Cultura

Histórias da Cidade: Seiva Trupe e as muitas memórias do teatro portuense

  • Paulo Alexandre Neves

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11 de setembro de 1973: António Reis, Estrela Novais e Júlio Cardoso deslocam-se a um notário da cidade e criam, oficialmente, a Seiva Trupe – Teatro Vivo. São 50 anos de estórias de uma companhia que se tornou icónica na cidade, um repositório de memórias do teatro portuense (e, porque não, nacional), de vida(s) feita(s) de luta e resistência.

"Com cinco anos, a seguir ao F. C. Porto, a Seiva Trupe era a instituição mais conhecida na cidade", confessou, recentemente à "Notícias Magazine", Júlio Cardoso. Uma vida de "coisas loucas, que valeram a pena", afirmou, em 2013, ao Diário de Notícias, o ator, diretor e cofundador António Reis, falecido em abril de 2022.

O país vivia sob o regime da censura. As cooperativas e as associações estavam proibidas no país e na cidade existia apenas o Teatro Experimental do Porto (TEP), companhia fundada em 1953. Como forma de ultrapassar a lei, a Seiva Trupe nasce como Sociedade Artística (figura jurídica entretanto desaparecida). Foi uma pedrada no charco.

Castro Guedes, atual diretor artístico da companhia, integrou o elenco da primeira peça encenada (na foto), "Musicalim na Praça dos Brinquedos", de Stella Leonardos. "Éramos alguns jovens e outros mesmo muito jovens, como eu, cheios de entusiasmo e movidos pelas convicções de um futuro que, em Abril de 1974, deu o ar da sua graça plena e imensa, mas que, 50 anos depois, chega estafado numa crise de regime", confessa, num depoimento para a estreia, no passado dia 11, d’ “O Canto do Cisne", de Tchékhov, com que o Teatro Nacional de São João (TNSJ) assinalou os 50 anos da Seiva Trupe.

O auge com "Um Cálice do Porto"

Outras peças marcam a história da companhia. Em 1974 é levado à cena "Catarina na Luta do Povo (Luís Alberto)", em 1978 "Perdidos numa Noite Suja" (Plínio Marcos), na Cooperativa do Povo Portuense. Este foi considerado pela crítica "o mais violento espetáculo levado à cena em Portugal".

O sucesso chega em 1982, com "Um Cálice do Porto" (Benjamim Veludo, Manuel Dias e Norberto Barroca), peça que mais sucesso fez na Seiva Trupe, mantendo-se em palco durante dois anos, com lotações esgotadas. "Tornou-a, durante muitos anos, a companhia que mais público (fiel) tinha em Portugal", assegura Castro Guedes.

Em 1993, a companhia é declarada utilidade pública, em reconhecimento da obra de teatro, debates sobre temas sociais, colóquios e concertos com que contribuíram para a formação de massa crítica cultural da região norte do país. Afinal, não era só o teatro que preocupava Júlio Cardoso e António Reis. Dez anos antes, foi instituído o prémio bienal Seiva Trupe, "para a dignificação e o prestígio das Artes, das Letras e das Ciências do Porto". Manoel de Oliveira, Corino de Andrade, Eugénio de Andrade, Júlio Resende, Álvaro Siza Vieira, entre outros, contam-se entre os distinguidos.

Nova vida na Sala Estúdio Perpétuo

A ligação que foi mantendo com a latinidade hispano-ibérica ajudou à criação do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), inicialmente associado também ao TEP e depois, durante anos a fio, garantido pela Seiva Trupe. Hoje, o FITEI é uma entidade própria, uma referência nacional e internacional.

Em 2010, nas comemorações do Dia Mundial do Teatro, a Seiva Trupe foi condecorada pelo Presidente da República, Cavaco Silva, com o grau de Membro Honorário da Ordem de Mérito.

Hoje, a Seiva Trupe é uma cooperativa, sedeada na Sala Estúdio Perpétuo (Bonfim), graças a um protocolo, assinado em 2021, com o Centro de Caridade de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Depois de obras de remodelação, a sala abriu-se à comunidade. "A Seiva quis, O Porto quis: Aconteceu". Este é o slogan do projeto que junta o Perpétuo Educação e Cultura, a Câmara Municipal do Porto, a Seiva Trupe e a Opium.