Cultura

Paredes que contam histórias: a arte urbana está viva nas ruas da cidade

  • Inês Reis

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A arte urbana continua à espreita nas ruas, em várias paredes e muros da cidade que acolhem desenhos com diferentes histórias para contar. Nos novos murais, levados a cabo pelos artistas locais Rafi die Erste e Godmess, há espaço para homenagear as aguadeiras da cidade ou criar poemas visuais através de narrativas pessoais.

As ruas da cidade transformam-se em galerias de arte, lançando o convite aos transeuntes para contemplarem verdadeiras telas a céu aberto. Teresa Rafael (Rafi die Erste) e Tiago Gomes (Godmess) são dois dos 28 artistas convocados para participar nesta edição do Programa de Arte Urbana do Porto, e que, por estes dias, estão incumbidos de colorir as paredes da cidade com criatividade, procurando enquadrar a história do local nos seus trabalhos, ou simplesmente transmitir uma visão artística pessoal.

É o caso de Rafi, que assim que aceitou o convite lançado pelo também artista urbano Hazul (curador do programa municipal) para pintar um dos postos de transformação da EDP, situado na Rua de Vilar, pensou imediatamente na criação de um poema visual, onde pudesse incluir elementos da sua vida – caso das duas cadelas, Faza e Daisy, que acabaram por merecer um lugar de destaque no mural. “Eu escondo símbolos meus, ou coisas que gosto nos desenhos e as cadelas são parte da minha vida”, admite.

Intitulado “The Butterfly's Burden”, o trabalho da artista foi inspirado pela metáfora que dá nome ao livro de Mahmoud Darwish, poeta e escritor palestiniano, no qual Teresa revê a sua história. Por esse motivo, considerou fazer sentido retratar também o seu universo: “Ao longo da minha vida, sempre usei o desenho como uma terapia, e neste momento a minha vida e os meus desenhos misturam-se”.

Arquiteta de formação, a portuense de gema, Teresa Rafael, não tem dúvidas de que foi através do grafiti que encontrou a sua expressão e identidade artísticas. E, apesar de já ter pintado vários murais dentro e fora do país, garante: “Esta parede é muito especial para mim porque é a minha primeira parede na cidade onde eu nasci. Já pintei em muitos sítios, mas nunca tinha pintado no Porto”.

A experiência, que ainda lhe valeu algumas amizades travadas com a vizinhança durante os vários dias de trabalho, é para Rafi de extrema importância, uma vez que considera ser necessário, mais do que nunca, “celebrar os artistas que existem na cidade”.

Já no Campo 24 de Agosto, em frente à saída do metro, foi a história do local que inspirou a criação de Tiago Gomes, mais conhecido nas paredes como Godmess. “Gosto muito que o trabalho seja enquadrado no espaço onde ele vai ser refletido”, admite o artista.

Também ele nascido e criado no Porto, procurou homenagear, no posto de transformação de eletricidade que ali se encontra, as “aguadeiras” – mulheres que, noutros tempos, eram responsáveis por transportar ou vender água pela cidade.

Através de uma linguagem pictórica contemporânea, o artista pretendeu reencontrar o passado e o presente de um mesmo lugar, aproveitando o facto de outrora ter existido naquele local a Arca de Água de Mijavelhas – um reservatório construído no século XVI que fornecia água às fontes e chafarizes da cidade para servir os portuenses que não tinham poço – para “trazer uma identidade antigo-contemporânea, uma mistura de identidades”, refere.

Ao descrever o seu processo artístico, Tiago Gomes explica que “há uma recolha histórica, e depois há o absorver essa recolha e trabalhá-la à imagem do meu trabalho, uma imagem mais contemporânea e isso dá para perceber através das formas e das cores”.

O tributo, que levou cerca de seis dias a ser concluído, reflete uma simbiose entre a natureza e a mulher, onde os tons de azul e amarelo são os protagonistas de uma narrativa que tem saltado à vista de quem por ali passa: “Os comentários foram sempre super positivos, toda a gente adorou”, acrescenta.

A democratização da arte urbana na cidade

Com a certeza de que “a arte urbana é a expressão artística do século XXI”, Rafi defende que ainda existe uma luta a travar no sentido de continuar a quebrar tabus e ideias pré-concebidas relativamente a esta manifestação, uma vez que “ainda é muito desconsiderada em comparação com as Belas Artes”.

Para isso, o programa levado a cabo pelo município tem desempenhado um papel importante na mudança de mentalidades e aceitação desta forma de arte por parte da população – e os resultados estão à vista –, mas os dois artistas acreditam que há um caminho que deve continuar a ser percorrido. “Estamos a dar passos importantes e neste sentido a iniciativa da Câmara é louvável. Acho que deve continuar a procurar entender os artistas e a cidade, porque a nossa cidade é culturalmente muita rica”, conclui Rafi.

Já Godmess, artista vocacionado também para as áreas da Ilustração, Design Gráfico, Pintura, Escultura e Instalação, que já teve a oportunidade de dar vida a muitos outros murais espalhados pela cidade, considera que é “fundamental” o município dar continuidade a este tipo de iniciativas, de forma a conseguir atrair cada vez mais artistas locais e também internacionais da área para o Porto.

O Programa de Arte Urbana, inaugurado em 2014 por iniciativa da Câmara do Porto, tem contribuído para a reabilitação de espaços da cidade, a democratização da expressão artística nas ruas e permitido a divulgação e sensibilização da produção criativa de arte urbana, incentivando a sua prática num enquadramento institucional autorizado.

Com mais de 80 intervenções artísticas realizadas no espaço público da cidade do Porto, entre obras de caráter efémero ou permanente, nas suas mais diversas expressões, o programa promovido pela empresa municipal Ágora – Cultura e Desporto já envolveu mais de seis dezenas de artistas, novos e consagrados, nacionais e internacionais.

Além dos postos de transformação da EDP, deste projeto faz igualmente parte o Mural Coletivo da Restauração, que ao longo de 70 metros da Rua da Restauração abriga agora novas criações projetadas pelas mãos de Diogo Pintampum, Low Class Club, Matilde Cunha, Leonor Violeta, Mariana Bento (Malva), Tiago de Carvalho (Oaktree) e Henrikas Riškas.

Da mesma forma, também o muro do Reservatório dos Congregados, na Rua da Alegria, foi já intervencionado pelo artista e ilustrador Daniel Padure e retrata o ciclo da água.