Cultura

Merecemos este Museu

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Miguel Nogueira

Num antigo reservatório de água do Parque da Pasteleira está a nascer o Museu da História da Cidade. O local não era óbvio, mas oferece as melhores condições para perpetuar a alma do Porto. Vai literalmente emergir este ano e na mais recente edição do Jornal Porto. explicamos como.

Um admirável museu novo levanta-se "a sete palmos da terra" com o propósito de abrir o livro da vida de um território e de um povo especial. O convite para visitar o Museu da História da Cidade faz-se com a devida antecedência, enquanto tudo se alinha para nos explicar, de forma interativa e lúdica, como é que o Porto se fez Porto.

São acervos, relíquias documentais e objetos, reunidos ao longo de décadas, juntando-se a milhares de horas de pesquisas coordenadas pela equipa de Alexandra Cerveira Lima, chefe da Divisão Municipal de Museus e Património Cultural, que neste processo tem também "auscultado investigadores e arqueólogos que fizeram intervenções na cidade e possam ter peças e informações relevantes", para trazer à superfície narrativas que tenham a água como fio condutor, introduz.  

Desativado desde 1998 (altura em que o novo depósito entrou em funcionamento no terreno adjacente), o antigo Reservatório de Água do Parque da Pasteleira vai transformar-se num núcleo museológico, mas a designação "Reservatório" será para manter. Segundo a responsável, o nome ajusta-se às novas funções do espaço-cisterna: "um reservatório de espólios e de conhecimento; de marcas de ocupação humana descobertas no território ao longo dos tempos; de memórias e de histórias".

Debaixo da terra estava o segredo mais bem guardado

Longe do rebuliço da baixa, em pleno Parque da Pasteleira, o presidente da Câmara do Porto viu nele o cenário ideal para desenvolver um conceito que tinha maturado: o Museu da Cidade policêntrico, constituído por diferentes polos museológicos dispersos pelo território. A ideia, como recorda o presidente do Conselho de Administração da Águas do Porto, Frederico Fernandes, "surgiu numa visita conjunta realizada ao espaço já com a empreitada de reabilitação em curso", enquanto decorria "o desaterro do reservatório e a demolição que proporcionou a sua abertura para o jardim da Pasteleira". Só nessa altura foi "verdadeiramente possível compreender toda a sua a amplitude, beleza e singularidade".

Anteriormente à visita que viria a determinar o futuro deste ativo, discutia-se "a criação de um espaço polivalente com potencialidade para atividades culturais, performativas, expositivas ou banquetes", com base num estudo sobre o património da Águas do Porto, elaborado em 2014. Mas bastou o "descobrimento" (porque é disso que se trata) para se olhar muito além daquilo que era óbvio.

A partir daí, "este projeto logo se afigurou único e cedo se tornou consensual, quer na visão da Águas do Porto, quer na perspetiva mais ampla da Câmara Municipal", afirma Frederico Fernandes, suportando a decisão com diferentes evidências: "o seu carácter e a sua história de reservatório semienterrado ligado à primeira concessão de água na cidade no século XIX; as enormes potencialidades de uso dada a flexibilidade e carácter abstrato do espaço; a sua integração plena num jardim público de grandes dimensões; e a centralidade em relação aos diferentes conjuntos de habitação na sua vizinhança", garantindo "nova vida e dignidade" ao Parque da Pasteleira que, apesar de muito bem tratado, nem sempre tem sido descoberto pela maioria dos portuenses.

A nova estratégia urbana, implementada pelo Município durante este e o anterior mandato, bem como o projeto "Cultura em Expansão" conjugaram-se, assim, com as prioridades de ação definidas pela administração da Águas do Porto, entre as quais se destacam a criação de valor, a sustentabilidade e a ativação do património da empresa, apontou o administrador.

História da cidade será contada em dez capítulos

Concluídas as obras de reabilitação asseguradas pela empresa municipal, já entrou em cena a equipa multidisciplinar coordenada por Alexandra Cerveira Lima. "Um dos objetivos é permitir ao visitante aceder a um conjunto de informações relevantes para a compreensão do processo evolutivo da transformação do atual espaço urbano.

Ou seja, a História, nas suas grandes etapas de desenvolvimento - através de disciplinas como a Arqueologia, a Arquitetura, o Urbanismo e a Geografia - passa a ser o pano de fundo que contextualiza os objetos expostos no museu", elucida a dirigente municipal.

Como também adianta, o novo museu "está pensado para se desenvolver em dez núcleos e dispor ainda de uma área dedicada a exposições temporárias". Os distintos conteúdos programáticos - o Reservatório; o rio Douro; a origem dos primeiros povoados; o período da romanização; o controlo do território (vias e portas); o poder e a cidade; a expansão territorial no tempo dos Almadas; o liberalismo e o cerco do Porto; a evolução da população e das migrações à época da industrialização, e os planos da cidade moderna - estarão divididos de forma sequencial, convidando os visitantes a recuar até às primeiras formações coletivas que se começaram a organizar na Idade do Bronze.

A primeira exposição temporária também já tem tema definido: a comemoração dos 200 anos de liberalismo no Porto, que vai integrar um vasto leque de iniciativas municipais em torno desta efeméride.

Equipa multidisciplinar assegura projeto

Os trabalhos estão a progredir em várias frentes, fruto do diálogo constante entre a equipa municipal que propõe os conteúdos e a equipa de cenografia. Esta última, constituída pelos arquitetos Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez, e pela dupla João Mendes Ribeiro e Catarina Fortuna, que propõem as adaptações cenográficas ao programa museológico, conta ainda com a colaboração do INESC TEC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência), que "está neste momento a desenvolver uma proposta de soluções interativas", informa a chefe de divisão municipal que tem acompanhado o ambicioso projeto.

No processo de requalificação do espaço, opta-se por manter a rudeza dos materiais que caracterizam o Reservatório. Já no exterior, o grupo de arquitetos vai privilegiar a criação de um espaço verde para lazer na cobertura, aproveitando as potencialidades da área para a abrir ao parque, tornando possível a fruição pública.

Todos os aspetos relacionados com a operacionalidade e manutenção do novo museu estão também a ser avaliados pelas diferentes equipas. Como assinala a coordenadora do projeto, a adaptação do Reservatório às novas funções, contempla "reajustes às regras de acessibilidade dentro dos padrões exigíveis", além de ser necessário estabilizar "a temperatura e humidade em níveis compatíveis com um programa que implica a exposição de peças de diversas cronologias e materiais".

Museu da Cidade policêntrico está a ganhar forma

O Museu da História da Cidade, orçado em cerca de 700 mil euros e já com identidade visual definida, será apenas um dos polos dinamizadores de cultura com potencial de atração de visitantes, que emana da ideia apresentada por Rui Moreira para a criação de um Museu da Cidade policêntrico - que ocupe os espaços de maior pressão da cidade, mas que também seja capaz de criar conteúdos noutras zonas, normalmente menos visitadas. O conceito assenta, por isso, na valorização do património cultural, de forma sistematizada. Nesse pressuposto, foi estabelecido um plano de modernização e dinamização de museus municipais pertencentes à Rede Portuguesa de Museus e outros equipamentos culturais de elevado interesse cultural e turístico. Com o apoio comunitário do Programa Operacional Regional do Norte 2020, a ideia de Museu de Cidade já permitiu a chegada de novos públicos à Casa-Museu Guerra Junqueiro, reaberta em março de 2017; à Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio, que retomou a atividade em julho passado; e, mais recentemente, ao Museu Romântico, que reabriu em fevereiro.