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Histórias da cidade: Revisitar António Cândido, a “Águia do Marão” e pioneiro da Ciência Política em Portugal

  • Paulo Alexandre Neves

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Guilherme Costa Oliveira

Camilo Castelo Branco atribuiu-lhe o cognome de "Águia do Marão". Também ficou conhecido por "Boca d’Oiro". Considerado pioneiro da Ciência Política em Portugal, António Cândido (1850-1922) foi académico, magistrado e político durante a monarquia constitucional, deputado em três legislaturas pelo Partido Progressista, par do Reino de nomeação vitalícia, ministro e conselheiro de Estado, procurador-geral da Coroa e Fazenda, e vice-presidente da Real Academia das Ciências.

Para assinalar o centenário da sua morte, ocorrido em 2022, a Câmara Municipal do Porto associou-se ao Centro de Estudos Amarantinos e, entre outras iniciativas, lançou o livro "António Cândido - Discursos intemporais", apresentado, esta sexta-feira, nos Paços do Concelho. Dele fazem parte intervenções públicas do tribuno amarantino no Porto.

Mas, antes de dar a conhecer um pouco do livro, falemos um pouco de António Cândido. Nasceu em 1850, na freguesia de Fridão, concelho de Amarante. Apresentou provas de doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (com aquela que é reconhecida como a sua obra maior, "Principios e questões de filosofia politica", em que o autor faz a defesa da universalização do voto e dos círculos plurinominais com representação proporcional) em 1878, o que lhe facultou a entrada no corpo docente da Faculdade. A atividade académica acabaria por ficar subalternizada pela atividade política, que começou com uma aproximação ao Partido Histórico, tendo acabado por ingressar no Partido Progressista, logo desde a sua fundação, em 1876.

Desempenhou altos cargos públicos: deputado (eleito em 1879, 1884 e 1887), par do Reino (desde 1891), ministro (1890-1891, com a pasta do Reino e, interinamente, da Instrução Pública e Belas Artes), procurador-geral da Coroa e Fazenda (desde 1898), conselheiro de Estado (desde 1902). Retirou-se da vida pública após o derrube da Monarquia, tendo mesmo recusado o convite para integrar a lista monárquica para as eleições legislativas durante o consulado de Sidónio Pais.

Cinco discursos marcantes na cidade do Porto

A fama de "orador sublime" viria a consagrar-se em pleno na tribuna parlamentar, onde "brilhou pelo dom da palavra e pelo fulgor da argumentação. A elegância e sobriedade do seu estilo, a voz cristalina e pausada, o porte majestoso e a fina ironia são alguns dos atributos que suscitaram a admiração unânime dos seus contemporâneos" (Cf. Dicionário Biográfico Parlamentar: 1834-1910, v. 1, p. 851).

Entre muitos discursos, António Cândido proferiu alguns, no Porto, que ficaram marcados na história da cidade. Cinco deles integram o livro agora apresentado, nos Paços do Concelho, respeitando a sua ortografia original. Por exemplo, a oração fúnebre nas exéquias de Alexandre Herculano, mandadas celebrar pelo Corpo Commercial do Porto na Igreja da Lapa, no dia 13 de novembro de 1877.

"D’ora em diante, sempre que se fizer o elogio d’esta cidade, logo depois de se dizer que ella operou a redempção politica de Portugal e labuta, sem treguas, nos propositos da sua redempção economica, deve accrescentar-se: e foi, em todo o paiz, a primeira que sagrou publicas homenagens e dedicou solemnissimos obséquios á memoria de Alexandre Herculano", escreveu.

E mais: "[…] Aqui trabalha-se indefessamente, e elle foi a suprema glorificação do trabalho; aqui a liberdade é mais do que uma convicção profunda, é quasi um fanatismo para todas as consciencias, e elle adorou-a e quis-lhe como á mais esplendente visão do seu espirito".

"No Porto, as boas sementes germinam sempre"

António Cândido discursou no Atheneu Commercial do Porto na noite de 15 de agosto de 1885, em honra de Victor Hugo. Ali fez também uma conferencia sobre a Moral na Politica onde argumentou: "Se quisesse apenas entreter-vos, ser agradavel á sensibilidade esthetica do vosso espirito, sei bem o que havia de fazer… Mas ha tempo para tudo, meus senhores; e, se me não engano, soou a hora de meditarmos seriamente sobre as graves condições actuaes da nossa vida social e politica".

No Porto ficaram ainda célebres os discursos, no Palacio de Crystal, na noite de 3 de abril de 1889, em honra do Infante D. Henrique, e no Theatro de S. João, na noite de 19 de maio de 1900, em que as associações comerciais, industriaes e agricolas da cidade festejaram solemnemente o 4.º centenario do descobrimento do Brasil.

No prefácio do livro apresentado nos Paços do Concelho, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, conclui: "Se vários conceitos vertidos ao longo destes discursos são produto do fim do logo século XIX e pedem um entendimento consistente do contexto histórico e social que os circunscreve, a lucidez do seu processo mental é inequívoca e a limpidez da sua frase é perene – e foi dela que António Cândido tão bem se serviu para plantar as duas ideias na consciência da sociedade portuense do seu tempo. 'E no Porto, como em solo feracíssimo, as boas sementes germinam sempre'".