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A TAP já está a sair do Porto

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Miguel Nogueira

O Portal de Notícias do Porto tem mais números e dados que demonstram o desinvestimento que a TAP tem feito no Aeroporto Francisco Sá Carneiro e que provam não se poder dizer que existe um "hub" da companhia no Porto. Os dados foram recolhidos em documentos oficiais da própria empresa e em relatórios da Autoridade Nacional de Aviação Civil e ANA.


Na verdade, um "hub" é, no léxico da aviação civil, uma plataforma giratória de uma companhia aérea, onde existe um grande número de ligações diretas a grandes cidades e onde a companhia faz o transbordo dos seus passageiros.


Ora, os recentes cancelamentos de voos diretos do Porto para destinos como Roma, Milão, Bruxelas e Barcelona, praticamente, acabam com o que restava de um eventual "hub" da TAP no Porto, se é que existia.


O Portal de Notícias do Porto sabe que existem atualmente apenas 16 rotas exploradas pela TAP a partir do Porto e que, com o desaparecimento das quatro mencionadas, ficarão a existir apenas 12, contra perto de uma centena a partir de Lisboa. Contudo, mesmo entre essas 12 rotas, a principal frequência de voos a partir do Porto será para Lisboa, que já atualmente é o principal destino dos voos da companhia nacional, com uma frequência de 49 ligações semanais a partir da Invicta.


O segundo destino com mais voos semanais da TAP a partir do Porto é Paris, com 28 (quatro voos diários) e o terceiro é Madrid, com 18. Os voos intercontinentais a partir do Porto são cada vez menos e em 2015 a TAP descontinuou a ligação a Caracas, estando a reduzir para dois o número de voos semanais para Newark, Rio de Janeiro e São Paulo, os que sobram.


Simultaneamente, a TAP anuncia uma nova rota, entre Vigo e Lisboa, o seu "hub", o que representa uma vontade objetiva de concentrar os passageiros em Lisboa, já que a cidade galega se encontra no chamado "hinterland" (zona de captação) do Aeroporto do Porto.


TAP COM MENOS DE 20% DO MERCADO NO PORTO


Mas este desinvestimento nem sequer começou agora ou com os novos sócios privados da companhia. Os dados fornecidos pela ANAC, Autoridade Nacional da Aviação Civil, mostram que, no último trimestre de 2015, a quota de mercado da TAP no Aeroporto Francisco Sá Carneiro não era superior a 19%, contra os 31% no primeiro trimestre de 2013 e contra os 39% que há seis anos ainda possuía (2009).


A TAP perdeu quota no Porto de forma acelerada, mas não perdeu em Lisboa (como mostra o gráfico). Os mesmos dados mostram que a TAP está a desaparecer dos Açores, da Madeira e de Faro, onde praticamente já não existem voos da companhia e o único voo regular que ali é operado pela TAP liga Faro à capital, ou seja, ao seu "hub". A importância da TAP no Aeroporto de Faro não ultrapassa os 4% de passageiros, em voos regulares, num aeroporto que representa seis milhões de passageiros, que está a crescer e que serve um dos spots turísticos do país.


Nos Açores, a TAP já perdeu a liderança e ocupa mesmo a quinta posição entre os operadores em Ponta Delgada, com 7% do mercado, tendo sido rapidamente ultrapassada por novas companhias, que apenas recentemente começaram a operar no arquipélago e deixou de operar para outras ilhas. Na Madeira, a TAP voa para o Funchal, onde só já tem 30% dos passageiros e vê a EasyJet aproximar-se, com 19%, a mesma quota que a TAP tem no Porto?


RYANAIR TRANSPORTA O DOBRO DOS PASSAGEIROS QUE A TAP NO PORTO


Ainda quanto ao Aeroporto do Porto, a TAP possuía, segundo a ANAC, no último trimestre de 2015, 20% do mercado, contabilizadas apenas as dez maiores companhias. A liderança era da Ryanair, com 41% dos passageiros e a EasyJet, a crescer depois de ter investido 100 milhões de dólares numa base no Porto em 2015, representava já 12% do mercado. Mas, se somarmos os 4% de mercado já detido pela EasyJet suíça, então a quota de mercado da companhia está prestes a ultrapassar a da TAP. A francesa Transavia é a quarta em número de passageiros, com cerca de 6% do mercado no Porto.


Contudo, esta tendência da TAP para desaparecer ou para perder mercado não se verifica em Lisboa. Apesar do crescimento do aeroporto de Lisboa, da ordem dos 10% ao ano, a TAP tem conseguido manter a sua quota de mercado, o que significa transportar cada vez mais passageiros, como, aliás, a companhia faz questão de anunciar no seu Relatório de Sustentabilidade e no Relatório e Contas de 2014 (último aprovado), quase omissos quanto a estratégias para o Porto.


Em 2009, a quota de mercado da TAP em Lisboa era de 59% e hoje é de 57%, ou seja, mais de metade do trânsito que passa pelo aeroporto da capital é operado pela transportadora portuguesa. Note-se que, em 2015, o Aeroporto da Portela registou mais de 20 milhões de passageiros, mais de 10 milhões dos quais transportados pela TAP.


TAP TRANSPORTA PARA LISBOA TRÊS MILHÕES QUE NÃO QUEREM IR PARA LISBOA


Estes números, que representam crescimentos tanto para a TAP como para o aeroporto de Lisboa, demonstram bem como a TAP assume Lisboa como sendo o seu "hub". O seu único "hub". Na verdade, desses mais de 10 milhões, mais de 3 milhões são passageiros em trânsito, que não querem ir a Lisboa, mas que são obrigados a escalar na Portela. Muitos deles têm como destino o Porto e enchem os 49 voos semanais da companhia portuguesa para a Invicta, bem como os 21 da Ryanair, que elevam para 70 o número de voos semanais regulares entre as duas cidades. Ou seja, entre o "hub" e o aeroporto em que a TAP desinveste e que, na verdade, serve apenas para alimentar o "hub".


Mas, mesmo que os números não falassem por si, o Relatório e Contas Consolidado da TAP de 2014, aprovado pelo Conselho de Administração e pelo acionista Estado, não deixa dúvidas. Além de quase omisso em considerações, previsões ou estratégias para o Aeroporto do Porto, o documento afirma de forma clara os planos estratégicos da empresa para Lisboa: "No eixo de consolidação do crescimento da Companhia e aumento do foco no hub, será desenvolvido um esforço de crescimento contínuo da rede e de aumento do foco nas operações do hub de Lisboa e da sua contínua melhoria. No âmbito do crescimento da rede, a TAP ambiciona consolidar e robustecer a sua posição nos mercados em que atualmente opera e ambiciona definir e crescer em mercados de elevado potencial e nos quais tem tido uma presença inferior. No âmbito do aumento do foco no hub, a TAP continuará a otimizar e fazer crescer as suas operações no hub de Lisboa, e continuará também a desenvolver o seu papel nos outros aeroportos em Portugal a partir dos quais opera, tais como Faro, Porto e Funchal."


A supressão destas quatro rotas anunciada pela TAP representa um total de 45 voos semanais para quatro cidades importantes. Roma é a capital do colosso industrial que é Itália; Milão é um destino de primordial importância em matéria económica, para setores como o do calçado ou o têxtil, que têm forte implantação no Norte de Portugal; Bruxelas é o centro político europeu e Barcelona é a vibrante e, de alguma forma, análoga cidade espanhola, sobre a qual existe uma forte procura.


Estas quatro rotas representaram, em 2015, cerca de 190 mil passageiros para o Porto, que agora terão que viajar através do "hub" de Lisboa ou em voos diretos que companhias de outros países decidam operar, como já acontece com quatro dos três destinos (exceto Milão/Malpenza). Muitos destes passageiros irão engrossar o número de mais de três milhões de passageiros em trânsito que a TAP força na capital. O número de passageiros perdidos pelo Porto foi anunciado na semana passada pelo Portal de Notícias num artigo intitulado 

"A verdade sobre os voos da TAP" e não foi desmentido pela TAP ou por qualquer outra entidade.


Mas a Câmara do Porto sabe que há outras rotas da TAP que vão diminuir a sua frequência no Porto, como é o caso da ligação Londres/Gatwick, que terá a supressão de pelo menos sete voos semanais, o que eleva o número de supressões para pelo menos 52. Em causa está, por exemplo. o voo noturno de Londres para o Porto, que não tem grandes alternativas, a não ser voos bastante mais cedo, com escala em Lisboa. Esta operação, a ser suprimida, prejudicará milhares de portuenses que viajam atualmente de Londres, para onde existe um forte fluxo emigrante.


Segundo os dados que adiantamos hoje, a TAP realiza atualmente 204 voos semanais a partir do Porto, o que significa que a supressão anunciada pela companhia representa uma quebra superior a 25% na sua operação a partir do Porto, como a que está anunciada, e uma diminuição ainda muito maior na cota de mercado europeu a partir do Sá Carneiro, que pode superar os 200 mil passageiros/ano, mesmo que os voos transatlânticos não vejam a acabar, como se teme.


Pode afirmar-se que o número de operações não diminuirá tanto, pois teremos a anunciada "ponte aérea" para Lisboa, que a TAP promete fazer com aviões a hélice, mas isso apenas demonstra que em Portugal só existe um "hub" e que a TAP quer deixar de voar para o estrangeiro a partir do Porto, transformando-se na companhia de Lisboa.


Refira-se que, neste momento, existem 77 rotas com voos regulares a serem explorados por 15 companhias aéreas no Porto. Estas companhias realizam semanalmente 586 voos.


AEROPORTO DO PORTO COM CAPACIDADE PARA MAIS


Contudo, o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, que acaba de atingir mais de 8 milhões de passageiros em 2015 (processava 2,5 milhões em 2002) e esperava quase 9 milhões para 2016, segundo dados recolhidos no relatório e contas da ANA, Aeroportos de Portugal, tem capacidade para muito mais. A gare e a pista de Pedras Rubras poderão, sem grandes investimentos, multiplicar a sua capacidade.


Este último dado deixa perplexo quem analisa a aviação civil e o comportamento de uma companhia de bandeira, como a TAP. É que, há pelo menos dez anos que em Portugal se discute e se gastam milhões de euros em projetos devido à necessidade de construir um novo aeroporto em Lisboa, alegadamente porque a Portela estaria próxima de esgotar a sua capacidade. Ora, havendo capacidade instalada no Porto, não se compreende porque a companhia aérea nacional nunca foi forçada pelo seu acionista único (o Estado) a investir na sua utilização, como segundo "hub", aliviando Lisboa e fazendo passar os passageiros em trânsito pela sua base mais a Norte. Pelo contrário, como atrás se demonstrou através das contas da companhia, a Portela recebe pelo menos 3 milhões de passageiros em trânsito que poderiam facilmente ser processados no Porto, com maior conforto e menores custos, já que o aeroporto possui melhores condições e é sistematicamente galardoado como um dos melhores do Mundo na sua categoria.


O interesse estratégico nacional passaria, por isso, pela real existência de um "hub" da TAP no Porto e não pelo sistemático investimento no de Lisboa, alegadamente à beira de esgotar a sua capacidade. Essa é, contudo, outra questão interessante. Em 2009, antes da intervenção externa e antes do projeto do novo aeroporto de Lisboa ser abortado, depois da Associação Comercial do Porto, então liderada por Rui Moreira, ter demonstrado que o investimento não era necessário, dizia-se que a Portela esgotaria a sua capacidade nos 17 milhões de passageiros, até 2017.


Ora, em 2016, o Aeroporto de Lisboa parece continuar a funcionar sem problemas de maior, apesar do crescimento que o atirou este ano para cima dos 20 milhões de passageiros. Segundo uma entrevista recente do CEO da ANA, empresa que o gere e agora privatizada aos franceses da Vinci, provou-se este ano que no futuro ainda poderá processar muito mais e chegar aos 30 milhões, extrapolando os números de agosto deste ano, em que a pista da Portela suportou 40 movimentos por hora.


O Porto e o Norte de Portugal estão em retoma, com os setores tradicionais a saírem da profunda crise em que tinham mergulhado e com um novo filão, chamado turismo. Em 2015 o crescimento do número de dormidas voltou a estar acima dos 15% e os investimentos que estão a ser feitos na cidade demonstram que não se trata de uma moda que rapidamente passará.


TAP EM CONTRACICLO ABRE ESPAÇO PARA BRITISH AIRWAIS, TURKISH AIRLINES, IBÉRIA E LUFTHANSA


A cidade possui um magnífico aeroporto, ligado ao centro por metropolitano. Do Porto viaja-se por via rodoviária e ferroviária para o Norte e Centro do país. Companhias como a British Arways (que há 15 anos deixara a cidade), estão a regressar. Outras descobrem o Porto, como a gigante Turkish Airlines, com voos diretos para o gigante "hub" de Istambul. A SwissAir liga já o Porto diretamente aos seus dois "hubs" em Zurique e Genebra. A alemã Lufthansa, que até aqui se tinha preocupado em ligar o Porto ao seu "hub" de Frankfurt, anunciou sexta-feira a ligação direta do Porto a Munique, onde também possui um segundo "hub" que irá permitir aos portuenses substituir a TAP em muitas das suas ligações de média distância europeias. Há, até, uma nova companhia aérea de Andorra a estrear-se com voos para o Porto, que promete complementar a oferta da Ibéria ou da AirEuropa.


Enquanto tudo isto se passa, a TAP abandona o Porto de forma acelerada, como demonstram os números a que o Portal de Notícias do Porto teve acesso, divulga e que, na sua maioria, estão disponíveis nos relatórios e contas e de sustentabilidade da TAP, da ANA e nas estatísticas da ANAC. Fica apenas uma dúvida: pode uma companhia aérea nacional, detida por dinheiros públicos (antes a 100%, depois a 39% e, desde esta semana, a 50%) usá-los para aplicar uma estratégia puramente comercial no interesse do seu outro acionista privado? Pode uma empresa pública ser usada contra uma região e a favor de outra? Não será do interesse nacional o melhor aproveitamento dos recursos que existem, independentemente de estarem ou não na capital? As questões podem parecer, elas próprias, parciais. Mas a leitura da estratégia da TAP explicada no Relatório de Sustentabilidade da empresa demonstra que a aposta única e obsessiva no seu "hub" lisboeta, é clara. E também nos investimentos anunciados. De 11 milhões nos serviços técnicos e três milhões num lounge.


Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto, que há pelo menos uma década vem denunciando esta estratégia e que, a 2 de dezembro lançou a discussão sobre as alterações que se preparavam, falará hoje aos jornalistas, de novo, sobre o assunto.