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Reportagem: Metrologia, a arte escondida com conta, peso e medida

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Não tem nada a ver com o metro, o transporte, e também não adianta telefonar – como já aconteceu – a perguntar como vai estar o tempo no fim de semana. O que os homens de mala preta fazem pela cidade é aferir a precisão das balanças que servem comerciantes e consumidores nos mais diversos espaços comerciais. A metrologia é uma ciência, com ares de arte centenária, e os aferidores uma espécie de justiceiros das transações.

Parando para pensar, e para confiar no rigor do que nos rodeia, tudo carece de medição: o relógio no pulso, o café no saco, o trajeto da viagem de táxi, os medicamentos para as dores de cabeça. Durante séculos, o mundo procurou uniformizar pesos e medidas, mas só em 1875 é que a Convenção do Metro criaria a base para um sistema de medição coerente e universal, o Bureau International des Poids et Mesures. O Serviço de Aferições em Portugal seria decretado cinco anos mais tarde. Mais de 160 anos depois, a metrologia continua um segredo partilhado por poucos, mas adquirido por todos.

Os aferidores do Serviço Municipal de Metrologia calcorreiam as ruas da cidade todos os dias a arrastar uma mala preta carregada de pesos. Entram em pastelarias, mercados, ourivesarias, armazéns de produtos químicos, restaurantes, talhos, “em todo o lado onde exista equipamentos de pesagem, nós lá estamos para fazer a verificação, para ver se estão a pesar corretamente”, garante Adão Rogério.

É aferidor – ou técnico de metrologia – há 45 anos e, por isso, acompanhou uma parte significativa da evolução desta ciência, “dos métodos de trabalho”. Se dantes tudo era analógico, a verdade é que não foi o digital que veio trazer o rigor ao seu trabalho. “Rigoroso tem que ser sempre. Seja analógico ou digital, a pesagem tem é que estar correta”, afirma.

No Porto, sem dar nas vistas, mas trabalhando no mais essencial das transações por meio de pesagem – a confiança e o rigor – os aferidores percorrem mais de dois mil espaços ao longo de todo o ano. Para este veterano da metrologia, “o trabalho nos laboratórios onde são feitos os medicamentos é o mais difícil, o mais minucioso”. “São equipamentos com outra sensibilidade e onde ainda entra o fator saúde”, partilha Adão Rogério.

E, afinal, as pessoas sabem o que faz um metrologista? Adão Rogério assume que pesam pouco os que sabem, que “ainda há muita gente que, de facto, desconhece”. “Antes falava-se em aferições” e, portanto, “ainda há quem se lembre do aferidor ir de burro com os pesos para as aldeias”, conta. Ainda que “a malta nova” possa não ter esta imagem, ou menos sensibilidade para esta arte, Adão Rogério sublinha que “têm sensibilidade para a qualidade e sabem que na qualidade está implícita a pesagem”.

E, se o consumidor confia, é porque do outro lado do balcão a confiança se constrói. “Os comerciantes sabem muito bem o que é a metrologia, sabem que nós fazemos falta”, acredita o aferidor municipal.

A gerir uma confeitaria com 75 anos na Baixa do Porto, Elisa Bessa habituou-se desde cedo a ver os homens da mala preta a entrar em direção à balança onde se pesam os doces. Primeiro as analógicas, de peso, na altura do pai e que agora só servem para exposição, e depois a digital.

Primeiro há que confirmar que a balança está nivelada, sem pender para nenhum dos lados. Depois, um a um, os pesos são colocados até aos oito quilos. As subcargas, que funcionam ao grama, vão ao pormenor e aferem a sensibilidade do equipamento com um nível de precisão máxima. Tudo verificado e aprovado para mais 365 dias de pesagens.

A proprietária assume que este serviço de metrologia, além de se ter “vindo a modificar muito”, sendo “mais transparente e eficiente”, “dá-nos confiança”. Dá confiança “a quem vem consumir, porque sabe que não haverá enganos”, mas também a quem gere os negócios porque “mesmo surgindo a situação de as pessoas acharem que algo foi mal pesado, sabemos que temos o selo de garantia de que o serviço é vistoriado”.