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"Pressão sobre moradores" em artigo do JN baseou-se no que disse assessora do PSD e idosa que não existe

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Depois do JN ter publicado a 14 de março uma notícia com o título "Pressionados para sair da Baixa do Porto", onde relatava, com alarme social, que "a pressão imobiliária no Porto nunca foi tão asfixiante", a Câmara do Porto foi à procura dos moradores fotografados e citados pelo jornal, para lhes oferecer ajuda e para os informar sobre os seus direitos. Mas o que encontrou foi uma "pós-verdade" ou, se quisermos, "factos alternativos" bem diferentes dos alegados pelo jornal, que de forma alguma legitimam o título da notícia e o alarme que visou.

O JN, violando regras éticas e deontológicas, escondeu informação aos leitores, entrevistando uma assessora de comunicação ligada ao PSD/Porto, trocando a identidade e a idade a outros entrevistados sem fazer aviso no seu texto e incluindo no artigo casos que, embora reais, pouco ou nada têm a ver com pressão imobiliária nem sustentam "pressionados" ou "asfixiante". Muito menos se relacionam com o turismo.

A "CAROLINA" CITADA PELO JN FOI CANDIDATA PELO PSD EM 2013 E ASSESSORA DE EMÍDIO GOMES NA CCDRN

O Jornal de Notícias, que em 2013 foi alvo de fortes críticas públicas pelo seu comportamento durante a campanha eleitoral para a Câmara do Porto, incluiu agora no seu artigo o testemunho de "Carolina", cuja profissão, condição e ligações políticas, propositadamente ocultou. Na verdade, a "moradora" da Rua de Santa Catarina agora citada pelo JN é Carolina Maria Correia Duarte, uma ex-jornalista, que em 2013 deixou a sua profissão para ser candidata pela coligação Porto Forte, liderada pelo PSD, à Assembleia de Freguesia do Bonfim. Tomou parte ativa na campanha eleitoral, tanto para a Assembleia de Freguesia como para a Câmara do Porto.

Não tendo sido eleita em setembro de 2013, tornou-se, em 2015, assessora da CCDR-N, por ajuste directo, sendo mais tarde designada Chefe de Gabinete pelo presidente daquela instituição pública. Pelo menos assim aparece identificada em vários documentos e, nessa qualidade, participou em reuniões oficiais. Emídio Gomes, entretanto substituído no cargo, era então presidente da Mesa da Concelhia do PSD/Porto.

As ligações de Carolina Duarte à Concelhia do PSD/Porto e à candidatura do PSD às próximas autárquicas são conhecidas de todos os jornalistas na cidade, incluindo direções, mas não constam da peça que o JN publicou. O JN sonegou, portanto, propositadamente, informação aos leitores, sabendo que disso dependia a credibilidade das opiniões e críticas deixadas pela assessora na peça. E fê-lo numa altura em que a candidatura do PSD/Porto já se anunciou.

Mas as "pós-verdades" do JN não se resumem à condição profissional e política da assessora. Também o conteúdo do que afirma "Carolina" no jornal não ajuda a que se perceba onde está uma eventual pressão imobiliária. O que relata é uma situação referente a um terreno contíguo à sua casa. O caso nada tem a ver com pressão imobiliária muito menos com turismo. Data de 2005, não ocorreu no presente mandato, tem contornos legais que o JN conhece e a sua resolução não depende da Câmara do Porto.

Mas, no JN, Carolina Duarte refere também que "já foram muitos os vizinhos que conhecia que acabaram por sair do centro. Aqueles que a ajudaram a criar os filhos". O jornal aceita a afirmação da assessora como boa, mas não aponta um único caso concreto para sustentar a narrativa, que assim não fundamenta. Também não explica porque a assessora de imprensa do PSD, cujas ligações, repita-se, oculta, se sente pressionada apenas por receber, na caixa do correio, alegadas mensagens de potenciais compradores, sabendo que é livre de não responder e, sobretudo, não vender uma casa que é sua.

Carolina diz: "querem uma cidade com os turistas cá dentro e as pessoas do Porto lá fora, não se percebe". Nem Carolina Duarte nem o JN explicam esta frase que deixa no ar uma crítica vaga. Quem quer as pessoas do Porto "lá fora"?

ROSA MARIA NÃO TEM 87 ANOS MAS 62 E NUNCA FALOU COM A JORNALISTA DO JN

Outra das pessoas citadas pelo jornal e alegadamente pressionada a deixar a sua casa, chama-se Rosa Maria, e terá, segundo o JN, 87 anos, morando na Praça da República. A notícia está ilustrada, na sua versão online, com uma fotografia de uma senhora, de costas, mostrando uma janela e edifícios no exterior. O JN não refere no seu artigo que o nome da octogenária seja fictício e apresenta o caso como sendo inteiramente real. Não mostra, contudo, a cara da entrevistada nem refere o número da porta da moradora que se dizia alvo de pressão.

Preocupada com os factos que estão relatados na notícia, e visando oferecer ajuda à suposta octogenária, protegida por lei, até por ter mais do que 65 anos, a Câmara do Porto enviou técnicos ao local, que procuraram identificar o prédio.

Contudo, ao encontrar o edifício e o andar onde a fotografia do JN foi construída, constatou-se, afinal, uma realidade "alternativa" e até um potencial caso de falsa identidade, com prejuízo para a verdadeira Rosa Maria, que nunca prestou declarações ao JN e tem 62 e não 87 anos.

Isso mesmo comprovamos junto de mais do que um morador e da própria Rosa Maria que nos deixou fotografar a sua casa e a sua varanda, imagem que comprova estarmos no mesmo prédio, mas num andar diferente. O andar onde mora a única e verdadeira Rosa Maria.

Ainda batemos à porta da senhora que alegadamente se fez passar pela vizinha e que tem outro nome, mas a porta não se abriu, apesar de, minutos antes, ter sido avisada da nossa presença. Vários moradores do prédio disseram-nos que o senhorio tentou, de facto, vender o imóvel, mas que teria desistido de o fazer. O prédio está em bom estado.

Que razões levaram o JN a trocar a identidade de moradoras, atribuindo afirmações a quem não as fez? Por que razão, ao contrário dos outros casos, o JN não informou sobre o número da porta e o andar? E se agiu de boa-fé, por que não confirmou o JN as informações que lhe estariam a ser dadas, como mandam as regras do jornalismo?

ISAURA PINHEIRO PERMITIU QUE GRAVÁSSEMOS DEPOIMENTO E NEGA TER SOFRIDO PRESSÃO

Outra residente contactada pela Câmara do Porto e que integrava a reportagem do JN intitulada "Pressionados a deixar a Baixa do Porto", foi uma das moradoras da Rua do Bonjardim. A senhora em causa chama-se, de facto, Isaura Pinheiro, tem 80 anos e mora no número corretamente identificado pelo JN. Contudo, Isaura garantiu nunca ter sido pressionada a sair de casa e nunca ter tido medo de ser despejada. Deixou que filmássemos o seu depoimento e garantiu conhecer os seus direitos, que lhe garantem não poder ser despejada. Afirmou e repetiu, não ter sofrido qualquer pressão, conforme pode ser visto no vídeo que apresentamos. Por que razão está, então, incluída na reportagem do JN com semelhante título e enquadramento? O que há de "pressão asfixiante" no caso relatado na primeira pessoa no vídeo que apresentamos? Nada.

Referiu-nos Isaura que a jornalista que a entrevistou para o JN teria também falado com a sua nora, que mora um pouco mais acima e que, tendo ficado viúva, teria dificuldades em pagar a renda. E essa era a sua única preocupação. Questionada sobre se sofreu alguma vez alguma pressão, Isaura respondeu claramente: não!

A Câmara do Porto tentou falar com a nora de Isaura, que também faz parte da reportagem do JN, mas não a encontrou em casa das duas vezes que tentou fazê-lo.

CASAL PROTEGIDO POR LEI

Outro caso citado pelo jornal tem contornos também bastante estranhos. Embora publique o nome e morada de um casal alegadamente com 80 anos, as afirmações acerca de uma eventual pressão ilegítima não são feitas ao JN pelo casal, mas através de um filho e de uma nora. Apesar da casa em causa ficar a poucos metros da redação do JN, a fotografia do casal, alegadamente pressionado a deixar a casa onde vive, parece ter sido obtida por um telemóvel e, contrariamente às restantes, não está assinada por qualquer fotojornalista, tendo apenas créditos atribuídos à empresa Global Imagens.

A Câmara do Porto tentou oferecer ajuda ao casal, que por ter mais de 65 anos está particularmente protegido. Mas não o conseguiu encontrar.

Contudo, a serem verdade as informações publicadas pelo JN, uma eventual pressão imobiliária não poderia ter êxito pela idade do casal. Não são citados, nunca, neste ou noutro caso, quem seriam ou foram os autores das alegadas pressões nem, aparentemente, o JN tentou encontrar os seus autores. O JN não ouviu, por isso, as partes, nem procurou os senhorios, alegadamente autores das pressões. E seria fácil fazê-lo.

Em nenhum dos casos relatados pelo JN, com particular falta de rigor e com evidente objetivo de sustentar uma narrativa política, é apresentada uma única evidência ou sequer indício de que o turismo seja culpado do que quer que esteja por detrás de qualquer dos casos de alegada pressão que apresenta. Mas a peça do JN culpa o turismo, lançando sobre esse sector da economia um anátema inaceitável. E culpa, claro, a Câmara do Porto, não se sabe do quê, pela via da falsa Rosa Maria.

INDISFARÇÁVEIS PROPÓSITOS POLÍTICOS

Em suma, o JN agiu de má-fé, querendo construir, às custas de problemas reais e de pessoas reais, uma verdade alternativa, baseada em factos falsos que misturou com circunstâncias verdadeiras ou plausíveis, ocultando dados importantes ou mesmo fundamentais ao leitor. Quis, o JN, alimentar uma narrativa, que não é inocente e tem, obviamente, indisfarçáveis e conhecidos propósitos políticos e eleitorais. Como já tinha acontecido em 2013.

 

O JN pode ter a sua política editorial. Está no seu direito. Mas não pode distorcer a verdade, identificar erradamente pessoas, sonegar informação relevante para o entendimento da verdade e acusar, sem contraditório, um sector de atividade importante para a cidade e para o país e a própria autarquia.

O JN pode querer sustentar uma narrativa, como fez em 2013, mas não pode faltar à verdade ou encenar uma realidade.

A Câmara do Porto não está acima da crítica nem nega haver problemas no Porto. Uma cidade vibrante e em crescimento económico gera desafios. Muitos têm vindo a ser resolvidos por privados, mas também pela Câmara do Porto. A excessiva pressão imobiliária deve ser combatida, quando e se existir, e o Executivo, dentro das suas competências, tem vindo a exercer direitos de preferência na aquisição de prédios no Centro Histórico e a reabilitar para habitação social. Estes factos foram ignorados pelo JN, que preferiu, em vez deles, os "factos alternativos" que relatamos. E é deles conhecedor.

CÂMARA ENVIA PRESENTE NOTA À ERC, CNE E ENTIDADES PROFISSIONAIS

Podia a Câmara do Porto ter exercido o direito de resposta nestes caso, obrigando o JN a publicar, pela força da lei, esclarecimentos sobre esta ou outras matérias. Acontece que, embora possível, esse recurso, como se sabe, é ineficaz e apenas resulta, habitualmente, na ampliação do alarmismo que o JN visa. Preferiu, por isso, a autarquia, contraditar, desta forma, os factos falsos, e alertar a opinião pública para a falácia do artigo do JN.

Esta nota será enviada pela Câmara do Porto às autoridades competentes, nomeadamente à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Comissão Nacional de Eleições (CNE), Conselho Deontológico dos Jornalistas e Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas, não em formato de queixa, mas como informação, para que, conhecendo o atual enquadramento editorial do JN tomem as medidas que entendam pertinentes.

A Câmara do Porto, através dos seus meios institucionais, continuará a esclarecer os seus munícipes, não abdicando nunca de repor a verdade, sobretudo quando está em causa um alarme público infundado que aflige portuenses e prejudica a sã convivência de sectores da economia com a cidade.

A câmara do Porto tem muito respeito pela liberdade de imprensa e pelo direito à opinião. De tal modo o cumpre que, por decisão do seu presidente e no presente mandato, todas as reuniões de executivo são públicas e podem ser sempre acompanhadas pela comunicação social, mesmo que a isso a Lei não obrigue e que não fosse, no passado, essa a prática. E também respeita as opções editoriais de todos os órgãos de informação que nunca procurou condicionar.

É por respeito a essa liberdade e ao direito à informação que faz o presente esclarecimento.