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Rui Moreira assina hoje no Expresso artigo sobre a TAP: "É difícil gostar de quem nos abandona"

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Miguel Nogueira

O presidente da Câmara do Porto assina na edição deste sábado um artigo de opinião no Expresso sobre a TAP, intitulado "É difícil gostar de quem nos abandona". Rui Moreira critica a ausência de estratégia da companhia de bandeira nacional, "a política de abandono do Porto" por ser um alegado "mau negócio" e coloca o dedo na ferida: o passivo da TAP ultrapassa os 1,4 mil milhões de euros. Se é um "vício caro" somente para promover os interesses estratégicos de Lisboa, o autarca exige que o Estado disponibilize verbas proporcionais ao Norte e às restantes regiões do país para encontrarem outros operadores aéreos parceiros.

Convidado pelo semanário Expresso a escrever a crónica "Alma Grande" desta semana, Rui Moreira começa por avaliar o percurso errático da TAP ao longo dos últimos anos, que chegou a transpor para o livro "TAP- A Caixa Negra", obra em que referiu que a companhia de bandeira nacional era "a última das empresas coloniais". Há quatro anos, o Estado tinha abdicado "de ter voz na gestão corrente e na estratégia que determinaria o serviço a prestar", mesmo tendo recuperado a posição dominante, recorda.

Dominada por privados, nomeadamente pelo acionista David Neeleman, a TAP virou-se para o Brasil, sob a administração de Fernando Pinto. Após a expectável "tragédia do handling", continua Rui Moreira, o novo administrador, Antonoaldo Neves, deu a mão à palmatória, e "concluiu que a política de abandono do Porto e a concentração no 'hub' de Lisboa constituíra um erro crasso: a concorrência aproveitara a saída da TAP de um importante segmento do mercado, e assegurou as ligações diretas que a crescente procura pelo aeroporto do Porto ia viabilizando, enquanto a ponte aérea se saldara num fracasso por razões operacionais resultantes da inadequação da frota e do esgotamento da Portela", analisa o presidente da Câmara do Porto.

A inversão de rumo estava efetivamente em marcha, mas entretanto a crise bate à porta. "Com os aviões em terra, os privados procuraram, legitimamente, mitigar as suas consequências. Nielman fez o 'bluff' que lhe interessava: provocou o Governo, que se viu confrontado entre deixar a companhia ir à falência ou intervir de forma musculada".

Sem surpresas, diz Rui Moreira, o Estado optou pela renacionalização, "pela tentação ideológica e pelo interesse que a TAP tem para a capital. Invocou-se, aliás, o turismo de Lisboa como argumento para manter a companhia. Um argumento insólito, porque mal estaria Lisboa se precisasse da TAP para ser competitiva enquanto destino turístico de excelência, e porque esquece que o Norte, o Algarve e a Madeira também têm turismo. E não têm a TAP", escreveno artigo do Expresso.

Consciente de que há quem alegue que "se a TAP não oferece serviço ao Porto, é porque esse não é um bom negócio", o presidente da Câmara do Porto rebate. "Curiosamente, o que para a TAP é mau negócio parece ser bom negócio para a Lufthansa, companhia de bandeira que hoje transporta mais passageiros de e para o Porto do que a TAP e não custa um cêntimo ao nosso erário público", sublinha.

Rui Moreira deixa ainda outra ideia para refletir: "se a TAP deve olhar ao bom negócio, conseguirá demonstrar que o negócio que concentra (de e para Lisboa) é bom e algum dia será sustentável?".

O autarca diz que ninguém ainda explicou "onde começa e termina o interesse estratégico de manter a empresa", agora que o Estado detém agora 72,5% do capital. "Quem ficou, para já, a ganhar? Seguramente o acionista estrangeiro (que salvou algum património e se libertou de garantias), os bancos financiadores, e os trabalhadores históricos da TAP".

De acordo presidente da Câmara do Porto, as soluções para o futuro da companhia aérea portuguesa teriam merecido mais avaliação e uma reflexão acurada. "Ninguém avaliou o custo comparado de proceder à liquidação ordeira (envolvendo os acionistas privados e salvaguardando direitos laborais) ou de manter esses acionistas e partir para a criação de duas novas empresas aéreas mais sustentáveis e com um diferente grau de especialização: um operador de bandeira e um operador intraeuropeu, como tem sucedido com outras companhias europeias".

No momento em que a TAP está a diminuir a frota e a devolver aviões que tinha em regime de locação, em que perdeu "quase 200 milhões de euros em contratos de combustíveis e em cambiais", e em que "a dívida bancária já excede 1,4 mil milhões de euros", Rui Moreira aponta também o dedo à forma como está a ser feita a redução do quadro de pessoal. "Os sacrificados foram os trabalhadores mais recentes, com contrato a prazo, enquanto os outros mantêm todos os seus direitos e benefícios".

Do Estado, a operadora área já recebeu 40% do empréstimo de 1,2 mil milhões de euros, sendo que terá de apresentar um plano de reestruturação a Bruxelas até à primeira quinzena de dezembro.

No artigo de opinião, Rui Moreira cita o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos - "A TAP é do povo português para o bem e para o mal" - para dizer que a frase "é uma lapalissada que a ninguém comove". Isto porque, sustenta, "o que importa é perceber para que nos serve, a quantos de nós serve. Para que não seja um vício caro, numa altura em que tantos estão a perder os seus empregos e os seus negócios, é necessária uma reestruturação que dificilmente será feita na esfera da gestão pública, e que dificilmente questionará velhos paradigmas".

Se for assumido que "o interesse estratégico é, apenas, o de promover Lisboa, então concentrem a operação na capital mas disponibilizem verbas proporcionais ao Norte, ao Algarve, à Madeira e aos Açores que seguramente não terão dificuldade em encontrar outros motores, e outros operadores aéreos que apostarão na sua retoma". Se, por outro lado, "o interesse estratégico é o de garantir ligações estratégicas às regiões autónomas e a alguns PALOP, coisa que a TAP não tem feito de forma regular ou eficiente, então avaliem o custo e recordem-se que temos três aeroportos no continente", propõe.

"E, por favor, não digam que não gostamos da TAP. É difícil gostar de uma empresa que de pouco nos serve, que nos abandona à primeira dificuldade, e que não serve os interesses do povo", conclui Rui Moreira.

Recorde-se que, segundo os dados do último Boletim Estatístico Trimestral da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), reportados aos meses de abril a junho, apenas um em cada 20 passageiros do Aeroporto do Porto viaja pela TAP.