Economia

Rui Moreira sobre o impacto da pandemia na economia: “estou extremamente preocupado com o que vai acontecer”

  • Isabel Moreira da Silva

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Miguel Nogueira

O presidente da Câmara do Porto participou, esta manhã, num webinar promovido pelo IGAP - Instituto de Gestão e Administração Pública, em que refletiu sobre os impactos da terceira vaga da pandemia no tecido económico. Rui Moreira antevê que “um novo confinamento vai levar à inglória de imensas empresas” e considerou que “tem faltado dimensão humana” face a uma “excessiva matematização”. Como soluções, aponta a redefinição das cadeias de valor e o investimento nas médias empresas do setor secundário, através da criação de um “fundo soberano”, em que o Estado participaria apenas o tempo suficiente para estimular o emprego e valorizar a indústria.

No webinar “Cidade e Território NA e PÓS PANDEMIA – Visão e Opinião / Políticas e Leis”, o autarca disse estar “extremamente preocupado com o que vai acontecer” em toda a cadeia de valor, agora que se aproxima um novo confinamento geral.

Rui Moreira entende que falta “um plano de vacinação”, e que era preciso o Governo “mobilizar todos os recursos disponíveis para vacinar a população” no menor curto espaço de tempo, seguindo um modelo semelhante ao de Israel, país que tem recrutado o apoio de vários setores da sociedade, inclusive os militares. E, em simultâneo, afirmou que é preciso continuar a “testar, testar, testar”, como fez o Município do Porto logo em março, altura em que montou um modelo pioneiro de testagem nos lares.

Quanto mais rápido decorrer a vacinação, insistiu, mais rápido se relança a economia e o turismo, “porque as pessoas vão querer desesperadamente voltar a viajar”, analisou o autarca. No entanto, só o farão “se se sentirem seguras”, e o sentimento de segurança só é percecionado se o país conseguir controlar rapidamente a pandemia, argumentou.

No mesmo painel em que debateu com a economista e jornalista, Helena Garrido, o presidente da Câmara do Porto acredita que a maior parte da atividade turística nacional, “até vai conseguir passar entre os pingos da chuva”, menos a oferta turística dos paquetes, porque “não há quem queira ficar muito tempo confinado num barco ou navio”.

A colega de painel complementaria esta reflexão: “temos de conseguir chegar ao verão com o quadro estabilizado. Se nos atrasarmos na vacinação será ameaça muito séria à recuperação da economia, ao turismo e criaremos problemas adicionais às empresas”, prevê Helena Garrido.

Para o presidente da Câmara do Porto torna-se por isso, já nesta fase, mandatório repensar as cadeias de valor, para evitar que o impacto da pandemia na economia tenha “uma dimensão muito maior” do que aquela que já se prevê.

“Precisamos de reconstruir, a nível europeu, as cadeias de valor. Já vimos que não podemos confiar na logística global em situação de pandemia”, constatou Rui Moreira, que deu como exemplo aquilo que os americanos fizeram quando se viram afetados por problemas de fornecimento de bens, após fenómenos naturais como o tsunami no Japão e as grandes inundações na Tailândia.

Rui Moreira acredita que este novo olhar sobre o setor secundário terá também reflexos sobre as próprias cidades. “O setor terciário vai perder a preponderância e vai assistir-se a secundarização das atividades, que é hoje compatível, porque o setor também evoluiu e se modernizou”.

Por reconhecer nesta área da economia uma alavanca ao desenvolvimento do país, o presidente da Câmara do Porto propôs que se criasse uma espécie de “fundo soberano”, em que “o Estado entraria nessas empresas com uma cláusula de saída”, quando a valorização e o estímulo ao emprego estivessem cumpridos.

“Já tive conversas com o primeiro-ministro e com o ministro da Economia sobre esta matéria. Faz-me muita impressão que não se olhe para estas médias empresas, que estavam de boa saúde e são a base da nossa economia”, justificou o autarca, que voltou a questionar os grandes investimentos, como a Estratégia Nacional para o Hidrogénio ou a excessiva a atenção dada a empresas como a Autoeuropa, para concluir que o país ainda não abandonou “o complexo de Mafra”.

Teletrabalho, e-commerce e impacto na demografia

Em termos sociológicos, a pandemia também acarreta uma série de mudanças. No caso do teletrabalho, veio acelerá-lo; no caso do e-commerce, impondo novas formas de consumo, que nem sempre são benéficas para as cidades, acredita Rui Moreira.

Duas grandes obras da literatura estabelecem o paralelismo do pensamento do autarca: “1984”, de George Orwell, e “The Decameron”, de Boccaccio.

Segundo o presidente da Câmara do Porto é uma inevitabilidade assistir a estas mudanças, mas compete aos decisores políticos e à sociedade em geral evitar os efeitos perversos desta evolução.

O fenómeno crescente do e-commerce, pelos problemas de trânsito acrescidos que cria nas cidades, pode ser dirimido com um modelo que já tem sido testado em países como Holanda e Alemanha, sugeriu. Referia-se Rui Moreira ao aproveitamento de antigos parques de estacionamento subterrâneos, onde são colocados cacifos para a deposição das encomendas, que obriguem as pessoas a sair de casa para as levantar.

“Não podemos permitir que a cidade seja balcanizada”, argumentou o presidente da Câmara do Porto, socorrendo-se do conceito de “segurança das cidades” da autora Jane Jacobs, que defendia que o sentimento de segurança no meio urbano é construído primordialmente pela própria circulação de pessoas.