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“São os enfermeiros para a dona Emília?” Um dia a recolher votos de eleitores em confinamento (reportagem)

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A votação antecipada para os eleitores que estejam a cumprir confinamento obrigatório prossegue hoje. No primeiro dia da operação, o Porto. integrou uma equipa de recolha da votação no domicílio e conta a experiência na primeira pessoa: dos olhares na rua, à confusão com prestadores de cuidados de saúde.

As eleições presidenciais de 2021 ficarão inevitavelmente marcadas pela circunstância inédita de terem sido realizadas em plena pandemia. A votação antecipada registou grande adesão, mas houve eleitores para quem isso não foi uma possibilidade: aqueles que estão em confinamento obrigatório, por se encontrarem a cumprir isolamento profilático ou por estarem infetados.

A operação de entrega e recolha dos boletins de voto, no domicílio dos eleitores registados para o exercício do direito de voto em confinamento, no âmbito da pandemia de Covid-19, começa cedo. E com um longo ritual que vai repetir-se várias vezes ao longo do dia. Desinfetar as mãos. Vestir a bata. Desinfetar as mãos. Colocar a máscara. Desinfetar as mãos. Colocar a viseira. Desinfetar as mãos. Colocar as luvas.

Para além do material sanitário, estamos munidos de toda a documentação necessária para iniciar a operação: caderno eleitoral com as moradas dos eleitores que se inscreveram, boletins de voto, envelopes brancos, envelopes azuis, vinheta de segurança, e uma pasta plástica que durante a recolha vai servir de urna. Inscreveram-se 304 pessoas no Porto, 175 delas residentes em lares e 129 eleitores em confinamento.

Somos dois dos voluntários, funcionários da Câmara do Porto, que vão participar na operação. Houve equipas destacadas para os lares de idosos, mas a nós calhou-nos visitar casas particulares. E estamos prontos para arrancar para a primeira morada. Uma eleitora em isolamento profilático há alguns dias, mas a quem o encerramento já faz suspirar. “Vale o teletrabalho, para distrair o pensamento”, desabafa.

O primeiro voto foi recolhido sem sobressalto. Chegados ao local, identificamo-nos, confirmamos a identidade de quem vai votar, e explicamos o procedimento. Entregamos o boletim de voto e um envelope branco, onde o boletim é colocado pela eleitora após expressar a sua opção eleitoral. De seguida, cabe-nos colocar o envelope branco dentro do envelope azul, identificado com o nome da eleitora e o círculo eleitoral ao qual será remetido o sobrescrito com o boletim de voto. O envelope azul é depois selado com uma vinheta de segurança, e um duplicado desta é entregue à eleitora, como comprovativo.

A missão está cumprida, segue-se a desinfeção. Optamos pelo Batalhão de Sapadores Bombeiros, pela proximidade, embora existam mais dois locais na cidade para cumprir este passo. Um de cada vez, desinfetamos o calçado, depois somos pulverizados dos pés à cabeça com uma substância desinfetante, e de seguida entramos numa tenda para remover os equipamentos de proteção individual.

Saímos da tenda pelo lado oposto ao qual entrámos, e está na hora de voltar a equipar. Desinfetar as mãos. Vestir a bata. Desinfetar as mãos. Colocar a máscara. Desinfetar as mãos. Colocar a viseira. Desinfetar as mãos. Colocar as luvas.

Olhares na rua

Percorremos as moradas que nos foram atribuídas, entregando e recolhendo os votos dos eleitores que se registaram para exercer o direito de voto. É inevitável sermos alvo de olhares na rua, entre o desconfiado e o surpreendido – quase conseguimos ouvir as interrogações que passam pela cabeça das pessoas com quem nos cruzamos.

A certo passo, o equívoco previsível por causa das batas brancas: estamos à porta de um prédio, a tentar perceber qual o andar a que devemos dirigir-nos, e somos interpelados pela porteira: “São os enfermeiros para a dona Emília?”

A confusão desfaz-se rapidamente, e em breve encontramos a porta certa. Não tarda temos mais um envelope azul na pasta.

Segue-se nova desinfeção, troca de equipamento, e mais uma viagem. Seguimos para as imediações da Via Panorâmica, para uma casa modesta mas que tem uma vista de cortar a respiração sobre a foz do Rio Douro. “Se quiserem troco, vivo há 50 anos com esta vista, já nem ligo”, admite o eleitor, entre o gracejo e a sinceridade. Não tem onde apoiar o boletim de voto, e pede-nos a pasta para esse fim – mas não pode ser, claro, ditam as regras de higiene.

Voltamos a contar com os bombeiros para desinfetar-nos dos pés à cabeça, trocamos mais uma vez de bata, máscara e luvas (só a viseira é reutilizável), e avançamos para uma morada onde somos recebidos com um pedido em surdina: “Podemos falar baixo? Tenho o bebé a dormir”. O descanso do rebento não é perturbado pela operação, que termina com mais um voto recolhido com sucesso. E um novo pedido a terminar: “Podemos tirar uma fotografia? Para a posteridade”. Pois seja, salvaguardando as devidas distâncias, o eleitor na soleira da sua porta e nós no patamar das escadas – sinal dos tempos.

No final do dia teremos percorrido mais de 80 quilómetros para recolher um total de dez votos. As marcas no nariz e na testa denunciam a utilização prolongada de máscara e viseira (e isto foi uma brincadeira, comparado com aquilo por que passam os profissionais de saúde). Hoje há mais.

Integraram as equipas de recolha de voto antecipado, para eleitores em confinamento, os seguintes colegas:

Adolfo Sousa

Patrícia Rapazote

Rui Moreira

Rosário Morais

Ângelo Costa

Conceição Campos

Graça Lacerda

Pedro Sá

António Sérgio Osório Silva

Maria José Lopes

Pedro Aguiar

Andreia Moutinho

Maria José Corte-Real

Raquel Paupério

Juliana Faria

João Pedro Frutuoso

Isabel Ferreira

Alexandra Neto

Patrícia Ferreira

António Santos Freitas

José Carlos Cabral

Luís Mamede

Sérgio Gomes

Tiago Pimentel

Carlos Freitas

Maria Augusta Martins

Paula Gomes

Ana Pereira

Cristiana Cruz

Carina Barros

Óscar Silva