Cultura

Histórias da Cidade: os imensos passados de um museu renascido

  • Cláudia Brandão

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Filipa Brito

Tantas histórias cabem nas paredes - e para lá delas - do primeiro museu público de arte do país. Na reabertura do Museu Nacional de Soares dos Reis, conhecemos o passado e o presente, o temporário e a memória do que fica para sempre sob o nome de um dos maiores escultores portugueses do século XIX.

Ainda que o início da história se faça muito antes da vontade de se tornar museu, quando nem a rua era de D. Manuel II, mas dos Quartéis, dada a quantidade de edifícios destinados a aquartelamento militar que ali existiram. O granito que ali se assentou tem a data de 1795 e por uso inaugural serviu de habitação e fábrica da família Moraes e Castro, proprietária da Fábrica de Tirador de Ouro e Prata, na Rua dos Carrancas.

Entranhada a alcunha, ficaria o edifício conhecido por todos - e ainda hoje - como Palácio dos Carrancas. O traço é de um arquiteto da cidade, Joaquim da Costa Lima Sampaio, cuja intervenção também se reconhece na Feitoria Inglesa e, ali ao lado, no Hospital de Santo António.

A sumptuosidade do seu interior faz dele escolha preferencial para hospedar personagens ilustres, de passagem mais ou menos fugaz pelo Porto no início do século XIX. Ali residiu, em plenas Invasões Francesas, o general Soult; foi quartel-general do duque de Wellington, após a fuga das tropas de Napoleão e também ali se alojaram, por entre paredes forradas de frescos de pintores italianos, o general britânico Beresford e, durante o Cerco do Porto, o rei D. Pedro IV. Aliás, no final da heroica resistência da cidade aos absolutistas, a rua passaria dos Quartéis a Rua do Triunfo.

Adquirido por D. Pedro V em 1861, e já denominado Paço Real do Porto, por ali passariam, ainda, D. Luís, D. Maria Pia, ou D. Carlos I, que cedeu à Associação do Velo Club do Porto um terreno nas traseiras do edifício. Aí nasceu, em 1894, um velódromo batizado com o nome da sua mulher, a rainha consorte Maria Amélia, o maior recinto desportivo da primeira década do século XX no país, com capacidade para 25 mil espetadores nas corridas de bicicletas.

O espaço ganhou também campos de ténis e assistiu à primeira corrida motorizada em Portugal. Com a crescente perda de adeptos, o Velódromo Maria Amélia acabou por se entregar ao abandono a partir de 1932. Só em 2001, no âmbito da Capital Europeia da Cultura, é que o local veria sinais de reabilitação, pela mão do arquiteto portuense Fernando Távora, que, intervindo no palácio, também recuperou parte da estrutura original da pista.

Do triunfo até à luz de um novo design

A queda da monarquia determinou que D. Manuel II haveria de ser o último monarca a residir no Palácio dos Carrancas e o seu testamento continha a entrega do edifício à Misericórdia do Porto para que ali fosse instalado um hospital. Um gesto que mudaria, mais uma vez, a toponímia da rua, até hoje com a referência ao monarca.

Sem hospital, e debaixo da consciência do liberalismo, a nova orientação do Palácio dos Carrancas virar-se-ia para a cultura. Sem condições no edifício do Convento de Santo António da Cidade, em S. Lázaro, o diretor do Museu Nacional de Soares dos Reis, Vasco Valente, negoceia a ocupação das instalações pelo primeiro museu público do país. As oficinas da antiga fábrica deram lugar a galerias iluminadas destinadas à pintura e foi criada uma galeria própria para a obra de Soares dos Reis.

As portas reabriram, à luz do Estado Novo, em 1942, e deram um novo lugar ao espólio dos extintos Museu Portuense e Museu Municipal do Porto e aos bens confiscados aos conventos abandonados do Porto e aos mosteiros de S. Martinho de Tibães e de Santa Cruz de Coimbra, que compunham o Soares dos Reis desde 1833.

A remodelação à entrada do século XXI abrange a criação de novos espaços como um auditório, um departamento educativo e salas de exposições temporárias. Nova intervenção quase duas décadas depois e o Museu Nacional de Soares dos Reis reabriu, de cara lavada, no fim de semana passado.

“Queremos reativar e fortalecer a relação com o público e, para isso, é também importante que o Museu se apresente de uma forma intensa, mas segura. Achámos que era urgente devolver o Museu à cidade e ao país”, disse novo diretor do espaço, António Ponte.

Devolver um museu renascido…e até um velódromo voltado para o futuro com a associação à Porto Design Biennale 2021. Com curadoria de Sam Baron e Caroline Naphegy, a antiga pista de bicicletas recebe em junho o projeto “Autre” e o conceito de #AutreMonde, numa “conversa entre o interior do museu e suas coleções, e o exterior, um espaço natural onde a natureza cresce sem constrangimentos, questionando o contributo e impacto do homem no planeta, as representações e histórias reveladas pelos artefactos e o próprio conceito de museu”.

Um museu renascido, que, mais do que um lugar de passado, faz das memórias um momento presente.