Sociedade

Quem chega ao Porto para viver encontra o lugar onde pertence

  • Cláudia Brandão

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Esforçam-se por usar o Português para falar de si, para se darem a conhecer, para exprimirem o que sentem. Contam o que as trouxe ao Porto, os muitos anos ou poucos meses na cidade. A mais nova tem 29 anos, a mais velha 63. São estudantes, psicólogas, engenheiras químicas e deixaram a casa lá longe, em Marrocos, na Colômbia, no Iraque, Irão, Vietname ou Filipinas à procura de passar a chamar casa ao Porto. É a primeira sessão das várias etapas de integração deste grupo de migrantes na Associação Seiva.

As conversas são feitas no feminino porque, como explica a mediadora municipal, Paula Ferreira, “sentimos que as mulheres das comunidades migrantes, muitas vezes, acabam por ficar mais desprotegidas e mais isoladas”.

É por elas, e pelos cerca de sete mil estrangeiros que a cidade acolhe atualmente, que o Município criou, em 2019, o projeto de Mediadores Municipais e Interculturais, inserido no Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (POISE) e em articulação com o Alto Comissariado para as Migrações e outras organizações não-governamentais e instituições públicas. Além dos migrantes, o foco incide também na inserção das comunidades ciganas.

“A câmara tem vindo a desenvolver um trabalho articulado em sede da rede social no sentido de desenvolver uma cidade mais inclusiva, mais igual, mais coesa”, garante o vereador da Coesão Social. Para Fernando Paulo, é cada vez mais “essencial promover a interculturalidade e garantir as condições de acesso à cultura, à educação, ao emprego, à habitação, ao apoio social a todas as pessoas que escolhem a cidade para viver”.

Nas sessões na Seiva, dá-se espaço à partilha e à criação de redes de apoio. “O que nós pretendemos, enquanto mediadores, é trazer para estes grupos temas importantes como a saúde da mulher, a questão dos direitos fundamentais, da igualdade de oportunidades, de como num país como o nosso o papel da mulher pode ser um bocadinho diferente”, explica Paula Ferreira, que chega ao projeto de Mediadores Municipais e Interculturais através do Serviço Jesuíta aos Refugiados.

“Temos muitas mulheres que nunca foram vistas por uma ginecologista”, sublinha, acrescentando que “muitas vezes, há reações estranhas à questão das vacinas porque nos países delas isso não é normal”, e que a questão da mutilação genital feminina ainda é uma realidade que custa mudar. Paula Ferreira acredita que “o nosso papel enquanto mediadores também é ir descascando estas camadas culturais para que a informação possa passar. Quando retemos as coisas a nível emocional tem outro impacto”.

A população brasileira continua a representar a maior percentagem de estrangeiros no Porto, mas começam a ganhar expressão os nepaleses, paquistaneses, indianos. Há algumas pessoas da Síria, Afeganistão, Irão, Jordânia. Refugiados.

A primeira dificuldade na chegada é sempre burocrática. E a barreira da língua não ajuda no processo de legalização. Também para isso serve a mediação, apoiada pelo atendimento especializado no Gabinete do Munícipe. O vereador da Coesão Social e a mediadora municipal sublinham a importância do trabalho feito também junto dos serviços. “Temos que qualificar, orientar e informar as pessoas, mas as organizações e as instituições também, para que estejam preparadas para as respostas que têm que dar”, afirma Fernando Paulo, enquanto Paula Fernandes recorda um momento em que, no pico da pandemia da Covid-19, se deparou com um caso de um rapaz do Nepal que, depois de uma visita ao hospital, terá saído sem compreender a doença que tinha. “Eu tive que ir com ele para perceber e lhe explicar”, conta a mediadora.

O facto de as pessoas que atendiam ainda não saberem que os migrantes que se encontrassem em processo de regularização tinham acesso extraordinário à saúde, dificultou a comunicação. No fim, o nepalês teve o tratamento de que precisava gratuitamente através do Sistema Nacional de Saúde.

Paula Ferreira olha para o Porto como uma cidade “que tem estado bastante atenta às necessidades dos migrantes”. “Sempre que há uma necessidade específica o município está na linha da frente para ajudar. Os próprios serviços do município têm articulado para que as pessoas tenham acesso o mais rapidamente possível ao sistema de saúde, à segurança social, muitas vezes desbloqueando coisas que estão a um nível superior”, afirma.

Um Porto para todos. Todos para um Porto

Uma das áreas a beneficiar do desbloqueio está no acesso ao emprego. O passo mais recente foi dado com a criação do programa “Porto_4_All”, que, em conjunto com organizações como a Associação de Jovens Empresários, a Associação Empresarial de Portugal, ou o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), pretende ajudar na integração profissional da comunidade migrante na cidade.

A primeira iniciativa de recrutamento aconteceu em maio e mostrou-se uma janela aberta para Paula Charamba, ao mostrar-lhe “os percursos que devia seguir” para garantir a certificação das competências adquiridas no país de origem. A angolana está na cidade há três anos e procura um emprego na sua área de formação: gestão de recursos humanos.

“Por mim, o futuro é permanecer no Porto”, lança Paula, ainda que admita que “a cultura é totalmente diferente da minha”. Para a angolana, “a segurança e a tranquilidade no Porto” são motivos de peso para gostar da cidade, onde pretende “contribuir para o conhecimento intercultural das empresas”.

É o mesmo foco de Mayara Barros. A advogada veio do Brasil para fazer mestrado na Faculdade de Direito da Universidade do Porto e sente que a integração na cidade foi plena. Frequentou os workshops da Cidade das Profissões e reconhece ter aprendido dicas importantes no Porto_4_All. Ainda que não tenha encontrado a barreira da língua, “a verdade é que a cultura é um bocado diferente” e o ter sido “muito bem recebida” quase diminui as saudades da família. Tudo somado, Mayara “gostava de um emprego aqui. Por mim eu ficaria no Porto”.

É o desejo de todos. Mesmo o do francês Kevin Pinel. No Porto há dois ano e meio, tem melhorado o Português graças a dois cursos gratuitos que fez no IEFP. “O meu foco é falar Português a um nível que me permita trabalhar numa loja de livros”, partilha, ainda que o acompanhamento da Cidade das Profissões o tenha levado a perceber que também poderia trabalhar na área da animação.

Confiante, dado que “a integração foi muito fácil”, Kevin diz que, “claramente, o plano é ficar aqui”. “Gosto da ideia de vir de uma cidade muito grande [trabalhou dez anos em Londres] para um sítio mais amigável, com um ritmo mais lento”, afirma.

Da cidade, o francês diz que tem sentido “constantemente o apoio de que preciso”. Além dos cursos e dos planos de revalidação de competências, “estou sempre a receber emails para fazer coisas”. Só falta o emprego para uma integração plena. “Passo a passo uma pessoa chega lá”.

Para Paula Ferreira, “o Porto percebeu que, quanto mais integrados estiverem os migrantes, mais a cidade será inclusiva e mais ganhos terá toda a população, todo o comércio, a própria sociabilidade vai ser mais pacífica, mais multicultural”. Ainda assim, a mediadora municipal reconhece que “esta crise migratória traz muitos sentimentos complexos, às vezes de algum antagonismo contra os migrantes”. “Muitos deles só querem uma vida digna, um trabalho, ter acesso à saúde, querem que os seus filhos vão à escola. Tudo o que nós também queremos”, conclui.

O vereador Fernando Paulo acredita que “podemos dizer que a cidade está hoje melhor preparada para podermos ajudar a inserir quem aqui chega, a ultrapassar alguns dos obstáculos. Para que também se sinta feliz. Estamos a falar da dignidade humana e da necessidade que cada um tem de realizar valores sociais, culturais, sentir-se bem e ser parte ativa no quotidiano, na construção de comunidades onde todos tenham lugar”. Passo a passo.