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Histórias da Cidade: Senhoras e senhores, bem-vindos ao dia um do Coliseu do Porto

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19 de dezembro de 1941. Enquanto a Europa vivia, pela segunda vez, as batalhas de uma guerra com proporções mundiais, Portugal vestia-se de gala. O motivo: a inauguração daquela que se viria a assumir como uma das principais salas de espetáculo do país. Senhoras e senhores, bem-vindos ao primeiro dos 29.220 dias do Coliseu do Porto.

A pompa e a circunstância são as que caracterizavam a época, mais a formalidade austera imposta pelo regime do Estado Novo. Ainda assim, a festa e alegria são os artistas principais a subir ao palco daquela noite que havia de ficar na memória de muitos na cidade e quando pouco ou nada se sabia dos 80 anos que se seguiriam.

Depois de 22 meses de obra, o Porto recebia um edifício modernista, projetado a várias mãos, e mostrou-o ao mundo com a sua melhor. A jovem Helena Sá e Costa – na altura já uma consagrada pianista – interpretou o 1.º Concerto para Piano e Orquestra, uma obra considerada tecnicamente difícil, que Felix Mendelsshon compôs aos 17 anos.

A acompanhar aquela que se confirmaria como um dos maiores vultos da música portuguesa do século XX estava a Orquestra da Emissora Nacional, sob a batuta do maestro Pedro de Freitas Branco, num concerto que abriu em jeito de réplica, fazendo ouvir a peça “Consagração da Casa”, composta por Beethoven para a reinauguração do Teatro de Josephstadt, em Viena, em 1822.

Do programa constaram também peças do português Alberto Fernandes e de Richard Strauss, Debussy e Sonzogno, tendo também atuado a soprano Maria Amélia Duarte d"Almeida.

Antes da música, as boas-vindas ao Coliseu do Porto foram dadas pela atriz e escritora Aura Abranches. O insólito terá acontecido quando o discurso que proferia foi interrompido por uma audiência de 3500 pessoas, entre elas várias personalidades da época que não quiseram perder um dos grandes acontecimentos culturais e sociais da cidade, que – no auge do seu patriotismo - se levantaram para aplaudir o nome de Salazar e lançar vivas à pátria.

Ao concerto de inauguração seguiu-se um baile de caridade e uma ceia, servida no átrio do Coliseu.

Um edifício imponente para uma pianista imensa

No dia seguinte, a crítica no Jornal de Notícias confirmava a ovação dos espetadores: "Helena Moreira de Sá e Costa, ao piano, entusiasmou a plateia. Mãos aladas divinas transfiguraram, recrearam essa obra de maravilha. (...) Dela se pode dizer, com toda a verdade, que não há, pelo menos entre nós, quem de longe se lhe compare".

Helena Sá e Costa viria a partilhar algumas emoções sobre esta noite. Quando o Coliseu do Porto celebrou os 50 anos com uma reprodução quase fiel do concerto inaugural, a pianista recordou como, encontrando-se a dar aulas no Conservatório de Música de Lisboa, conseguiu chegar a tempo à Invicta, viajando na noite anterior.

“Era durante a guerra, e o comboio não tinha carruagens-cama, porque havia pouco carvão e o número de carruagens foi diminuído. Era bastante duro. Foi assim que "aterrei" no Porto no próprio dia do concerto, de manhã, e fomos para o teatro fazer o ensaio. O Coliseu tinha acabado de ser construído, estavam as paredes completamente húmidas, tudo muito fresquinho. Lembro-me perfeitamente, e estava também muito frio", cita o jornal Público.

Àquele jornal, a pianista portuense confessava “a emoção” do reencontro com o maestro Pedro de Freitas Branco, “um artista extraordinário e com um prestígio fora de série", além do espanto causado pelo imponente edifício: “Foi uma novidade, era diferente dos restantes teatros (...), assustava-me muito pela imensidão".

No 70.º aniversário, o Coliseu do Porto lembrou, novamente, este momento e descerrou, no átrio, uma placa comemorativa da noite de abertura. Pelos corredores, mais uma testemunha conta a história do dia um: o Bastão de Molière, em madeira e cordão, com o qual o maestro Pedro de Freitas Branco deu as famosas três pancadas do resto da vida do Coliseu.