Desporto

O amor pelo breaking está a chegar às crianças e jovens de oito bairros do Porto

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Breaking, modalidade que une desporto e expressão artística, está a ser levada a vários bairros da cidade do Porto, através do programa "Desporto no Bairro". O "Porto." foi acompanhar uma sessão desta atividade, no Bairro do Lagarteiro.

A primeira coisa que se ouve é a música que sai de uma coluna portátil, pousada no chão. Depois chegam-nos aos ouvidos as exclamações, as palavras de incentivo e as gargalhadas. E, por fim, vemos o que está na origem destes sons que vão enchendo o ar do fim de tarde no Bairro do Lagarteiro: é mais uma sessão do programa "Desporto no Bairro", com os formadores ligados à Momentum Crew a ensinarem os primeiros passos de breaking a um grupo de crianças e jovens. Nos tapetes, distribuídos pelo piso sintético do campo polidesportivo, não se veem apenas passos de dança ou movimentos acrobáticos - sente-se o entusiasmo dos miúdos por uma atividade inteiramente nova.

O programa municipal "Desporto no Bairro", desenvolvido através da Ágora - Cultura e Desporto do Porto, está no terreno há apenas algumas semanas, mas o seu impacto já pode ser medido. E, no Bairro do Lagarteiro à semelhança das outras zonas onde o projeto está a ser implementado, a participação tem superado as expetativas: "Há uma grande adesão, acima do esperado. Têm sido muitas as crianças e jovens que nos têm encontrado de forma muito orgânica, como nós pretendíamos. Pousamos aqui o linóleo, ligamos o rádio, os jovens vêm ao nosso encontro e partilhamos com eles", descreve Max Oliveira, coordenador no terreno do "Desporto no Bairro", diretor do MXM ArtCenter e fundador dos Momentum Crew, o primeiro grupo profissional de dança urbana em Portugal.

"Aqui, o breaking está no seu habitat natural", acrescenta Max Oliveira, com um olhar em volta. "Foi por uma necessidade de expressão cultural de subúrbios, em classes desfavorecidas, que o breaking surge dentro da cultura do hip-hop. O breaking tem a sua génese nos subúrbios", nota ainda o coreógrafo. Por isso, e com o objetivo de promover o desporto enquanto fator de inclusão, o "Desporto no Bairro" abraça oito bairros do Porto: Aldoar, Fonte da Moura, Viso, Ramalde, Pasteleira, Pinheiro Torres, Lagarteiro e Cerco.

Para alguns dos formadores da Momentum Crew, o "Desporto no Bairro" é quase um regresso às origens. Aiam (ou Paulo Maia) é um dos b-boys que faz parte do projeto e que consegue reconhecer-se nos jovens entusiasmados que o rodeiam: "Venho do Bairro da Fonte da Moura, em Aldoar. Para mim é super gratificante, porque também comecei assim. Não por iniciativas destas, na rua, mas com amigos, e por cassetes de vídeo".

"É muito importante para as crianças, em vez de andarem aí a fazerem coisas que não devem. Desencantar estes miúdos, por aí perdidos nos bairros, é a nossa maior função. Acho que este projeto tem um papel incrível no Porto", sublinha Aiam.

Vertente social

A vertente social do "Desporto no Bairro" é "muito importante", reforça a b-girl Soraia. "Muitos de nós temos percursos de vida que incluem caminhos maus, e de certa forma o breaking é que nos fez ir pelo caminho certo e conseguir coisas boas. Em vez de pensar em fazer asneiras com a nossa vida, é ao contrário: obriga-nos a ter um estilo de vida mais saudável, a treinar consecutivamente", salienta.

Ver o impacto junto das crianças e jovens é o mais gratificante, admite Soraia: "As próprias educadoras e os pais dizem que eles chegam a casa e estão a treinar aquilo que nós lhes mostramos. Ou seja, eles chegam ali e, em vez de estarem sentados a olhar para nada, estão a aproveitar esse tempo e aquilo que aprenderam", conclui com um sorriso pleno de orgulho.

"O que nós fazemos não são propriamente aulas. Vimos aqui fazer sessões, jam sessions, uma coisa lúdica. Acho que os miúdos têm de, por eles, começar a querer brincar com outras coisas que não só a tecnologia. Brincar com o corpo. Dessa maneira, está a ter esta adesão, esta interação, e sinto-me muito feliz por isso", admite Max Oliveira.

Cativar os jovens é a primeira etapa para levar o breaking aos bairros, reconhece o coreógrafo e dinamizador do "Desporto no Bairro": "Começamos a criar uma certa afinidade de rua, já chegamos aos ringues e conhecemos os miúdos locais, temos um carinho especial. E noto que eles começam a falar uns aos outros e começam a puxar os amigos. Isto acontece de forma muito natural".

"Não é um professor, é um amigo"

"Eles aparecem um pouquinho desconfiados, no início, mas depois jogamos um pouco à bola com eles, conversamos, socializamos um pouco, e eles logo ganham confiança e começam a dançar connosco e a querer participar. Ainda estamos a tentar agarrá-los, estamos no início do projeto, mas o caminho é por aí", sublinha Makumba (João Campos), cujo trajeto pessoal serve de inspiração às crianças e jovens a quem agora dá formação: "O breaking oferece-lhes outros caminhos. Eu próprio fiz parte de um centro social. Não nesta arte, mas já faço capoeira há muito tempo, e saí de um projeto social assim. Morava num bairro ali no Amial", recorda.

A ligação que se estabeleceu entre alguns dos formandos e formadores foi imediata. Zezinho é um bom exemplo, interrompendo a conversa com o "Porto." para declarar a sua amizade para com Makumba: "O Makumba sabe fazer muitas coisas que eu aprendi, que eu não sabia fazer. E agora já sei. Eu gosto muito do Makumba. Vou estar sempre aqui com o Makumba. É um amigo muito fixe, ele sabe dar mortais e a gente aprende muita coisa aqui. Não é um professor, é um amigo".

"Gosto muito de vir para aqui dançar com eles. Gosto muito de dar saltos mortais, gosto dessas coisas. Não tenho nada para fazer em casa, então venho para aqui dançar com eles", conclui Zezinho, regressando ao tapete para ensaiar mais alguns passos de breaking.

O seu amigo Vítor é dos mais entusiastas no Bairro do Lagarteiro. "Quero dançar hip-hop quando for maior. Gosto muito disto", começa por dizer. A sua experiência com o "Desporto no Bairro" até nasceu de um equívoco inocente: "Eu estava a andar de bicicleta, olhei para aqui e pensei que eles iam comer, que iam fazer um piquenique. Então perguntei-lhes o que iam fazer, e disseram-me que iam dançar hip-hop. Perguntei se era grátis, disseram que sim, e então comecei a participar".

"O mais difícil, ao início, foi a cambalhota para o lado. Agora já consigo mais ou menos", acrescenta Vítor, cuja dedicação o leva a treinar no campo polidesportivo mesmo quando não estão a decorrer sessões do "Desporto no Bairro". "Quando há, vimos para aqui treinar, eu com os meus amigos e o meu primo. Mas até sozinhos vimos dançar. Gostava de continuar a dançar, gosto muito dos formadores. Entretenho-me, porque não tenho nada para fazer em casa", termina.

Liberdade para expressar-se

A chegada do "Desporto no Bairro" ao Lagarteiro trouxe outras coisas associadas. "Eles tinham apenas aqui o ringue para jogar à bola, e acesso a muitas outras coisas, se calhar negativas. É interessante terem à disposição outro tipo de arte, de cultura. [Uma atividade] sem ser sempre o futebol. Isto tem muito potencial", vinca Makumba.

"Agora quando venho ao ringue venho à espera de dançar, não de jogar à bola", corrobora Evandro, um dos alunos que mais tem evoluído com as sessões. "Estou a aprender coisas, estou a dançar melhor. Antes não conseguia aguentar muito tempo o pino, agora já consigo. Antes não conseguia fazer o pino de cabeça, agora já consigo. Ao início era muito difícil. Mas eu gosto muito de música, quero ser professor de música, e foi só isso que me fez continuar. Senão parava logo", admite o jovem b-boy.

A liberdade que o breaking dá a cada um, de expressar-se segundo os seus instintos, é um dos aspetos que mais agrada aos jovens aprendizes, mas também aos formadores mais experientes. "Não há nenhuma barreira, não há regras técnicas que têm de se cumprir, cada miúdo pode descobrir o que realmente gosta de fazer. Isso é o mais interessante, a criatividade. Poder escolher o que se quer fazer e não ser obrigado a cumprir certo tipo de movimentos. A liberdade que traz a cada miúdo", descreve Found Kid (Manuel Cunha).

"Fazemos isto na rua, com pouco material, e com o mínimo possível conseguimos ensiná-los a dançar. Está a ser excelente. É muito bom poder partilhar algo, de que eu gosto e que faço desde criança, com os jovens destes bairros, que às vezes têm dificuldades em poder fazer este tipo de atividades", reconhece.

A semente do breaking vai sendo plantada nos oito bairros abrangidos pelo programa "Desporto no Bairro". Um dia, quem sabe, poderão surgir daqui novos talentos que projetem o nome do Porto nos palcos internacionais da modalidade, que em 2024 passará a integrar o programa olímpico. "Acima de tudo, pretendemos despertar neles um novo amor. Se resultar, ótimo. Se não resultar, espero que eles descubram outros novos amores, através de ações sociais, através do que a Câmara lhes possa proporcionar, ou de outras fontes" sublinha Max Oliveira, concluindo: "Mas, acima de tudo, que eles descubram no breaking o desporto, a cultura, e tenham caminhos felizes".