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Provedor em entrevista de final de mandato: “É fulcral o munícipe sentir que alguém está atento e não o abandona”

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Miguel Nogueira

Está a chegar ao final o mandato de José Carlos Marques dos Santos enquanto Provedor do Munícipe do Porto. O antigo reitor da U. Porto faz um balanço positivo do desempenho do cargo, mas considera ter chegado a altura de dar a vez a outro. Garante toda a colaboração à sua sucessora para a passagem da pasta e considera que a provedoria continua a ser procurada e necessária para os munícipes.

Que balanço faz do seu mandato como Provedor do Munícipe da Câmara do Porto?
Acho que é um balanço positivo. Foi uma experiência nova e que se revelou útil para os munícipes que recorreram ao provedor, mas creio também que para os próprios serviços da Câmara. Quando o cidadão se queixa e verificamos que tem razão, ao fazermos uma recomendação de melhoria, contribuímos para que o serviço, no futuro, seja melhor.

Como foi a experiência, em termos pessoais?
Nunca tinha tido uma função com este cariz e creio que foi muito interessante, sob vários aspetos. Foi possível reunir um conjunto de pessoas – a dra. Inês de Castro, a dra. Helena e a dra. Rosa Maria – que foram excelentes, constituíram um gabinete de grande qualidade, muito dedicado e competente, que dá garantia que o trabalho possa continuar.

Esta provedoria resultou da unificação das duas anteriormente existentes. Quais foram os desafios?
Foi preciso encontrar o caminho, se bem que tínhamos, desde o início, ideias claras do que se pretendia. O Provedor do Munícipe não é um cuidador das pessoas, quem são os cuidadores são os órgãos e serviços da Câmara e das empresas municipais – cuidadores no sentido em que lidam com os munícipes e tratam de os fazer felizes. O provedor é uma entidade que está atenta às reclamações e queixas que lhe chegam de, digamos, um tratamento insuficiente por parte dos órgãos ou serviços do município. A função do provedor não é estar-se a imiscuir nas decisões dos órgãos municipais, ou criticar decisões políticas. Isso não lhe compete.
O facto de ter incorporado, ao fim de um ano, todos os munícipes, era a via natural. Tivemos, no primeiro ano, pessoas a recorrer ao Provedor do Munícipe sobre questões de habitação, quando havia um provedor do inquilino municipal. Para os munícipes é muito mais fácil saber que há um provedor que trata dos assuntos todos que lhe dizem respeito. Há coisas transversais e que se tratam melhor a partir da essência de um único Provedor do Munícipe.

O número de pedidos recebidos pelo Provedor do Munícipe disparou: 92 em 2018, 453 em 2019, 581 em 2020, 904 até 15 de novembro de 2021. A que se deve este crescimento?
Temos muitos recursos ao gabinete do provedor porque damos sempre resposta ao munícipe, mesmo sobre coisas que nada têm a ver com o gabinete. Há sempre o cuidado de encaminhar o pedido para o serviço respetivo, e avisar a pessoa que não é competência do provedor resolver aquele assunto, mas que ele foi remetido. Caso não tenha resposta, passa a ser papel do provedor – porque foi esquecido ou ninguém lhe ligou. Algo que encontrámos, por vezes, é que os serviços não dão feedback a quem a eles recorre. Isso é mau. É importante manter a pessoa informada do andamento dos seus processos, de modo a que ela se sinta confiante. O fulcral é o munícipe sentir que alguém está atento e não o abandona.

O retorno no contacto diário com os munícipes é positivo?
Sim, tem havido muito feedback positivo do que é feito. Claro que não podemos resolver tudo, também aparecem munícipes que não têm razão nenhuma, temos de o dizer muito claramente. Pessoas que recorrem invocando argumentos que não têm qualquer cabimento. Um ou outro ficará mais zangado, porque o caso não se resolveu como ele queria, mas é dar razão a quem tem razão, e não apenas porque é munícipe.

Há algum efeito prático da sua atuação que o tenha marcado?
No passado, uma família que fosse despejada da sua habitação e tivesse de ir temporariamente para um alojamento hoteleiro pagava a taxa turística. Tivemos uma família que reclamou, e de facto a situação não tinha pés nem cabeça. O novo regulamento exclui esses casos de despejo e outros em que se comprove que a pessoa não está ali a passear. É um efeito prático, mas houve mais. Houve melhorias de funcionamento na sequência de recomendações que fizemos.

Sentiu sempre a colaboração da Câmara e dos serviços municipais?
Sim, sempre. Mantendo-nos independentes, sentimos sempre, dos vereadores e de toda a gente com quem precisámos de reunir, que nunca houve falha nesse aspeto.
Houve uma desconfiança inicial dos serviços, via-se o provedor como um fiscalizador, quando nunca foi essa a nossa intenção. O papel do provedor é ouvir o que lhe apresentam, analisar, e depois, com o serviço em questão, tentar encontrar uma maneira de satisfazer o munícipe que entendemos que tem razão. Isso foi sendo feito através de recomendações aos serviços, que aliás são todas públicas, estão todas na página do Provedor do Munícipe. Desde o início quisemos tornar público tudo aquilo que é feito. Os serviços foram, a pouco e pouco, mudando a sua atitude. Creio que hoje há uma aceitação, embora ainda nem todos deem resposta tão rápida quanto seria desejável. Mas houve uma melhoria muito grande.

Sente que os munícipes valorizam a figura do provedor?
Nunca fizemos um inquérito, nem nos compete, mas acredito que sim. Acho que a figura do provedor é bem vista. É um cargo bem compreendido e considerado de relevância.

Numa entrevista ao portal Porto., em 2019, dizia: “O ideal seria que o Provedor do Munícipe não existisse. Era sinal de que tudo corria muito bem, que havia o cuidado de lidar com o cidadão adequadamente, em todas as situações, sem exceção”. Esta figura é hoje mais ou menos necessária do que nessa altura?
Acho que ainda continua a ser necessária. Apesar de ter havido progressos, ainda há muitas coisas a corrigir no modo de atender as pessoas. Às vezes há decisões que não nos parecem as mais adequadas perante os regulamentos, ou alternativas mais favoráveis ao munícipe que não são consideradas. Os prazos, muitas vezes, não são cumpridos, e não se percebe porquê. Temos algumas recomendações nesse sentido. Há coisas que têm de ser melhoradas. Tenho de o dizer, ainda vai ser preciso mais algum tempo até ficar tudo afinado. Deve haver a preocupação de, ao longo dos processos, ir avisando o munícipe que o caso está a andar, que há preocupação em levar as coisas a bom porto o mais rapidamente possível. Não deixar as pessoas ficar meio ano, ou mais, sem qualquer notícia.

O que lhe reserva o futuro?
Neste momento estou a deixar tudo o que não seja cargos institucionais, que obriguem a uma responsabilidade especial, permanente. Estas coisas devem ter um mandato, e ao fim do mandato deve dar-se a vez a outro. De qualquer maneira, foi uma experiência muito interessante, muito gratificante, e é importante realçar mais uma vez o papel das pessoas que trabalharam comigo.
Termino esta função, vou manter até à passagem do testemunho, e estou obviamente aberto para esclarecer com a nova Provedora do Munícipe todas as dúvidas que haja, tudo o que entenda que eu possa ser útil nesta fase inicial, ao passar a pasta.