Política

Rui Moreira equaciona providência cautelar para travar transferência de competências na ação social

  • Isabel Moreira da Silva

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Filipa Brito

Rui Moreira admitiu esta manhã que a Câmara do Porto pode avançar com uma providência cautelar para impedir a transferência de competências na área da ação social, no âmbito do processo de descentralização em curso. Este ano, o município ainda conseguiu recusar, mas a lei diz que a partir de 31 de março de 2022 esta transferência torna-se obrigatória. O autarca sustenta que “as verbas vêm suborçamentadas” e argumenta que o acréscimo na despesa, só nesta matéria, deverá rondar os 7 milhões de euros por ano.

Calculadora em riste, muitas contas de somar e apenas uma parca contribuição anual do Estado Central, no valor aproximado de 1,886 milhões de euros, para suportar um encargo considerável na área da ação social que pode atingir os 9 milhões de euros por ano.

A Câmara do Porto fez o trabalho de casa, inclusive bateu à porta da Segurança Social, e se dados houve que permitiram apurar com maior precisão algumas das despesas que esperam a autarquia, outros ficaram na soleira da entrada, dificultando uma contabilização dos custos mais aproximada. Se quisesse mais detalhe, o município teria de contactar diretamente a Secretaria de Estado da Ação Social, assim respondeu à autarquia a Segurança Social.

Rui Moreira partilhou esta informação na reunião de Executivo Municipal desta manhã, em que deu nota de que foi isso mesmo que fez na passada semana, altura em que escreveu uma carta para o gabinete da secretária de Estado da Ação Social, Rita Mendes.

Na carta de pronúncia, o presidente da Câmara do Porto menciona que o estudo interno considerou as duas áreas com maior impacto financeiro, nomeadamente o Rendimento Social de Inserção (RSI) e o Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS).

“No mapa enviado para pronúncia constam 5.827 processos familiares de RSI”, refere o ofício de Rui Moreira que, acrescenta, contudo, que os dados disponibilizados pela própria Secretaria ao município, indicam que, em finais de 2020, o número de processos era de cerca de 8.450, por via dos protocolos celebrados com IPSS da cidade.

“Se considerarmos o montante anual dos seis protocolos de RSI constante do mapa, no valor de €986.886,00 para gerir cerca de 2.040 processos e à necessidade de celebrar protocolos para a gestão dos restantes 6.000 processos temos um deficit de €2.960.658,00”, detalha o autarca.

“É condenar os municípios há falência. Somem a isto educação, saúde e as transferências das competências que já estamos a ter da APDL [Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo], estamos a falar de 20 a 25 milhões de euros por ano", comentou hoje Rui Moreira na reunião de Câmara, admitindo, a este propósito, que o município pode intentar uma ação judicial de modo a não ter que assumir estas competências no próximo ano.

“Vamos analisar no foro jurídico a eventualidade de suscitar uma providência cautelar, porque o espírito da lei é claramente violado”. “Ou há uma alteração legislativa ou não vejo outra hipótese senão colocarmos uma providência cautelar”, frisou.

Segundo o presidente da Câmara do Porto, que deixou novamente críticas à forma como a ANMP – Associação Nacional de Municípios Portugueses geriu o processo, “esta pseudo-descentralização”, custará cerca de 7 milhões de euros por ano aos cofres do município, só na área da ação social. Rui Moreira disse ainda que os municípios de pequena dimensão, seduzidos por um pacote financeiro que lhes pareceu aliciante ao permitir que tivessem acesso a fontes de financiamento que, de outro modo, lhe eram vedadas, serão os primeiros a sentir as dores desta suborçamentação. “Vão ficar depenados”, prevê Rui Moreira.

“Ainda se vai a tempo de reverter [a lei]. De outra forma, é destruir o Estado Social e atirar a responsabilidade para os municípios”, concluiu o presidente da Câmara do Porto, que tem repetido, em diversos fóruns, que a transferência de competências, na verdade, é uma tarefização de competências.

O vereador da Habitação e Coesão Social, Fernando Paulo, fez referência aos números recolhidos pelo município, alertando, como atrás se viu em relação ao número de processos do RSI, que os mesmos diferem dos indicados pelo Gabinete da Secretária de Estado da Ação Social, aquando do pedido de pronúncia sobre a transferência das competências da ação social para as autarquias.

No caso do Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS), a informação que a autarquia obteve indica apenas como o volume dos atendimentos e dos acompanhamentos, não podendo este somatório ser confundido com o número de processos ativos. Isto porque, segundo o mapa enviado pelo Governo, constam 15.959 processos familiares, mas os serviços municipais estimam que seja necessário acautelar resposta a 150 mil atendimentos e acompanhamentos por ano.

“Há desfasamento brutal”, constatou Fernando Paulo, denunciando que atribuição do subsídio proposto para este vetor, ronda somente os 100 mil euros. Ideia, aliás, expressa na carta que Rui Moreira assina, em que diz que a verba é “manifestamente insuficiente”, dado que “apenas cobre cerca de 1/6 das necessidades, pelo que temos um deficit que ronda os 530 mil euros”.

Da parte da CDU, a vereadora Ilda Figueiredo concordou com a posição tomada pelo presidente da Câmara do Porto, manifestando ver com preocupação este processo de descentralização, que acarreta “perigos” para os municípios, nomeadamente ao nível da coesão social e territorial.

Já a vereadora socialista Fernanda Rodrigues questionou sobre o posicionamento da Área Metropolitana do Porto (AMP) quanto à descentralização de competências, tendo sido esclarecida por Rui Moreira que esta matéria não tem sido objeto de preocupação daquele organismo.

Recorde-se em meados do mês de abril o Executivo Municipal, recusou, com os votos contra do PS, a descentralização de competências na área da ação social para 2021. A mesma decisão tomou a Assembleia Municipal na semana passada.