Política

Rui Moreira anuncia que já existe acordo para a ligação férrea entre a Região Norte e a Galiza

  • Isabel Moreira da Silva

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O presidente da Câmara do Porto anunciou esta manhã que o Governo já chegou a acordo “na metodologia” para a construção da nova ligação ferroviária entre a Região Norte de Portugal e a Galiza. Será mesmo “sob bitola ibérica” e não europeia, o que, segundo Rui Moreira, tem a vantagem de permitir pequenos percursos complementares. A concretização deste “velho sonho” deve demorar ainda dez anos a cumprir. A informação foi avançada na segunda edição dos “Diálogos Gallecia”, em que participou com o presidente do Governo Regional da Galiza, Alberto Núñez Feijóo.

À segunda edição do ciclo de debates promovido pela agência de comunicação espanhola Qualia, e sob o patrocínio do Xacobeo 21-22, com o apoio da Câmara do Porto, novamente o tema da ferrovia a pontuar a conversa, à semelhança do que sucedeu na Corunha, em dezembro do ano passado.

No debate moderado pela economista Cristina Azevedo, Rui Moreira avançou que, segundo as últimas conversas que teve com o Governo Português, existe “uma determinação grande relativamente à concretização de um velho sonho, que é uma ligação da fachada Atlântica, que faça uma ligação rápida, segura e eficiente entre a Lisboa e Corunha”.

O bloqueio que existia relativamente à bitola está ultrapassado, confirmou. “Já há acordo relativamente à metodologia, porque uma das questões que se colocava, e que não se conseguia resolver, era se deveria ser bitola ibérica ou bitola europeia”, tendo identificado esse como o fantasma que pesa sobre a linha férrea na Península Ibérica. Mas agora esse problema vai solucionar-se, assim espera. “As informações que tenho é que há a determinação em manter bitola ibérica”, adiantou no debate que se realizou, esta segunda-feira de manhã, no Teatro Municipal do Porto – Rivoli, e que recebeu, na assistência, o presidente da Assembleia Municipal, Miguel Pereira Leite, o vice-presidente da Câmara do Porto, Filipe Araújo, além de um conjunto de empresários da Região Norte do país convidados para a conferência (pode assistir aqui na íntegra).

“Haverá uma duplicação da linha do Norte, entre Lisboa e Porto, e a partir do Porto-Campanhã a ligação irá pelo aeroporto até à fronteira, ligando depois à rede espanhola”, completou Rui Moreira, partilhando que a última reunião que teve com governantes foi recente e que já serviu para “avaliar a forma como é que a linha férrea se casa com a cidade”.

De acordo com o presidente da Câmara do Porto, ao ser feita segundo a bitola ibérica [termo que se aplica à largura dos carris], a nova ferrovia “tem a vantagem de permitir pequenos percursos. Se fosse feita em bitola europeia, ela iria permitir apenas ponto a ponto, para grandes distâncias. Ao fazer bitola ibérica temos a possibilidade de fazer serviços combinados (…), aproveitando toda a capilaridade da ferrovia espanhola que é muito mais avançada que a nossa”, e permitindo ainda ir ao encontro da “complexidade do território”, considerou.

“A linha atual nós podemos eletrificá-la, mas a prazo ela não resolve”, porque não tem capacidade nem velocidade suficientes, observou ainda o autarca.

Quanto ao tempo de concretização do projeto, Rui Moreira é prudente. “Julgo que num período de tempo de qualquer coisa como dez anos toda esta ligação será feita. Pela minha experiência de obra pública, aponto para dez anos”, antevê.

À semelhança do presidente da Câmara do Porto, também o presidente do Governo Regional da Galiza entende que o prazo de “uma década será prudente”, de modo a evitar assim o incumprimento de prazos.

Na sua intervenção sobre este tema, Alberto Núñez Feijóo referiu que o Norte de Portugal e a Galiza sempre tiveram como objetivo fundamental “unir e coser os nossos territórios, para poder formar uma eurorregião”, aliás, a primeira e a mais antiga da União Europeia, formada no início da década de 90, salientou. Diariamente, circulam entre ambos os lados das fronteiras cerca de 65 a 68 mil veículos, informou também.

Para que esta “história de êxito” se perpetue há que cultivá-la e acelerá-la nos próximos anos. “Uma das formas de acelerar são as infraestruturas, como já o foi com as autoestradas”, comparou o presidente do Governo Regional da Galiza, que disse haver três prioridades da sua "xunta" neste domínio.

A primeira, relacionada com a ligação da Galiza a todas as capitais espanholas, Madrid incluída, que deve estar concluída até ao final deste ano, embora Feijóo tenha reconhecido hoje que o prazo pode estender-se para o primeiro trimestre de 2022. Neste campo, avança que os tempos da viagem até Madrid “devem rondar as três horas, desde os extremos - Corunha e Vigo; duas horas e meia desde Santiago [de Compostela], e duas horas e sete minutos desde Ourense”. Até ao final do ano fica concluída a ligação à região da Cantábria. E entre o final de 2021 e o início do próximo ano conclui-se a ligação por ferrovia à Meseta, “com todas as províncias de Castela e Leão incluídas e Madrid como destino último”, detalhou o responsável galego.

Para o governante, este é, por isso, um passo muito importante para a região, depois de 30 anos sobre a criação do comboio alta velocidade Madrid-Sevilha. “Chegámos tarde, mas como sempre ocorre nesta esquina da Europa, no final chegamos”, afirmou.

Ligação a Portugal estava pensada desde 2011

“A segunda prioridade é, sem dúvida, a nossa ligação ao Norte de Portugal, mais concretamente com o Porto”, realçou Alberto Núñez Feijóo.

“A ligação [por ferrovia] a Portugal começámos a pensá-la em 2011. Já estava adjudicada a estação ferroviária de Vigo, como estação de passagem dos comboios de alta velocidade, mas veio a crise e parou o projeto”, recordou.

O atraso é, ainda assim, recuperável, diz o presidente do Governo Regional da Galiza, que está otimista com a nova posição do Governo Português por encarar esta ligação ferroviária como uma prioridade. “É uma grande notícia. Penso que é boa para Portugal e boa para Espanha. Não tem tudo de se concentrar de forma central e radial através de Madrid; é um erro. Vive mais gente nesta zona, há uma atividade económica superior e é uma forma também de entrar nas cidades espanholas através da Galiza”, sublinhou Alberto Núñez Feijóo, adiantando que da parte espanhola também se beneficiará da ligação entre Valladolid e o País Basco, cuja conclusão está igualmente próxima.

"Espero que o Governo português e o Governo espanhol priorizem dentro dos fundos europeus estes investimentos”, realçou ainda o presidente do Governo Regional da Galiza.

Relativamente aos investimentos previstos, informou que para transformar a Estação de Vigo “numa estação passante”, o custo deve rondar os cerca de 500 milhões de euros, porque vai implicar a construção de um túnel a atravessar a cidade galega; somando a uma estimativa de 300 a 400 milhões de euros para mais 30 quilómetros de Tui a Vigo.

Em terceiro nas prioridades da Galiza para o desenvolvimento da ferrovia enquadram-se “todas as ligações nacionais e internacionais”, partilhou ainda o governante galego.

Para Rui Moreira, o investimento na ferrovia de Espanha é, por osmose, favorável a Portugal. “A ligação de Madrid à Galiza potencia também a nossa região. A partir do momento em que esteja a funcionar, o que eu quero é que nós consigamos, com esta nova linha que faz a ligação entre Lisboa, Porto, Vigo e Corunha, é pegar na malinha, sair na estação, e entrar imediatamente no TGV [Trem de Grande Velocidade]”.

“Não tenho uma visão pessimista sobre esta matéria”, frisou o presidente da Câmara do Porto, reiterando que esta aposta do país vizinho no comboio deve ser encarada como uma oportunidade e não uma ameaça. “É importantíssimo fazer a ligação por estrada de Bragança a Puebla de Sanabria para potenciar também o TGV espanhol. Diria que o AVE [Alta Velocidade Espanhola] é um AVE ibérico”, sublinhou, recordando que, durante muitos anos, se envolveu nesta questão enquanto presidente da Associação Comercial do Porto na opção da rede de alta velocidade portuguesa. “Infelizmente, enquanto do lado espanhol foram feitas um conjunto de opções pensadas e regradas, sendo verdade que o noroeste ficou um pouco de fora (…), do lado português foram sempre apresentados planos ao longo de anos sucessivos”, embora, até ao momento, sem concretização na prática, lamentou Rui Moreira.

“Entre nós, o que é mais importante não é pensarmos na concorrência, mas na convergência”, declarou, realçando ainda ser importante “a articulação entre portos”, nomeadamente o de Leixões (Matosinhos), o porto de Vigo e o porto da Corunha.

Caderno reivindicativo para fortalecer a eurroregião

Os dois líderes estão de acordo que há um conjunto de questões que devem ser reivindicadas para as duas regiões. De acordo com Rui Moreira, esse “caderno reivindicativo”, sugerido por Cristina Azevedo, passaria por uma “harmonização no processo de desburocratização”, que incluísse regras semelhantes para o licenciamento das atividades industriais.

O presidente da Câmara do Porto, que já no fórum da Eurocities tinha alertado para o “risco da luxemburguização”, considera que é preciso uniformizar procedimentos. Por isso, agrada-lhe a ideia da criação de uma Agência para o Desenvolvimento, incumbida de atrair investimento para a Região Norte e para a Galiza.

Por outro lado, considerou que as duas regiões devem cooperar mais ao nível da academia, na formação e no intercâmbio de quadros qualificados, que estejam aptos a enfrentar o desafio da transição digital.

Críticas ao Plano de Recuperação e Resiliência

A propósito dos 40 anos do estatuto autónomo regional da Galiza, que Alberto Núñez Feijóo avaliou como “um êxito”, servindo para atenuar as assimetrias regionais e possibilitando que o Norte de Espanha desse um salto do ponto de vista do crescimento económico – sendo hoje “uma região autónoma que paga o que deve e que não gasta mais do que tem”, por comparação, Rui Moreira disse que Portugal, quatro décadas depois, até acentuou o centralismo.

Como exemplo, abordou o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), apontando que vai ser usado “como se fosse um financiamento à capital”, uma vez que Lisboa “não tem acesso a fundos”.

“O PRR em todos os países da União Europeia tem uma forma de territorialização, de discussão territorial. Aqui não”, afirmou o presidente da Câmara do Porto.

Depois de ter ouvido Alberto Núñez Feijóo dizer também que a regionalização no país vizinho trouxe muito mais vantagens do que desvantagens, e que é um erro a opinião pública pensar que gera mais despesa na administração pública – pelo contrário “é gerir com mais responsabilidade e eficácia” – o autarca teceu ainda considerações sobre o destino que vai ser dado a uma considerável parte da “bazuca” europeia.

“O que é que está a ser feito com o PRR? Mais uma vez, vai ser usado na capital e porquê? Como a capital não tem acesso a fundos porque não é uma região de convergência, vão usar o PRR como se fosse um financiamento àquela região. Isto é absolutamente óbvio”, afirmou Rui Moreira, dando o exemplo da área da cultura. “Não são muitas as verbas do PRR para a cultura, mas ainda assim seria razoável pensar que as verbas que são atribuídas à cultura fossem atribuídas nesta altura para questões imateriais. Quando se foi ver as verbas do PRR para a cultura, aparece um documento que diz que o dinheiro é para reabilitar museus e monumentos nacionais (…). Dos 43 monumentos e museus, 21 são em Lisboa e ninguém diz nada”, observou.

Segundo o presidente da Câmara do Porto, esta era “a grande oportunidade de fazer uma grande reforma” e de uma “alteração profunda relativamente às competências”, razão pela qual criticou novamente o processo de descentralização em curso, que classificou de “pseudo descentralização”.

Por esse motivo, Rui Moreira mostrou-se igualmente muito cético quanto à regionalização, recordando que até houve um convénio entre os partidos da esquerda à direita no Parlamento em adiar o debate para depois das legislativas, quando, em 2019, tentou colocar novamente o assunto na agenda mediática. “Não acredito que a regionalização se vá fazer. Acho que o modelo de devolução já não vai ser pela regionalização. Acho que o modelo também não vai ser pela descentralização tal como ela está, deve ser planeada”, declarou.