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Histórias da Cidade: Secundária Alexandre Herculano quer recuperar o prestígio de outros tempos

  • Paulo Alexandre Neves

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Guilherme Costa Oliveira

A história da Escola Secundária Alexandre Herculano confunde-se com a da cidade, a partir do século XX. Uma obra icónica, que ganhou espaço no imaginário de muitos estudantes e professores e que foi sendo acarinhada por toda a cidade. Reabilitada pela Câmara do Porto, fruto de um investimento superior a 14 milhões de euros, suportados, parcialmente, pelo financiamento comunitário do NORTE 2020 - Programa Operacional Regional do Norte, está pronta para voltar a ganhar vida.

A história do edifício, monumento de interesse público, remonta a 1916, com o lançamento da primeira pedra, pelo então Presidente da República, Bernardino Machado. Ainda que as intervenções prosseguissem até ao início dos anos 30 (com a conclusão do ginásio e da piscina), as atividades letivas começaram, muito antes, em 1921.

O Porto beneficiou, então, da reforma do ensino liceal, realizada no início do século passado, com a criação de duas áreas administrativas na cidade, motivando uma reorganização das áreas de influência dos principais estabelecimentos na Invicta: o Liceu Rodrigues de Freitas serviria a parte oriental e o Alexandre Herculano – ainda denominado Liceu Central da 1.ª zona e depois Liceu Central – a parte ocidental.

Em 1911, foi aprovado na Câmara dos Deputados do Congresso da República, por proposta do deputado Ângelo Vaz, que tinha sido médico no Liceu Central, um projeto de lei que autorizava o empréstimo para a construção de um novo edifício. O terreno para a sua construção pertencia à Quinta de Sacais, entretanto, dividida pela Avenida Camilo, situada na freguesia do Bonfim.

Obra icónica do arquiteto Marques da Silva

A escolha do autor do projeto do novo edifício recaiu sobre o arquiteto José Marques da Silva, considerado o último arquiteto clássico e o primeiro moderno do Porto, figura fundamental na reconfiguração da fisionomia da cidade, na primeira metade do século XX.

Nas palavras do arquiteto Sergio Fernandez, que, conjuntamente com o seu colega Alexandre Alves Costa, do gabinete Atelier 15 – Arquitetura, realizou o projeto de requalificação da escola, "estamos, não só, a falar de uma obra iconográfica da cidade como uma das melhores obras do arquiteto Marques da Silva".

O historiador e ex-aluno José Pacheco Pereira recordava, em 2016, numa reportagem da rádio TSF ("Até quando aguenta esta escola?"), que o liceu e os seus espaços tinham "características muito próprias", como "grandes janelas bem iluminadas" e "grandes corredores" e outros elementos que "não era comum encontrar nas escolas", como o "auditório, onde era possível ver filmes e fazer concertos", e outros equipamentos que lhe conferiam o estatuto de "grande liceu": ginásio e piscina.

Figuras que marcaram a história do liceu

Ao longo do século XX, este liceu constituiu uma referência incontornável do ensino público em Portugal, em tempos em que a possibilidade de prosseguir os estudos não estava ao alcance de jovens de todas as origens sociais. Ainda de acordo com José Pacheco Pereira, "era um liceu de elite, mas não necessariamente no sentido em que só os ricos é que lá estavam. Era um liceu que tinha professores muito qualificados, que estavam numa fase já avançada da carreira, que eram, eles próprios, escritores, autores, professores que tinham experiência universitária".

Do seu qualificado corpo docente fizeram parte figuras como Óscar Lopes, António Cobeira, Alberto Uva, João Rodrigues Gaspar da Costa, Agostinho Gomes ou Cruz Malpique. Mas ali formaram-se também personalidades que viriam a deixar uma marca indelével na sociedade portuguesa, nos mais variados quadrantes: nas artes (Adriano Correia de Oliveira, Álvaro Siza Vieira, António Vilar, António Pinho Vargas, José Augusto Seabra, Mário Cláudio, Rui Reininho, Arnaldo Trindade), na ciência (Edgar Cardoso, Manuel Sobrinho Simões, Júlio Machado Vaz), na política e na economia (Manuel Alegre, Artur Santos Silva, Daniel Bessa, Belmiro de Azevedo, António Mota, Rui Vilar ou o já citado José Pacheco Pereira), mas também nos domínios jurídico (Germano Marques da Silva, Martinho da Cruz, Vasco Airão), militar (Carlos Azevedo, Francisco Franco Charais, Pires Veloso), religioso (o cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, o bispo emérito Januário Torgal Ferreira) ou ainda desportivo (o bibota Fernando Gomes), entre muitos outros.

O Alexandre Herculano foi, durante décadas, apenas um liceu masculino – as jovens portuenses cursavam no vizinho Rainha Santa Isabel –, mas, já em meados da década de 1950, chegaram as primeiras alunas. Uma delas foi Maria do Carmo Castelo Branco Sequeira, professora jubilada da Universidade Fernando Pessoa.

Ali "nasceu" o Cineclube e o Académico

Fazendo da máxima atribuída ao homónimo escritor portuense e inscrita na pedra das paredes da escola – "A educação é um tesouro de que cada um de nós deve fazer bom uso" –, os estudantes do Alexandre Herculano foram sempre muito para além do puro ensino. Ali foi criado, por exemplo, o jornal de liceu Prelúdio, onde muitos escritores e intelectuais iniciaram-se, ainda novos, na escrita.

O Cineclube do Porto, o mais antigo do país, foi fundado no liceu em 1945, por Hipólito Duarte, sob a designação inicial de Clube Português de Cinematografia. Também muito deve o desporto da cidade ao espírito dinâmico do corpo estudantil do "Alexandre". Com efeito, foi um grupo de alunos do liceu que, em 1911, fundou o Académico Futebol Clube.

Depois de várias vicissitudes, em janeiro de 2019, a Câmara Municipal do Porto tomou a iniciativa de abrir negociações com o Ministério da Educação, de modo a alcançar um acordo para a recuperação integral da secundária, atendendo, com isso, a uma antiga pretensão das famílias dos estudantes e dos portuenses. Vai reabrir no próximo mês de setembro. "A cidade não perdoava que este equipamento continuasse ao abandono e a cair, como estava. Vamos ter uma escola com um valor patrimonial incrível, mas vamos ter uma escola que responde a todas as necessidades de uma escola contemporânea. Apesar de centenária, esta será uma escola nova", assinalou o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, durante uma recente visita ao estabelecimento.