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O futebol é para meninas: os novos escalões jovens da AF Porto dão-lhes palco para brilhar

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A época 2021-22 trouxe uma grande novidade ao futebol do Porto: a associação distrital decidiu criar três novos escalões jovens femininos – Sub-17, Sub-15 e Sub-13 – com o objetivo de captar mais raparigas para a modalidade e fomentar o crescimento do futebol feminino. A propósito do encontro entre dois emblemas da cidade, Boavista Futebol Clube e Escola de Futebol Hernâni Gonçalves, o Porto. foi conhecer as aspirações das jovens “craques” e as perspetivas futuras de um fenómeno que está em evolução.

Sábado, 11 de dezembro. São 14 horas e, no Campo da Pasteleira, escuta-se o hino da Liga dos Campeões, a mais importante competição europeia de clubes. Por uma fração de segundo alguém pode sentir-se legitimamente espantado. Não é o horário habitual daquela prova, mas seria possível estar a acontecer ali algo relacionado com a Champions? A dúvida desfaz-se rapidamente: não se trata da liga milionária, mas sim de algo muito mais relevante do que isso.

No relvado sintético do recinto na Pasteleira decorria mais um encontro dos novos escalões jovens femininos que a Associação de Futebol do Porto criou para a época 2021-22. Até aqui, existia apenas um escalão, onde competiam atletas Sub-17 e Sub-15, mas nos primeiros dias de novembro arrancaram campeonatos autónomos em Sub-17, Sub-15 e Sub-13. “A ideia foi dar oportunidade às raparigas mais novas de terem um espaço de competição, onde pudessem começar, ou continuar, o seu processo de formação no futebol. Queremos aumentar o número de praticantes de futebol feminino nos escalões mais jovens”, explica a diretora de competições e seleções da AF Porto, Sofia Teles.

O escalão Sub-17 reúne dois emblemas da cidade: Boavista (com equipas inscritas também em Sub-15 e Sub-13) e Escola Hernâni Gonçalves representam o município e o jovem talento feminino que existe no Porto. No Campo da Pasteleira, as meninas com os seus equipamentos axadrezados e laranja e azul, respetivamente, defrontam-se perante uma bancada preenchida por cerca de meia centena de adeptos. Numa potente coluna portátil, alguém faz tocar o hino da Liga dos Campeões. É acesa uma tocha de fumo e chegam a ouvir-se cânticos da claque boavisteira.

Dentro das quatro linhas, as jovens “craques” enfrentam-se com entusiasmo, lealdade e afinco, conscientes de que fazem parte de uma mudança que está a acontecer dia após dia. Mariana Peixoto Marinho tem 14 anos e enverga a braçadeira de “capitã” do Boavista: “Acho que se vê uma diferença com a criação destes escalões, há mais atletas a participar. O campeonato é mais competitivo e a nível de idades também está mais nivelado”, sublinha. Cita a norte-americana Alex Morgan e Cristiano Ronaldo como ídolos no desporto e reconhece que gostava de ter uma carreira no futebol – um amor que começou a crescer há seis anos. “O meu pai já jogava, então isso foi um incentivo para mim”, confessa.

“Era sempre a única menina”

Por coincidência, a “capitã” da Escola Hernâni Gonçalves, Rita Ribeiro, elege precisamente Alex Morgan e Cristiano Ronaldo como referências no futebol. Aos 15 anos, a jovem recorda que “era sempre a única menina” quando, na escola, o futebol começou a exercer o seu encanto: “Era um bocado difícil os rapazes deixarem-me jogar.”

“Ainda há bastante diferença entre os escalões femininos e masculinos. Há muito menos meninas do que rapazes a jogar”, nota Rita Ribeiro, enaltecendo o efeito positivo dos novos escalões da AF Porto: “Permitem-nos jogar contra meninas da mesma faixa etária que nós, com a mesma intensidade e perceção de jogo que nós. Assim o campeonato fica mais justo e pode dar mais interesse para que mais meninas se juntem. O futebol feminino está a evoluir e espero que continue assim.”

A diretora de competições e seleções da AF Porto, Sofia Teles, concorda que a crescente visibilidade do futebol feminino, por exemplo com a transmissão televisiva de jogos de clubes e seleções, ajuda a uma maior familiarização com a modalidade. “Há maior exposição, tem havido um crescimento exponencial de praticantes, sobretudo em escalões mais jovens, e isso ajuda a mudar as mentalidades”, sublinha a dirigente. “Procuramos não criar barreiras à prática desportiva e que elas tenham um espaço onde podem jogar e fazer aquilo de que mais gostam, que é tão legítimo como os rapazes”, reforça.

“É na formação que se começam a dissipar barreiras e a construir uma verdadeira cultura desportiva”, enaltece a vereadora do Desporto da Câmara do Porto, Catarina Araújo. "Os últimos anos têm sido de grande aproximação entre o Município e a Associação de Futebol do Porto e estas iniciativas servem exatamente para reforçar e fortalecer ainda mais estes laços, até porque comungamos do mesmo objetivo final: promover o desporto de uma forma inclusiva e integral", acrescenta.

Os novos escalões contribuíram para uma subida do número de atletas. “Aumentámos o número de praticantes em relação ao ano passado. Ainda não conseguimos atingir os números pré-pandemia, mas estamos perto de conseguir atingir esses valores. No total, andamos, neste momento, à volta de 870 atletas de futebol feminino”, indica Sofia Teles.

Passo a passo, o caminho vai-se fazendo. “Jogo futebol há dez anos. Comecei bastante nova, gostava de jogar na escola, com os meus amigos. Era um desporto que eu tinha curiosidade em conhecer mais e melhor. O futebol feminino está cada vez mais presente, o que é importante, e estou a gostar de ver o desenvolvimento que está a ter”, conta Alice Marques, jogadora de 14 anos da Escola Hernâni Gonçalves. “Os novos escalões são importantes. Às vezes jogávamos contra adversárias mais novas, ou mais velhas, o que desequilibrava o campeonato. Assim a intensidade e a competição são melhores”, elogia.

Madalena Brion e Beatriz Neves Meneses, do Boavista, têm 15 anos e jogam há sensivelmente quatro anos. A novidade dos escalões jovens femininos da AF Porto foi bem recebida por ambas. “Agora somos todas mais ou menos da mesma idade, os jogos são mais equilibrados e é mais justo para as equipas”, sublinha Madalena. “O próprio campeonato também se torna mais competitivo”, completa Beatriz.

Em campo, as meninas “axadrezadas” triunfaram por 2-1, mas este é um daqueles casos em que pode dizer-se, sem excesso de romantismo, que todas ganharam. Até há pouco tempo, a oportunidade de disputarem aquela partida não existia. Estão todas a construir um futuro cada vez mais presente.