Sociedade

Histórias da cidade: pode ser a mais pequena, mas esta rua é fina como um alho

  • Cláudia Brandão

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Filipa Brito

Não há portuense que não conheça a expressão “fino como um alho”. A maior parte conhecerá alguém que, de tão esperto, tão sagaz e astucioso, se diga que é fino como um alho. É a partir de uma das ruas mais pequenas da cidade – não são mais de 30 metros - que se encontra a explicação para tal dito popular, num significado que extravasa até a dimensão nacional.

O recuo faz-se até ao início da segunda metade do século XIV, quando o país ainda encontrava forma de recuperar de uma pandemia. A Peste Negra tinha resultado na morte de um terço da população mundial e a economia estava de rastos.

A necessidade de intervir e aumentar as transações comerciais de Portugal, levou um desesperado D. Afonso IV a procurar solução no Porto que, na época, já se destacava como cidade mercantil de excelência e um importante exportador de vinho, azeite, fruta, cera, mel, couro e madeiras, principalmente para Inglaterra.

Era preciso garantir a proteção destas trocas. O monarca, conhecido como “O Bravo”, encontraria num mercador portuense alguém digno do mesmo cognome. Afonso Martins Alho é enviado a Inglaterra com a incumbência de negociar um acordo comercial com o rei Eduardo III.

Do primeiro encontro terá resultado apenas um salvo-conduto que garantiria a aberturas dos portos britânicos a todos os mercadores e navios portugueses. Mas Afonso Martins Alho, que também chegou a ser vereador municipal, não ficou satisfeito e regressaria para uma negociação mais favorável. Dessa vez, viajava com os títulos de procurador das comunidades de mercadores das cidades portuárias do Porto e de Lisboa e procurador plenipotenciário do rei D. Afonso IV de Portugal.

A 20 de outubro de 1353, depois de intensas negociações, o mercador do Porto deixava a sua assinatura ao lado do do monarca inglês, naquele que haveria de se tornar o primeiro tratado comercial entre Portugal e Inglaterra, e que vigoraria durante cinco décadas. Entre os oito pontos que compunham o documento, estava a garantia de comércio livre para os mercadores nacionais em todas as cidades e vilas inglesas, o direito de pescas nas costas da Inglaterra e da Bretanha, e ainda o negócio da importação de bacalhau em troca do envio de vinho verde.

A dificuldade e a relevância do feito, assim como a habilidade de Afonso Martins Alho para o conseguir, trouxeram-lhe a fama de negociador astuto, o que deu, então, origem à expressão portuense “fino que nem um alho”.

A rua com o seu nome não dá azo a grandes dúvidas: dali olha-nos um enorme gato em tons de azul, da autoria do artista galelo LIQEN. O gato chamava-se “Perspéntico“, integra o Programa de Arte Urbana, e representa o Porto como cidade em movimento, a cidade como um gato: curiosa, ágil, astuta, capaz de descobrir todos os recantos. Uma rua como a personalidade que lhe dá nome.