Política

Rui Moreira aponta falta de complementaridade no combate à pandemia

  • Milene Câmara

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A falta de complementaridade entre o poder central e local afetou de forma decisiva o combate à pandemia da Covid-19 em Portugal. Numa grande entrevista ao jornal Nascer do Sol que é publicada na edição deste sábado, 24 de abril, Rui Moreira falou sobre a estratégia seguida pelo Porto que divergiu, em muitos aspetos, da estratégia nacional, liderada pela Direção-Geral da Saúde. Para o presidente da Câmara do Porto “o poder central impôs todas as regras” e “depois viu-se na necessidade de pedir ao poder local e ao poder autárquico para resolver os problemas que ele já não conseguia resolver”.

Ventiladores e máscaras em tempo recorde

De entre uma multiplicidade de temas abordados, a pandemia destacou-se na conversa do autarca com o jornalista Vítor Rainho, até porque o Porto foi pioneiro em várias medidas implementadas no início da tragédia da covid. Os primeiros ventiladores trazidos para o país foram exemplo dessa ação rápida desenvolvida pelo município portuense, resultado da relação de geminação e de diplomacia institucional com Macau e a cidade chinesa de Shenzhen.

“Sabíamos que estavam a produzir ventiladores, certificados para a Europa, e o que fizemos foi antecipar a venda a Portugal, neste caso ao Porto, tendo previamente falado com os hospitais S. João e St.° António do Porto, para perceber se aqueles ventiladores eram os mais adequados à situação e se tinham a certificação necessária. Os ventiladores vieram a um preço bastante inferior até a outros que foram adquiridos posteriormente pelo Governo”, explicou Rui Moreira.

A compra de máscaras foi igualmente uma das prioridades para o autarca. Uma fábrica no Porto começou a produzi-las a baixo custo e a autarquia do Porto foi das primeiras a “ter um conjunto de máscaras disponíveis, numa altura em que a DGS pensava que as máscaras eram inúteis”.

“Começámos a fazer máscaras para aquilo que era essencial, ou seja, não só para as nossas necessidades próprias. Estamos a falar dos bombeiros, da Polícia que estava em contacto com a população. Mas também para IPSS e para lares”, explicou Rui Moreira.

“O problema dos lares é uma tragédia mal contada”

Para o presidente da Câmara do Porto a proliferação dos infetados em lares de idosos em território nacional “é uma tragédia com foros de escândalo”.

Na primeira vaga pandémica, o Município liderado por Rui Moreira montou uma estratégia que não passou apenas pela compra de ventiladores e máscaras, mas também por adquirir testes à China de modo a cobrir “muito rapidamente todos os lares da cidade”, formais e informais, dado à vulnerabilidade daquela população.

“A nossa estratégia era de separação dessas pessoas imediatamente e, nessa altura, houve uma grande resistência da Direção-Geral da Saúde, e nomeadamente na estratégia que implementámos. E acabou por ser implementada lentamente no país. Acho que a Direção-Geral da Saúde esteve mal. Por isso é que montámos em conjunto com a Ordem dos Médicos e também com o Hospital de St° António, o pavilhão Rosa Mota para rapidamente separar as pessoas”.

Rui Moreira não tem dúvidas de que a concretização célere desta medida de separação foi crucial na diminuição da taxa de contaminação e consequente mortalidade a nível concelhio, o que não se verificou a nível nacional.

Porto a postos para conseguir vacinar toda a população em 2 meses

À semelhança do início da pandemia, Rui Moreira tem tomado todas as diligências de modo a preparar a cidade para uma vacinação em larga escala, também aqui, optando por divergir do rumo nacional imposto pela DGS. O centro de vacinação drive-thru, instalado no Queimódromo e com capacidade para inocular até 2 mil pessoas por dia, pronto a arrancar a operação desde fevereiro mal hajam vacinas disponíveis, é exemplo disso.

“Neste momento temos um drive-thru instalado, que tem uma capacidade apreciável que não está a ser utilizada, esperemos que venha a ser utilizada quando houver vacinas. Tem uma capacidade de 7 mil a 8 mil vacinas por mês. Podemos multiplicar por mês esses modelos, rapidamente conseguimos chegar muito mais longe”, refere o presidente da Câmara do Porto que acredita ser possível vacinar toda a população da cidade em 2 meses.

Contudo, esse modelo de vacinação não é a opção seguida pelo Estado Central, que optou, para já, por utilizar estruturas e recursos dos centros de saúde, o que, no entender de Rui Moreira é um “erro”.

“Vamos precisar de vacinar muita gente e seria bom que a vacinação não fosse feita no centro de saúde. Os centros de saúde são para as necessidades de proximidade das pessoas que têm patologias, das pessoas que estão doente, das pessoas que precisam de consultas. Não acho que seja boa estratégia misturar as duas tribos. A tribo que está doente e a tribo que não quer estar doente”, explica ao jornal o autarca.

Apesar da discordância, a Câmara do Porto disponibilizou e agilizou todos os meios para auxiliar a Task-Force na vacinação. Foram cedidas duas escolas que estavam encerradas e recursos para montar uma tenda de recobro. Além disso, o Município estabeleceu um protocolo com as duas centrais de táxis da cidade para o transporte de pessoas até aos locais de vacinação.

Rui Moreira encontra-se, também, a delinear uma estratégia autónoma de compra de vacinas, juntamente com a Câmara de Cascais, logo que a quantidade disponível no mercado aumente.

“Mais cedo ou mais tarde, a capacidade a nível europeu e a nível mundial vai permitir que haja vacinas em quantidade suficiente. E qual é a nossa estratégia? A nossa estratégia tem a ver com o facto de a questão das vacinas não ser um problema apenas de este ano. Acho que as pessoas ainda não compreenderam que as vacinas para a covid-19 vão ser como as da gripe sazonal. Todos os anos vamos ter de ter stocks”.

Falta ousadia ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)

Relativamente ao PRR, o autarca do Porto aponta duas grandes preocupações. A primeira referente à territorialização, considerando que este plano é “provavelmente a última oportunidade do tempo das nossas vidas de mudar o paradigma do país e de combater o excesso de concentração no litoral das duas áreas metropolitanas” e que peca por não pensar um modelo de desenvolvimento diferente.

“Continua haver um excesso de fluxo às cidades. Como houve com o Estado Novo, em Lisboa nos anos 40 e 50 a cidade encheu-se. É extraordinário que este modelo continue a ser perpetuado. E que não se perceba, através deste plano, que seria possível criar no interior do país, nos territórios de baixa densidade, condições de atração que fixasse desde logo a população e, quiçá, levasse para lá a população. O plano é pouco ousado, é mais do mesmo”.

A segunda grande preocupação refere-se às medidas estabelecidas, em que 70% são para salvar o Estado. “O Estado não se reforma, nem durante o tempo da troika se reformou”, diz o autarca, para quem o PRR vai ser, mais uma vez, “uma almofada para tapar os buracos”.

“A descentralização, tal como foi pensada, não é descentralização nenhuma”

Sobre o processo de descentralização em curso, o presidente da Câmara do Porto reitera a posição que tem vindo a defender de que “é o Estado a lavar as mãos e a atirar para as autarquias este tipo de competências”.

Rui Moreira refere, entre outros, o exemplo da saúde, onde o modelo de descentralização proposto pelo Estado passava apenas pela manutenção dos espaços e pagamento do pessoal administrativo e de limpeza, sem qualquer competência de gestão das unidades.

“O Estado dá-nos apenas as tarefas, mas não permite definir qual o número de médicos, quais são as competências desses centros de Saúde e os horários de funcionamento. Algo está a correr mal. Isto demonstra que a descentralização, tal como foi pensada, não é descentralização nenhuma”, afirmou.

Encurtar a distâncias físicas e aproximar regiões pode passar pela ferrovia

Em matéria de transportes, o presidente da Câmara do Porto sublinha que é necessário apostar numa linha onde possam, simultaneamente, andar comboios a diferentes velocidades. As ligações devem passar não só por melhorar e encurtar a viagem Porto-Lisboa, mas também estabelecer ligação com ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro e a Corunha, na faixa Atlântica.

“Parece-me que teremos uma segunda alternativa à Linha do Norte porque, neste momento, com as mercadorias, os Intercidades, os Interregiões, os Suburbanos, não permite aumentar a velocidade”.

Quanto à TAP, Rui Moreira reitera a posição que sempre assumiu de que a transportadora aérea “tem maltratado o Porto” e “tentou sempre inibir o crescimento do Aeroporto Francisco Sá Carneiro porque nele não estava interessada”, disse.

“Chego a Faro, olho para a lista de voos, não encontro nenhum da TAP. Vou à Madeira, também não. Vou ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro, há um. A TAP parece interessar-se apenas pelo Aeroporto de Lisboa. Se for privada, não há problema nenhum, é uma decisão dela. Sendo paga por todos os portugueses, havendo outros aeroportos em Portugal, parece haver algum desequilíbrio”, referiu, respondendo que para injetar dinheiro é necessário que seja feito serviço público, o que não acontece.