Sociedade

Histórias da cidade: um Foral que incorpora a essência portuense

  • Paulo Alexandre Neves

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Guilherme Costa Oliveira

Esteve exposto, pela primeira vez, durante dois dias, nos Paços do Concelho, serviu de imagem para um Postal Inteiro, lançado pelo Correios de Portugal. Trata-se do Foral do Porto de 1123, o documento mais antigo existente no Arquivo Municipal. Um texto, escrito em gótico cursivo, que diz muito já da identidade portuense.

Alvo de um profundo restauro, a partir de 2012, pelas técnicas de conservação do Arquivo Municipal, chega aos nossos dias totalmente "estabilizado". Contém uma mancha, sem origem definida, mas que quase o ia danificando. Foi possível minimizar os estragos e, hoje, a área envolvente está em bom estado, permitindo um tratamento mais minucioso. Para isso, foi feito uma humidificação, planificação e condicionamento. É possível consultá-lo, através do portal do Arquivo Municipal.

O enquadramento histórico é, relativamente, simples. Em 1120, o Porto torna-se senhorio episcopal, por iniciativa da condessa D. Teresa (mãe de D. Afonso Henriques), que, nesse ano, faz a doação da cidade à Sé portucalense e ao seu bispo, D. Hugo.

Três anos depois, será o mesmo bispo a dar foral aos habitantes do "seu" burgo. Através deste ato, reconhece a autonomia de governo, bem como os direitos e deveres da cidade, iniciando assim uma política de instituição de poderes locais.

Para exemplificar esta autonomia pode ler-se na folha de sala que acompanhou a exposição nos Paços do Concelho, com tradução do foral de Manuel Francisco Ramos, do CITCEM-Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, sediado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP): "E a todo aquele que quiser construir uma casa no burgo o meirinho dará um sítio na vila e, em contrapartida, [o meirinho] receba um soldo".

"E quem quiser vender a sua casa que a venda a um qualquer burguês que [a] desejar, desde que tenha o consentimento e a permissão do bispo ou do seu meirinho", acrescenta o mesmo documento.

Caráter liberal e inovador

O historiador e professor universitário Francisco Ribeiro da Silva não tem dúvidas: o Foral de 1123 denota já alguns laivos de "liberalismo" e inviolabilidade da propriedade privada. Por exemplo, quando nele se pode ler: "(…) e que [o meirinho] não invada a casa de ninguém, com intuitos de penhora, sem a presença de dois ou três homens bons da própria vila, os quais o deverão acompanhar".

Há quem destaque também o papel "inovador" de D. Hugo. Senão repare-se neste trecho do foral: "Qualquer pessoa que tiver plantado uma vinha extra muros, nas áreas que forem doadas pelo meirinho, entregue, por isso, uma quarta parte do vinho à adega da Sé do Porto. Enquanto ele trabalhar na vinha, desde a sua plantação até que ela produza vinho, essa pessoa não deverá pagar nada, salvo a décima parte pela sua alma”.

Trata-se, pois, do documento mais antigo do arquivo camarário, que continua a atrair quer pelo simbolismo que encerra, quer por constituir uma fonte para múltiplas leituras sobre a identidade do território portuense.

Foral Manuelino de 1517

Na mesma exposição nos Paços do Concelho esteve também patente, o Foral Manuelino de 1517. Integrado na ampla reforma administrativa, jurídica e legislativa desenvolvida pelo rei D. Manuel I, o documento é testemunho da relação da monarquia com o concelho, estabelecendo as relações entre as duas instituições a nível económico, fiscal e jurisdicional.

Para além do seu valor histórico e cultural, este documento é um exemplar de grande beleza e esmero técnico, produzido na chancelaria régia com um claro propósito de reforço da mensagem reformista através do uso da iconografia.

Com mais de 500 anos, este códice do arquivo municipal continua também a atrair o interesse da cidade, alimentando, igualmente, a memória e a identidade coletiva.