Política

Rui Moreira em entrevista ao JN/TSF: “verbas da bazuca vão ser para manter o Estado incompetente e para obras faraónicas”

  • Isabel Moreira da Silva

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O JN publica na edição em papel deste domingo uma grande entrevista a Rui Moreira, que também é emitida hoje, às 12 horas, na TSF. Entre os temas abordados, o presidente da Câmara do Porto manifestou, uma vez mais, a sua preocupação com o Plano de Recuperação e Resiliência, antevendo que a bazuca será desperdiçada “em obras faraónicas”, e que não acredita na descentralização da gestão das verbas.

Rui Moreira é crítico do Plano de Recuperação e Resiliência e crê mesmo que esta possa ser mais uma oportunidade perdida. “Mais uma vez estamos a tratar o país como se fosse igual”, afirmou na entrevista ao JN/TSF, conduzida por Domingos de Andrade e Inês Cardoso (ouça aqui a entrevista na íntegra).

“E, mais uma vez, o que temos é assistencialismo para o Estado, na sua incompetência de se transformar. Grande parte das verbas vão ser para manter o Estado incompetente como o temos e para as habituais obras faraónicas. Foi sempre assim com as especiarias que vieram das Índias, porque se construiu a Torre de Belém, e foi assim com o ouro do Brasil, porque se construiu Mafra, foi assim com a Europa, porque se construiu o Centro Cultural de Belém para depois alugar uma coleção de quadros para meter lá dentro, e vai ser assim com a ‘bazuca’”, assinalou.

Para o presidente da Câmara do Porto, muito pouco pode fazer Marcelo Rebelo de Sousa nestas circunstâncias, nem com a sua magistratura de influência, porque existe um problema de fundo incontornável. “Cada vez que entra em dificuldades, o país centraliza-se. Isto é típico de um império colonial”, declarou, dando como exemplo o centro de vacinação drive-thru, instalado no Queimódromo, em que as pessoas não têm de sair do carro para ser vacinadas e em que podem aguardar confortavelmente na viatura os 30 minutos do tempo de recobro. “Está preparado e não querem usar porque é uma iniciativa do Porto”, afirmou.

Por isso, o autarca considera altamente improvável que, nos próximos tempos, haja qualquer avanço no tema regionalização, ainda que o Presidente da República, no seu discurso de tomada de posse do segundo mandato, tenha deixado velada a possibilidade de o país olhar para a questão. “Nesta altura, não há condições para isso. Porque ninguém, no Parlamento, verdadeiramente deseja. Objetivamente, o Presidente da República agora coloca-se nesta posição de neutralidade porque sabe que é uma neutralidade em que ganha, sabe que as estruturas dos partidos nunca o vão querer fazer”.

Se os partidos demonstraram nesta questão das leis eleitorais que querem manter o controlo apertado de tudo, se olharmos para o que foram as medidas que têm sido tomadas a nível económico relativamente a estes confinamentos, percebemos que o país vive confortável com o centralismo

Situação idêntica se passa com a descentralização, que “não é descentralização nenhuma, é uma tarefização”, diz Rui Moreira, admitindo que não há forma de travar o modelo. “Haveria margem se tivéssemos uma Associação Nacional de Municípios (ANMP) que não fosse uma emanação do centralismo”, criticou o presidente da Câmara do Porto, acusando a associação – onde “quem manda” é PS e PSD – de ter feito “o negócio com o Governo”, acusou.

“40 mil milhões de euros para uma ‘TAPinha’ é muito dinheiro”

Entre a multiplicidade de temas abordados na entrevista, descolou o da TAP. Rui Moreira, que há já muitos anos é uma voz crítica da gestão da companhia de bandeira portuguesa, afirmou que “a TAP foi sempre uma companhia que teve uma política contra o Porto e contra o nosso aeroporto”, que estruturalmente é a última empresa colonial, e que, por essa razão, “há muito que devia ter desaparecido”.

Com a mesma clareza, o presidente da Câmara do Porto considera que o interesse estratégico que a TAP possa ter “é um luxo para um país como o nosso”, e que essa extravagância dificilmente custará aos portugueses menos de 40 mil milhões de euros. “E, ao mesmo tempo, dizemos que vai ser para uma ‘TAPinha’. 40 mil milhões de euros para uma ‘TAPinha’ é muito dinheiro”, ironizou.

Quanto à retoma do turismo, Rui Moreira acredita que já poderá haver turismo na cidade do Porto neste verão, e também um vislumbre do São João, ainda que adaptado às atuais circunstâncias.

São João: concertos na Avenida “garantidamente que não”

A mais querida festividade popular da cidade não será ainda em 2021 igual à última que se viveu em 2019. O presidente da Câmara do Porto confirma na entrevista ao JN/TSF que no São João “não vamos ter concertos, não vamos concentrar pessoas na Avenida dos Aliados”, e que, “muito provavelmente”, não fará sentido haver fogo de artifício, embora deixe a confirmação para depois da conversa que terá com o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, na próxima semana.

“Espero que possamos ter um S. João como havia na minha infância. Quando era miúdo, ia para casa da minha avó, na Rua da Constituição, havia umas fogueiras, havia uns sítios onde comíamos umas sardinhas, havia uns bailaricos. Se tivermos esse S. João, é um S. João”, recordou.

Apoios à restauração

Num momento em que os vários setores de atividade enfrentam uma crise sem precedentes, que abalou toda a economia, Rui Moreira aproveitou para esclarecer os apoios que a Câmara do Porto tem dado à restauração, uma vez que o setor reclama que não está a receber apoio municipal.

“Não é verdade, nós temos dado. Permitimos um conjunto de isenções de taxas, de licenças, de despesas de água, das esplanadas que foram colocadas na rua e da animação que promovemos”, salientou, distinguindo estes apoios daquilo que é uma subsidiação direta.

Apesar de tudo, não tiveram de encerrar a sua atividade totalmente. Há outras atividades que estão completamente encerradas. Não é por um setor ser mais resiliente na contestação que eu lhe posso dar uma ajuda diferente; este é um aspeto de equidade. O segundo aspeto é que o Estado resolveu concentrar em si todas as medidas de auxílio económico, não passando competências e dinheiro para as autarquias.

Numa conversa que aflorou ainda alguns temas de caráter social, Rui Moreira assinalou o “grande investimento” que tem sido feito pelo Porto para as pessoas em situação de sem-abrigo e com graves carências sociais. “Temos restaurantes solidários a funcionar, aumentámos o número de camas disponíveis”, descreveu.

Contudo, diz, faltam apoios e uma visão estratégica que ataque o problema não a uma escala municipal, mas sim no plano distrital ou regional. “A nível nacional, prometiam-se milhões, há dois ou três anos, mas a verdade é que os fundos que vêm do Estado são mais ou menos zero. Depois, estamos a criar migrantes artificiais, através do apoio que na cidade do Porto damos aos sem-abrigo. Há pessoas que vêm de municípios limítrofes para utilizar esses serviços”, expôs.

Rui Moreira revelou ainda que “até ao final do ano, a sala de consumo assistido amovível estará a funcionar”, uma vez que nesta altura já constituído o júri para o concurso.

Marcada reunião sobre a VCI

A fechar a entrevista, foi abordada a mobilidade da cidade. Rui Moreira anunciou que “está agendada já para a próxima semana uma reunião com a IP [Infraestruturas de Portugal]” sobre a VCI, e que o estudo que os municípios ficaram de apresentar ao secretário de Estado, que também prevê a equação de portagens na Via de Cintura Interna, “está pronto”.

Relativamente à expansão das linhas de metro, que o autarca considera que irá ter um papel determinante na redução do tráfego automóvel no interior da cidade, Rui Moreira destaca uma em particular. “A linha de Santo Ovídio, pelas Devesas até à Casa da Música, vai resolver um enorme problema que é a entrada no Porto da margem sul de Gaia”.

Para o norte do concelho do Porto, Rui Moreira admitiu que estão a ser pensadas “um conjunto de linhas”, para além daquilo que já é matéria de facto: o Terminal Intermodal de Campanhã, a solução intermodal do Hospital de S. João, que “está próxima de ser adjudicada”, e ainda o reforço da Casa da Música, enumerou.