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Rui Moreira dá grande entrevista ao Observador: o antes, o durante e o pós-crise, a TAP, o Tribunal de Contas e a descentralização

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O presidente da Câmara do Porto deu nesta terça-feira uma grande entrevista ao Observador, conduzida pelo editor de Política, Pedro Benavides, que é hoje lançada. Na conversa, centrada na resposta do Porto à pandemia, na atuação da DGS e nas assimetrias regionais que Rui Moreira diz terem existido na distribuição de testes e ventiladores, houve igualmente oportunidade para olhar o futuro, que o autarca não antevê fácil para a retoma da economia, especialmente para o setor do turismo. O Porto está a preparar-se para o que aí vem, e Rui Moreira diz que a aceleração tem de ser feita rapidamente, não admitindo, por isso, que a TAP tenha a tentação de se voltar novamente para Lisboa, quando a sua operação é essencial para as empresas exportadoras a Norte. O processo de descentralização em curso e a atuação política do Tribunal de Contas foram os outros temas abordados.

"Rui Moreira recebeu a equipa do Observador nesta terça-feira à tarde nos Paços do Concelho com vista sobre uma Avenida dos Aliados praticamente vazia, também ela símbolo de uma economia à espera da retoma. A conversa passou por aí, com avisos sobre o papel que a TAP tem de desempenhar na Região, mas também sobre o turismo 'que está a zero' mas vai retomar, sobre burocracias e atrasos nas obras (neste momento não há prazo para o mercado do Bolhão), sobre o Tribunal de Contas que, conclui Moreira, é um tribunal político", introduz o Observador.

Na entrevista, disponível para ler na íntegra AQUI, e para ver e ouvir através deste LINK, Rui Moreira começou por falar dos acontecimentos dos últimos meses, partindo depois para panorama atual da cidade, numa altura em que o desconfinamento está a ser preparado.

Sobre o episódio cerca sanitária no Porto, primeiro tema abordado na entrevista, o autarca revelou que logo a seguir à hipótese levantada pela diretora da Direção Geral da Saúde, Graça Freitas, recebeu um pedido de desculpas da ministra da Saúde. Na altura, o autarca precisou de "tranquilizar a população", explicando que "a senhora diretora não tem competência nem autoridade para dizer o que disse. Quem tem é o Governo, o Conselho de Ministros, ou até, numa situação de emergência, o ministro da Administração Interna". Aliás, "seria normal que eu, como responsável máximo pela Proteção Civil na cidade do Porto tivesse sido ouvido", assinalou.

Quanto aos relatos da DGS, "nem sempre são compreensíveis", Rui Moreira avalia que a necessidade rápida de comunicar os dados, pode gerar precipitações e atropelos nos números. À data da entrevista, a cidade do Porto estava há três dias sem conhecer evolução nos números de infetados, o que no atual panorama "não é muito provável", considerou.

Sobre a resposta inicial do Governo ao desenvolvimento da pandemia, que avalia como globalmente positiva, o presidente da Câmara do Porto não deixou de apontar, no entanto, alguns aspetos que não andaram bem. "Se me perguntar se acho que houve assimetrias regionais que não consigo compreender, houve. Não só na questão dos testes como na distribuição de material, nomeadamente de ventiladores, de acordo com informações do Governo. Uma história que nunca ninguém percebeu muito bem. Como na função das Forças Armadas de distribuição de alimentos; ao que se sabe, faz apenas em Lisboa e não faz noutros sítios. Aqui, se calhar, não é preciso", observou.

E a ironia tinha um fundamento simples, explicou antes: "Fizemos um programa de rastreio em todos os lugares e não só. Em 5 mil testes, tivemos 1,4 por cento positivos, o que inclui, por um lado, funcionários desses lares e por outro lado algumas das pessoas que lá estão internadas. São boas notícias".

Antes mesmo de chegar a essa fase, Rui Moreira foi o primeiro presidente de câmara do país a tomar medidas severas para travar a disseminação do coronavírus na cidade e dos primeiros a pedir que o Estado de Emergência fosse declarado.

"A Câmara Municipal do Porto antecipou-se a todas as outras em declaração de teletrabalho, em fechar as salas dos teatros e tudo mais. Passados dois, três dias, as outras fizeram-no", recorda o autarca, dizendo que se aconselhou com o seu Chefe de Gabinete, Executivo Municipal, e ouviu os conselhos de algumas pessoas, como o Professor Altamiro da Costa Pereira. Ainda assim, admitiu, "se soubesse o que sei hoje, teria tomado medidas três ou quatro dias antes".

Sobre a retoma da economia, Rui Moreira oscila entre a confiança nos agentes económicos que se saberão reinventar no período pós-pandemia e a apreensão sobre o impacto global de uma crise sem precedentes, caso a Europa e as medidas nacionais que forem tomadas não forem incisivas na injeção de dinamismo à economia. "A não ser que haja um envelope europeu muito diferente daquele que imaginamos, todas estas medidas são bem tomadas, mas não são replicáveis. Gastámos o único pára-quedas", declara.

Para a cidade do Porto, anota, "em primeiro lugar, precisamos das infraestruturas, portos, aeroportos, a funcionar. As cadeias de distribuição, por causa do encerramento de fronteiras, encontram grandes dificuldades. Por causa da nossa geografia, não podemos estar muito condicionados com o transporte. Temos de ser capazes de chegar rapidamente com os nossos bens e produtos ao centro da Europa e aos Estados Unidos".

Entra a TAP na conversa. Rui Moreira admite que a partir de agora haverá a tentação das decisões da companhia área de bandeira portuguesa serem tomadas numa perspetiva lisboeta. "Quero dizer que considero isso absolutamente inaceitável. Se a TAP for uma empresa privada, a decisão é dos seus acionistas. Se não precisar do nosso dinheiro, enquanto contribuintes, quem somos nós para interferir. (...) Mas é certo que o dinheiro dos nossos contribuintes vai ser utilizado para salvar a TAP. É mais um salvamento da TAP, que tem vindo a ser salva não sei quantas vezes. É a única empresa que resta do tempo em que tínhamos um império colonial. (...) O cálculo que tem de ser feito não pode ser microeconómico. Tem de pensar-se no impacto para a economia. E na nossa região, numa primeira fase não vai ser sequer por causa do turismo, vai ser por causa dos negócios, das empresas exportadoras que aqui estão", afirma Rui Moreira.

Quanto ao turismo que "agora é zero", o autarca diz que "temos de começar a olhar expectativa para a próxima primavera", embora admita que, "enquanto não houver uma forma de lidar com este vírus, as cidades vão sofrer imenso". Ainda assim, está confiante que a imagem de Portugal não sofreu grandes danos. "As pessoas vão procurar países em função da capacidade que o Serviço Nacional de Saúde foi capaz de responder. Acho que nós nos saímos bem".

Numa época em que a receitas fiscais dos municípios vão descer drasticamente, e "por vários anos", dificultando investimentos, por exemplo, à construção de nova habitação, o presidente da Câmara do Porto partilhou com o Observador as premissas do programa Porto Sentido. "Parece-me uma arma interessante para, por um lado, ajudar pessoas que investiram no local e que hoje não têm clientes; será bom também para os hotéis porque reduzimos oferta de alojamento local, ajudamos a banca nacional que concedeu empréstimos para negócios que subitamente estão em dificuldade e, finalmente, resolve o problema da habitação numa fase em que os municípios vão ter muita dificuldade em construir nova habitação".

Sobre a obra do Bolhão, Rui Moreira revelou que ainda aguarda a apreciação da Direção-Geral do Património Cultural sobre a alteração dos métodos construtivos que já foram reconhecidos pela Direção Regional de Cultura do Norte, prevendo, por consequência, "que o Mercado do Bolhão esteja com mais de um ano de atraso".

Quanto à descentralização, o autarca diz que "é inevitável que tenha de haver um reajuste de calendário" e revela na entrevista que, nesta segunda-feira, escreveu uma carta à ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública "a perguntar se estão tomadas medidas legislativas ou está a pensar tomar medidas. Percebo que não seja a urgência máxima do Governo, mas quis recordar essas conversas e a recomendar que, tal como ela nos tinha prometido, este processo seja adiado", disse.

Na ponta final da conversa com Pedro Benavides, o Tribunal de Contas. Rui Moreira entende que "estamos perante um tribunal político" e explica porquê, reportando-se ao caso do visto à obra do Matadouro, que demorou dois anos a chegar.

"Na última reunião do Executivo, o líder do PS Porto, Manuel Pizarro, disse que a Câmara do Porto deve estar muito agradecida ao Governo, por o Governo ter interferido nisto. E até disseram mais, e eu também estou de acordo, que devemos agradecer ao senhor Presidente da República. Ou seja, se temos que agradecer ao Governo e ao Presidente da República uma decisão de um tribunal, então quer dizer que estamos perante um tribunal político. Se é um tribunal político, e não estando eu representado no Parlamento, não tendo força política a nível nacional, tenho que subentender que a cidade do Porto, enquanto for presidida por mim, é mais vulnerável a deliberações políticas inconvenientes por parte do Tribunal de Contas do que a grandes favores. Isto resulta da apreciação do que foi dito pelas forças partidárias", concluiu.