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Se à porta dos restaurantes solidários bate alguém, volta agora a sentar-se à mesa

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Pessoas em situação de sem-abrigo, desempregados, dependentes, migrantes, alguém que teve um azar na vida, algo temporário ou a necessitar de uma resposta mais profunda, um problema de saúde, física ou mental, vivam no Porto ou fora dele. Sozinhos ou em família. Quem bate à porta dos restaurantes solidários da cidade, na Baixa, na Batalha e no Hospital Joaquim Urbano, volta, a partir de agora, a sentar-se à mesa para uma refeição mais confortável, digna e segura. São 560 todos os dias do ano e vem aí um quarto espaço, na zona da Boavista.

Foram dois anos a receber a comida em embalagens para comer noutro lugar de forma a mitigar a propagação do novo coronavírus. Por isso, este “é um dia importante”, confessa o vereador com o pelouro da Ação Social. E palavra essencial neste menu é dignidade.

“O objetivo do restaurante solidário”, refere Fernando Paulo, “é permitir uma refeição equilibrada do ponto de vista nutricional, de uma forma digna”. O plano sempre se fez com a abertura de quatro restaurantes solidários, de forma a alargar a resposta no território, ou, nas palavras do vereador, “não deixar ninguém para trás”.

“Dentro de três a quatro meses”, abrirá um novo espaço na zona ocidental, em Massarelos. Como os restantes, nasce para “prestar assistência a quem vive na rua ou em situação de sem-abrigo”. Mas, lembra Fernando Paulo, “há famílias com vulnerabilidades ou pessoas nas situações mais diversas às quais também procuramos dar resposta”, uma vez que “as perspetivas futuras não são as melhores porque os problemas sociais vão-se agravando”.

A necessidade de cobertura da zona ocidental há muito estava identificada para substituir as equipas de rua (que continuarão a fazer a distribuição em locais específicos da cidade) e revela-se de “uma importância fundamental para o trabalho integrado que temos vindo a fazer”, diz o vereador, nomeadamente com a abertura da sala de consumo assistido.

É que, como refere Fernando Paulo, os restaurantes solidários do Porto oferecem refeições, mas não só. O vereador sublinha também como “é importante falar com as pessoas, dar-lhes a oportunidade de se inserirem naquilo que são as respostas sociais que a cidade conseguiu criar para a reinserção social, para as apoiar em função daquilo que é o seu projeto de vida”.

“Hoje temos muitas respostas, felizmente”, acrescenta Fernando Paulo, referindo a Estratégia Municipal para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo onde se inclui a rede social e a parceria com o NPISA e as “mais de 65 instituições parceiras”, uma resposta “mais segura, mais adequada, e que consideramos mais digna, que vai de encontro às expetativas das pessoas”.

Dentro desta estratégia, o vereador lembrou ainda a presença da ministra do Trabalho e da Segurança Social, este mês, no Porto, para “assinar um protocolo com a Associação Seis para mais 40 camas em apartamentos partilhados”, potenciando o processo de integração “com maior dignidade”.

Estar presente para os transparentes da sociedade

Com um investimento municipal na ordem dos 400 mil euros anuais, os restaurantes solidários são uma resposta da cidade que é feita de vários braços. Se assim não fosse, garante Fernando Paulo, “o investimento teria que ser o dobro”.

As refeições são confecionadas pelos Serviços de Assistência Organizações de Maria (SAOM), com as doações de produtos alimentares dos hipermercados Continente e Mercadona, assim como do Banco Alimentar.

Os espaços são disponibilizados pela Irmandade Nossa Senhora do Terço, pelo Centro Hospitalar do Porto e pela Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude Feminina (ACISJF).

Do lado do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA) fica a gestão do funcionamento dos restaurantes no que toca a servir refeições, higienizar os espaços e captar voluntários. A estas entidades junta-se a experiência do Grupo de Ação Social (GAS) Porto na vertente de acompanhamento social aos utilizadores destes restaurantes.

Para o CASA, a “grande preocupação é, primeiro, chegar a todos os que nos procuram. E, depois, chegar a todos não apenas na área alimentar, mas também no apoio subsequente”, afirma a coordenadora daquela organização, referindo a existência de um gestor de caso.

Natália Coutinho reforça que “a importância, o simbolismo de voltar ao regime presencial é imenso” porque “é muito pouco digno uma pessoa ter que fazer fila, estar encostada a um carro, à espera que chegue a sua vez para lhe darem comida para comer…na rua”. Nos restaurantes solidários do Porto, as pessoas “, entram, sentam-se, têm talheres, louças, tudo direitinho, e somos nós que os servimos, somos nós que perguntamos se está bem, se quer repetir. Somos nós que falamos com eles”.

A responsável daquela instituição lamenta como estas pessoas “são, muitas delas, transparentes na sociedade”. “Tentamos mostrar-lhes que são pessoas como nós”, acrescenta, lembrando como “alguns dos casos tiverem apenas azares na vida e foram parar a uma situação de vulnerabilidade absoluta. E isso pode acontecer a qualquer um”.

À procura de voluntários para alimentar a alma

A pandemia atirou a bolsa de voluntários das quatro centenas para os 150 e atualmente são cerca de 30 diários. Natália Coutinho reforça como “estamos aqui a dar de nós, o nosso tempo, o nosso cuidado, a nossa atenção. A comida está lá, mas, na verdade, damos muito mais do que isso”.

Quem percebe bem esta ideia é Renata Caldeira, voluntária do GAS Porto, organização que tenta "alimentar-lhes o coração, a alma. O nosso voluntariado passa por estar, conversar, por ouvir, por fazer a ligação destas pessoas à sociedade. Trazer a dignidade que, em muitos, já foi perdida há muitos anos”, explica.

Voltar a poder sentar-se à mesa para uma refeição era, adianta Renata Caldeira, algo muito aguardado, pois “já ouvimos pessoas a dizer que nunca mais chegava a esta altura por dois motivos: por poderem conviver cá dentro entre elas e poderem conviver connosco lá fora”. Agora há mais tempo para “estar presente, sermos um ombro amigo, não julgar”.

“Se calhar, naquele dia, fomos os únicos que falámos para aquela pessoa”, acrescenta Natália Coutinho, partilhando a “satisfação imensa” que é “saber que, de alguma forma, fazemos a diferença e que esta, efetivamente, é real. Saímos muito mais ricos do que o que perdemos em termos de tempo. É…é amor. É amor”.