Cultura

Livro fundador do regime liberal no país é pela primeira vez mostrado ao público após 200 anos

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O peso dos 200 anos do livro de vereações da Câmara do Porto (hoje, livro de atas) é maior do que aquilo que se julga. Das suas páginas sai a prova material de que o Liberalismo foi fundado a 24 de Agosto de 1820 no Porto e que, graças à ação da Invicta Cidade, a corte regressou a Portugal, após décadas instalada no Brasil, e se colocou um ponto final na era da monarquia absolutista, que teve de adotar o sistema constitucional para sobreviver. Este importante pedaço de história é pela primeira vez mostrado ao público, integrado na exposição "1820.Revolução Liberal no Porto", patente na Casa do Infante.

O início do movimento liberalista e todo o primeiro ano do processo revolucionário estão retratados na mostra expositiva, que ocupa o Gabinete do Tempo do Museu da Cidade - Casa do Infante. 

Na altura considerada "um horrendo crime de rebelião" pelo Palácio do Governo de Lisboa, a Revolução Liberal do Porto acabou por ser, mais tarde, abraçada pela capital. A exposição, que integra as comemorações do bicentenário deste marco histórico para a cidade e para o país, debruça-se precisamente sobre o pronunciamento militar do Porto e o regresso da Família Real do Brasil.

De entrada livre, a iniciativa programática com autoria de José Manuel Lopes Cordeiro e curadoria do núcleo de programação do Museu da Cidade, aceita dez visitantes em simultâneo, respeitando as medidas preventivas no contexto da pandemia adotadas pelo Museu da Cidade, em que se inclui também a utilização obrigatória de máscara nos espaços. Há ainda possibilidade de realizar visitas guiadas, mediante marcação prévia, para um máximo de, igualmente, dez participantes.

Estando a exposição novamente visitável ao público, refira-se que, no entanto, as atividades do programa das Comemorações da Revolução Liberal do Porto, interrompidas em março, serão agora retomadas a partir de 24 de agosto, no âmbito da semana de abertura da Feira do Livro.

A 28 de agosto, às 16 horas, será lançado no festival literário o livro "1820. Revolução Liberal do Porto", uma edição da Câmara do Porto, da autoria de José Manuel Lopes Cordeiro. Participam ainda na sessão Nuno Faria (diretor artístico do Museu da Cidade) e Dayana Lucas (designer).

O programa prolongar-se-á até janeiro de 2021, sendo que a exposição fica patente no Gabinete do Tempo - Casa do Infante até ao dia 10 de janeiro do próximo ano.

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"1820.Revolução Liberal no Porto"
Gabinete do Tempo | Terça-feira a domingo 10h00 - 17h30
Rua da Alfândega, 10
Encerra segundas-feiras e feriados
+351 222 060 400/423
infomuseudacidade@cm-porto.pt
www.museudacidade.cm-porto.pt 

Entrevista a José Manuel Lopes Cordeiro

O investigador e comissário da exposição, Prof. José Manuel Lopes Cordeiro, explicou na edição de fevereiro do Jornal Porto., que período da história foi este e como os factos então vividos foram retratados na produção deste trabalho. O "Porto." recupera agora essa conversa.

Foi fácil preparar a exposição?
Foi sobretudo desafiante, porque temos dois palcos: Portugal e Brasil. Naquela altura, a notícia da Revolução Liberal de 24 de Agosto só chegou ao Rio de Janeiro a 17 de outubro! O rei D. João VI envia uma carta régia em que 'magnanimamente' decreta uma amnistia para os revoltosos do Porto, mas a carta só chega a Portugal a 16 de dezembro, já a regência de Lisboa tinha sido destituída e o país estava a preparar as eleições para as cortes constituintes à maneira liberal.

Como é que Lisboa reagiu?
Muito mal. A regência faz uma proclamação em que acusa o Porto de traição. Inclusive manda publicar na Gazeta do Rio de Janeiro a Proclamação de Lisboa, mas como há um desfasamento temporal, isso só acontece a 9 de novembro. Por cá, já a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, criada no Porto e a que Lisboa acabou por se unir, tinha tomado as rédeas do país.

Que exposição temos?
A exposição concentra-se nos dois objetivos da Revolução Liberal: dotar o país de uma Constituição e forçar o regresso do rei e da corte. O primeiro começa a ser concretizado em janeiro de 1821, quando são formadas as cortes constituintes. O segundo objetivo fica cumprido quando o Rei D. João VI e a corte regressam, em julho. Procuramos dar uma visão abrangente do que aconteceu nesse ano, porque o pós 24 de Agosto foi desprezado ou nem sequer abordado pela historiografia. 1820 antes de ser um acontecimento político nacional foi um acontecimento do Porto e isso não se diz abertamente.

Porquê?
Um historiador conhecido de Lisboa, que já faleceu, referiu num dos seus livros que 'a Revolução tanto podia ter acontecido no Porto como noutro sítio qualquer'. Não é verdade. Em finais de julho de 1820, Manuel Fernandes Tomás vai a Lisboa e é seguido pela polícia. Ia ser preso se não se tivesse apercebido. A repressão era terrível, basta ver o episódio do Gomes Freire de Andrade. A nível dos contactos com os militares, no Porto prepararam isto muito bem.

Algum documento histórico que queira destacar?
O livro de vereações, que contém o auto geral da Câmara em que é dada posse à Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Ou seja, a fundação do regime liberal do país aconteceu na Câmara do Porto, a 24 de Agosto de 1820. Sempre me surpreendeu porque é que esse livro de atas nunca foi mostrado e nem sequer é referido pelos historiadores.

Onde estava o livro?
Estava no Arquivo Histórico Municipal, mas em muito mau estado. Quando se dá a contrarrevolução, os miguelistas vão à Câmara e rasuram o livro de vereações todo! Não adiantou de nada, porque, para azar deles, o auto geral da Câmara tinha sido amplamente reproduzido, em folheto e na imprensa. O livro foi agora recuperado pelos serviços técnicos do Arquivo, que fizeram um trabalho miraculoso.