamente nesse ano que lhe entrou “casa adentro” uma senhora com uma proposta inusitada: a compra de um crocodilo embalsamado, detentor de uns cinco metros de comprimento, vindo do Brasil. A senhora queria desfazer-se do animal porque este “assustava os netos”. O negócio ficou fechado por trinta escudos e o animal lá rumou à loja portuense para lhe servir de batismo.

O animal rumou à loja e o povo também. Miúdos e graúdos foram suscitados pela curiosidade, mas a vontade incontrolável de mexer nas unhas, nos dentes e na carapaça do animal obrigou o comerciante a ir em socorro do crocodilo, que foi pendurado no teto, não fosse entrar em extinção antes do tempo. Segundo conta o filho, houve episódios que até a polícia envolveram.

No ano seguinte, a Casa Crocodilo mudar-se-ia para a localização atual, com mais espaço e segurança para o animal. E foi aqui que Guilherme Coutinho se começou a interessar pelo negócio de família. Hoje, acredita que o filho lhe irá suceder e continuar a dar vida a esta mascote e a um atendimento personalizado a uma clientela fiel.

Nesta loja-oficina, os balcões são à moda antiga: têm largura e tamanho suficiente para se darem ao corte de metros de couro e às balanças; há máquinas de costura, armários construídos do chão ao teto, que contêm um infindável número de caixas e gavetas organizadas em fileiras, muitas amostras de tecidos em pele, os sapatos “de agasalho”, casacos, carteiras, porta-moedas de todos os tamanhos e feitios, entre tantos outros produtos artesanais.

Por duas vezes, o crocodilo teve a oportunidade de conhecer a cidade: num cortejo universitário, nos anos 60, a pedido de alguns estudantes, e em 1978, quando o Futebol Clube do Porto foi campeão nacional, e o animal foi até à Avenida dos Aliados festejar o fim de um jejum prolongado.

A recente intervenção trouxe-o de volta ao chão, mais perto de quem entra na casa, com esperança de que não seja necessário voltar a protegê-lo nas alturas.

A Casa Crocodilo integra, desde a primeira hora, em 2017, o programa municipal Porto de Tradição. A iniciativa que visa proteger e salvaguardar os estabelecimentos de comércio tradicional local tem a ela associada uma outra: o Fundo Municipal do Porto de Tradição, com apoios que podem ascender até aos 25 mil euros para que os comerciantes possam investir na melhoria das condições dos estabelecimentos classificados.

No habitat deste espécime selvagem, o resultado está pronto para ser confirmado pelas romarias de outrora. Um negócio bizarro, diriam muitos, mas que o tempo veio revelar uma aposta bem-sucedida.