Educação

Município assume competências na área da educação mas continua a pedir mais capacidade de decisão

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Miguel Nogueira

Tornou-se efetiva a 1 de abril a transferência de competências na área da educação. O Município do Porto assumiu as suas responsabilidades, mas continua a contestar o envelope financeiro aquém do necessário para os encargos – o que obrigará a um ajustamento do orçamento municipal. A providência cautelar intentada para travar o processo foi aceite pelo juiz, mas sem efeitos suspensivos.

O assunto voltou à discussão no período antes da ordem do dia da reunião privada de Executivo desta segunda-feira: a Câmara do Porto assumiu competências na área da educação, ao abrigo do DL nº 21/2019, de 30 de janeiro, a partir do dia 1 de abril. “Como dei conhecimento na última reunião do Executivo, intentámos uma providência cautelar para travar o processo de transferência de competências na área da educação, a qual teve despacho de admissão. No entanto, foi indeferido o pedido de decretamento provisório. Também não foi concedido efeito suspensivo à providência”, explicou Rui Moreira.

A Câmara do Porto tem vindo a acautelar as situações mais urgentes, nomeadamente garantir o pagamento ao pessoal não docente agora transferido, acrescentou o autarca, que tem estado em contacto com outros presidentes de Câmara e tem dado voz ao assunto. Haverá uma reunião, ainda com data a anunciar, com a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, e o ministro da Educação, João Costa, na qual o presidente da Câmara do Porto insiste que esteja também presente o presidente da Área Metropolitana do Porto, Eduardo Vítor Rodrigues.

Em declarações aos jornalistas, no final da reunião da manhã desta segunda-feira, o vereador da Educação da Câmara do Porto fez um ponto de situação do processo, evocando o trabalho próximo com as escolas para “garantirmos que tudo continue a funcionar com normalidade.”

“Desde o dia 1 de abril temos um acréscimo de cerca de 30% de funcionários no universo Câmara Municipal do Porto, uma vez que passámos a ter cerca de mais 950 pessoas, assistentes operacionais e assistentes técnicos, nas nossas escolas – o que, a somar aos cerca de 210 colaboradores que já tínhamos na gestão da educação pré-escolar, perfaz um número de cerca de 1135 funcionários. Se juntarmos os mais de 200 professores das atividades de enriquecimento curricular e também na gestão da componente de apoio à família, bem como os colaboradores que temos na gestão da Direção Municipal de Educação, temos muito próximo de uma gestão de 1500 funcionários”, enumerou Fernando Paulo.

Antecipar pagamento de remunerações

Uma das primeiras que a assunção de competências na área da educação implicou foi a antecipação da data de pagamento das remunerações na Câmara do Porto. “O Ministério da Educação pagava ao dia 23 de cada mês, na Câmara do Porto há décadas que pagávamos ao dia 26, e isto criava alguns constrangimentos a muitos destes funcionários, por um conjunto de compromissos, nomeadamente empréstimos bancários. Uma das primeiras medidas que o presidente da Câmara do Porto tomou foi antecipar o pagamento de todos os funcionários do dia 26 para o dia 23”, explicou o vereador.

Os novos encargos com pessoal têm uma transferência correspondente de 12,7 milhões de euros do Fundo de Financiamento da Descentralização, embora Fernando Paulo tenha indicado que, globalmente, esta assunção de competências acarreta um défice considerável: “Se somarmos tudo aquilo que está previsto, o montante de transferências rondará os 19 milhões de euros, para despesas com pessoal não docente, apoio alimentar, serviços, transportes escolares. Pelas nossas contas, há aqui um défice global de cerca de 10 milhões para fazer as coisas como deve ser, excluindo as grandes obras de requalificação e remodelação.”

Das 29 escolas EB 2/3 e secundárias do município, 19 são transferidas – quer a propriedade, quer a manutenção e conservação – para a Câmara do Porto. A verba destinada à manutenção e conservação deste edificado é “manifestamente insuficiente”, lamentou o vereador da Educação. O valor a transferir pelo Governo é de 20 mil euros/ano por escola, um montante “inferior àquela que nós temos nas escolas do 1.º ciclo e jardins-de-infância.”

“Por outro lado, destas 19 escolas, oito estão identificadas com necessidade de grande intervenção. Algumas delas já não têm obras de requalificação desde os anos 1950, o que significa que se considerarmos uma verba de 7,5 milhões para cada uma das oito escolas, temos aí logo cerca de 60 milhões de euros necessários para a grande requalificação de escolas”, acrescentou Fernando Paulo. Uma despesa à qual se junta a necessidade de “mobiliário e todo o material didático-pedagógico, para laboratórios, bibliotecas escolares e outros equipamentos”, notou.

O vice-presidente da Câmara do Porto deu nota, a esse propósito, do levantamento feito que indica que dos mais de 8000 equipamentos informáticos das escolas em causa, 75% tem mais de 15 anos. Filipe Araújo sublinhou ainda que será necessária uma verba na ordem dos 440 mil euros/ano para cuidar dos jardins e arvoredo das escolas, sendo que a transferência de competências prevê 20 mil euros/ano por escola para manutenção e conservação – um valor que inclui a manutenção dos espaços verdes, e que fica aquém do necessário.

“Neste momento servimos cerca de 6000 refeições diárias, e com esta acomodação, porque até ao 12.º ano também temos de garantir as refeições, temos de assegurar mais cerca de 5000 refeições”, prosseguiu o vereador da Educação, garantindo que “as coisas vão funcionar com normalidade”. “Não conseguimos no mês de abril fazer a cedência da posição contratual, por exemplo nos contratos de eletricidade, gás, água. Vamos fazer um contrato interadministrativo com os agrupamentos para lhes transferir a verba, e vamos continuar a trabalhar para essa situação”, acrescentou.

Tranquilizando os funcionários que passaram para o Município – “nós acomodámos a situação e queremos tratá-los bem”, disse – Fernando Paulo quis também descansar os encarregados de educação: “Estamos a reunir semanalmente com os agrupamentos de escola para garantir tudo aquilo que seja necessário, que não se crie um vazio e as escolas continuam a funcionar sem quebra de qualidade e do serviço que é necessário fazer.”

Orçamento será ajustado

“Vamos ter uma reunião de Câmara, ainda durante o mês de abril, provavelmente extraordinária, para rever toda esta situação e alterar o orçamento para acomodar toda esta necessidade de reforço necessário. Uma coisa é certa: temos de assegurar as situações mais imediatas, o pessoal e o funcionamento do dia-a-dia das escolas”, reiterou o vereador da Educação.

“A educação infelizmente deixou de ser uma prioridade nas políticas nacionais. Tivemos um interregno de alguns anos, em que praticamente não houve investimento, por parte do Ministério da Educação e do Governo, na requalificação do parque escolar do 2.º e 3.º ciclos e do secundário. É este atraso que temos de recuperar. Temos de sensibilizar o Governo para mobilizar recursos, inclusivamente de fundos comunitários. Esperemos que no Plano de Recuperação e Resiliência o Governo consiga negociar e mobilizar recursos”, acrescentou Fernando Paulo.

As responsabilidades assumidas implicam “repercussões financeiras” para o município, lamentou o vereador, tranquilizando os pais das crianças e os profissionais: “Pese embora a luta em relação ao que nos preocupa, o Município do Porto está preparado e assumirá as suas responsabilidades.”

“A descentralização transforma-nos em administradores escolares. Achamos que podíamos ir mais além. Somos gestores, pagadores, e não decisores. Estamos a favor da descentralização – quanto mais próximo, dentro do princípio da subsidiariedade, o serviço pode ser mais bem prestado. É óbvio que, sendo mais bem prestado, tem outros custos. Mas também queremos ter uma palavra a dizer. Não temos capacidade de decisão, e queremos ter”, concluiu.