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Tribunal da Relação decide não levar Odete Patrício a julgamento mas reconhece que ofendeu o Município

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O Partido Socialista pediu hoje que a Câmara do Porto publicitasse a decisão do Tribunal da Relação do Porto de não levar a julgamento a vereadora Odete Patrício, por declarações proferidas relativamente ao processo da Arcada. O acórdão não leva a vereadora do PS a julgamento, mas reconhece que as suas declarações no Facebook ofenderam o Município.

Segundo o PS, haveria uma sucessão de "decisões desfavoráveis" ao Município em matéria judicial, querendo, assim, justificar que a queixa do Município era, também, injustificada.

Cumprindo o desejo expresso pelo PS, a Câmara do Porto publicita aqui a decisão do Tribunal da Relação, que poupou a deputada socialista de ser julgada. Contudo, não pode a Câmara do Porto deixar de corrigir o comunicado do PS, pois não apenas a Câmara do Porto não perdeu sucessivamente as suas ações em Tribunal (desde logo ganhou recentemente aquela a que se referia a Dra. Odete Patrício: a da Arcada) como ganhou uma outra, anterior, contra a vereadora, quando um juiz de Instrução a constituiu arguida e a mandou julgar pelo crime de difamação. Foi essa pronúncia, favorável ao Município, que motivou o seu recurso, que agora resulta em Acórdão e que, de facto, a Dra. Odete Patrício agora ganhou, evitando o julgamento.

Em nome da transparência que o PS pede, sempre se dirá, por ser factual, que o referido Acórdão do Tribunal da Relação não deixa de reconhecer que as declarações da vereadora do PS "ofendem o bom nome do Município do Porto". Acrescentamos e alegava a Câmara do Porto: também ofendem o bom nome de funcionários que, tendo razão e competência no que fizeram (comprovadamente hoje através de sentença), foram acusados publicamente, vendo os seus nomes expostos em páginas nas redes sociais, como se fossem culpados de alguma coisa. Foram sobretudo esses - os técnicos municipais - que a Direção Municipal dos Serviços Jurídicos pretendeu defender e que a Câmara continuará, intransigentemente, a defender.

Ao contrário do PS, a Câmara do Porto defende-se ou acusa no local próprio, que são os Tribunais, deixando aos doutos juízes a decisão de Juízo. Não "ataca" nem "acusa" sem fundamento nas redes sociais nem lança sobre ninguém, independentemente do seu partido ou conveniência, anátemas e atoardas difamatórias.

É inaceitável que o PS se considere acima da Lei e acima dos Tribunais, querendo que os seus responsáveis políticos possam fazer livremente julgamentos públicos através das redes sociais mas negando ao Município a sua defesa através dos Tribunais. E é inaceitável que, querendo agora substituir-se até ao Tribunal da Relação, venha o PS de novo ofender o Município e os seus funcionários, acusando-os de litigância de má-fé.

Não é o PS que dita sentenças ou acórdãos. São os Tribunais. E nenhum Tribunal, neste ou em qualquer outro caso, considerou sequer a hipótese de estar o Município a litigar de má-fé. Bem ao contrário, pelo menos um Juiz de Instrução, até lhe deu razão.

Sobre o Acórdão em causa, e para que não seja o Município acusado de parcialidade na elaboração da notícia sobre o mesmo, reproduz-se a parte descritiva da notícia hoje publicada livremente na edição online do Público e assinada pelo jornalista Abel Coentrão, cabendo aos interessados a sua leitura e conclusões sobre o comportamento de uma vereadora eleita pelo PS.

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O acórdão da Relação, publicado a 6 de Maio e conhecido esta semana, fecha as portas ao julgamento de Odete Patrício num processo-crime que teve origem numa queixa do município, pois revoga o despacho de pronúncia decidido pelo juiz de instrução. O Ministério Público e a Câmara do Porto pretendiam que a antiga administradora da Fundação de Serralves fosse julgada e condenada por "um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva" e, perante esta decisão no recurso, o município vai avaliar outras formas de acção contra a também vereadora, uma independente eleita pelo PS.


"A CMP respeita todas as decisões judiciais e, neste caso, houve várias, umas favoráveis outras contrárias, tendo chegado a haver um juiz que mandou julgar. O presente arquivamento abre porta a um eventual procedimento cível cuja oportunidade o município ainda não avaliou", respondeu ao PÚBLICO a Câmara do Porto. Que, na resposta ao recurso, insistiu que considera ofensivos, quer para a autarquia, quer para os seus funcionários dos serviços de urbanismo, o recurso, em comentários sobre o licenciamento de obras junto à ponte da Arrábida, de expressões como Money makes the world go round and round... (O dinheiro é que faz girar o mundo), entre outras.


Opiniões não devem ser penalizadas


Para Odete Patrício, o município mostrou, neste caso, um "excesso de sensibilidade" em relação a comentários, feitos num perfil pessoal de uma rede social, sobre um processo urbanístico que, ainda hoje, assinala, suscita dúvidas em relação, por exemplo, à forma como os terrenos passaram para propriedade privada, na década de 90. E ainda que a Câmara do Porto tenha, recentemente, visto o Tribunal Administrativo considerar que o licenciamento da obra foi legal sem consulta prévia à autoridade portuária, por causa do domínio público hídrico, há ainda muito por esclarecer, assinala. Acrescentando que foi por isso que em 2018 escreveu a várias entidades do Estado, ora dando conta das suas dúvidas, ora pedindo informações sobre o respectivo papel neste processo urbanístico. 



Pelo meio, com o assunto em discussão pública, fervilhante, Odete Patrício foi intervindo, do ponto de vista pessoal, em termos que a câmara considera, ainda, excessivos, acabando por "denegrir a credibilidade e a confiança que a comunidade, em geral, deposita" na autarquia. Esta percepção chegou a ser acolhida e validada pelo juiz de instrução, mas o Tribunal da Relação teve um entendimento diferente. Para a dupla de desembargadores que analisou o caso, Odete Patrício não chegou a concretizar acusações, limitando-se a proferir opiniões, e é na diferença entre uma coisa e a outra que fundamenta a decisão de revogar o despacho de pronúncia.



"Inquestionavelmente, a emissão pública de tal juízo pessoal e expressão idiomática em comentário a uma postagem na rede social, onde a arguida referenciou de uma forma muito simplista diversos pareceres de um processo administrativo que estava pendente na Câmara Municipal de que é vereadora, é susceptível de ofender o bom nome do município do Porto", admitem os juízes. "Mas", acrescentam, "a formulação de tais expressões não deixam de ser meras opiniões e juízos de valor emitidos pela arguida".



"Não se trata da propalação de factos inverídicos, mas apenas e tão-só de uma opinião - juízo de valor - indiciariamente desprovida de fundamento real. Os juízos de valor traduzem convicções subjectivas, que só responsabilizam quem os profere, enquanto os factos constituem realidades objectivas", argumentam. E por isso, concluem, que "não se mostra preenchido o tipo legal de crime pelo qual a arguida foi, erradamente, pronunciada", não deixando de admitir, ainda assim, que "o prejuízo porventura sofrido" pela câmara "poderá encontrar reparação noutros planos que não seja o penal".



in Público, Abel Coentrão - 13 de maio de 2020