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Histórias da Cidade: Quando o Porto se tornou cidade-irmã de Nagasaki

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Em 2023 assinalam-se os 45 anos do acordo de geminação entre Porto e Nagasaki. A relação entre as duas cidades tem sido pródiga em encontros bilaterais e iniciativas conjuntas com o propósito de promover a paz, os direitos humanos e os valores humanistas.

Os rumores da Revolução de Abril ainda se escutavam no país quando, em finais de maio de 1978, uma comitiva do Município de Nagasaki aterrou no então denominado Aeroporto de Pedras Rubras. As imagens da época mostram sorrisos abertos, olhares cúmplices e abraços enérgicos entre portugueses e japoneses ataviados com os fatos largueirões e as gravatas exuberantes dos anos 70. Os altos dignitários do poder municipal de Nagasaki, cidade mártir do bombardeamento nuclear de 1945, foram recebidos calorosamente pelos representantes locais de uma cidade ainda a experimentar as primeiras sensações de democracia e liberdade. Afinal, o poder autárquico democrático em Portugal tinha menos de dois anos…

A vinda ao Porto da comitiva de Nagasaki encerrava um motivo ponderoso: a assinatura do protocolo de geminação entre as duas cidades. Como pano de fundo do acordo estavam os esforços da única nação do mundo a sofrer um ataque nuclear, o Japão, para promover a paz junto da comunidade internacional. Por outro lado, são fortes os laços históricos e culturais com Nagasaki, cidade fundada pelos portugueses em 1571 e que esteve no centro da nossa influência na Ásia entre os séculos XVI e XIX, tendo inclusivamente sido administrada pela Companhia de Jesus.

O acordo de geminação foi rubricado pelo primeiro presidente democraticamente eleito da Câmara Municipal do Porto, Aureliano Veloso, e pelo seu homólogo de Nagasaki, Yoshitake Morotani. Para além da assinatura do protocolo no Gabinete da Presidência dos Paços do Concelho e de uma cerimónia na Sala das Sessões, o programa da visita incluiu ainda refeições oficiais no restaurante Varanda da Barra e Solar do Vinho do Porto. Os convidados japoneses puderam ainda assistir a uma exposição patente no Museu Romântico, na Quinta da Macieirinha.

Refira-se que, ainda em 1978, Nagasaki convidou todos os países a contribuírem com um monumento para uma nova zona do seu Parque da Paz, o World Peace Symbols Zone. O repto foi aceite pela cidade do Porto, que doou o “Alívio da Amizade” (Relief of Friendship). O monumento do Porto seria, de resto, o primeiro a ser instalado no parque, em novembro de 1978, podendo ler-se na respetiva placa que se trata de uma homenagem às vítimas do bombardeamento atómico da cidade-irmã de Nagasaki.

Ainda no seguimento do acordo de geminação, o Município do Porto tornou-se, em 1984, membro da Conferência Mundial de Presidentes de Câmara para a Paz, através da iniciativa Solidariedade InterCidades, fomentada por Nagasaki e Hiroxima. Com o intuito de promover um mundo pacífico sem armas nucleares, esta rede já reúne mais de 8.300 cidades.

45 anos de cooperação, amizade e intercâmbio

Nestes 45 anos de geminação foram realizadas inúmeras visitas oficiais, eventos multidisciplinares e ações de intercâmbio cultural. Merece destaque a receção no Porto, em junho último, de uma delegação chefiada pelo Governador da Província de Nagasaki, Oishi Kengo, no âmbito das comemorações dos 480 anos da chegada dos portugueses ao Japão. Na ocasião, foi organizada uma visita aos trabalhos em curso no Antigo Matadouro Industrial de Campanhã, projeto do arquiteto japonês Kengo Kuma.

A parceria entre as duas cidades tem sido celebrada em diferentes momentos, sendo de destacar as comemorações do 40.º aniversário da geminação, em 2018, que contou com a presença no Porto do mayor de Nagasaki, Tomihisa Taue, e do diretor do Memorial para a Paz desta cidade, Tomoo Kurokawa, que inauguraram nos Paços do Concelho a exposição “Bomba Atómica - Hiroxima e Nagasaki”. O mesmo Tomihisa Taue já havia estado, dez anos antes, no Porto a propósito dos 30 anos da geminação.

Muitas outras iniciativas conjuntas tiveram lugar nos últimos 45 anos, como a exposição de arte contemporânea japonesa na Fundação de Serralves, em 1994, o evento “Map Exhibition 2000 Nagasaki”, promovido pelo município japonês para exibição de mapas e fotografias das suas cidades-irmãs; a mostra “Histórias e Tradições do Japão”, em 2006; ou a Japan Week, que, em 2010, reuniu no Porto artistas e designers em torno da cultura japonesa.

Um símbolo vivo desta relação de cooperação, amizade e intercâmbio é o diospireiro (Kaki em japonês) que foi plantado, em 2007, por alunos de escolas do 1.º ciclo do Porto, nos jardins do Palácio de Cristal. O diospireiro é descendente de uma das poucas árvores que sobreviveram, em 1945, ao lançamento de uma bomba atómica sobre Nagasaki. A iniciativa decorreu no âmbito do acordo de geminação e foi promovida pelo projeto “Revive Time Kaki Tree”, que procura evitar o esquecimento de uma das maiores tragédias da história da humanidade.