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Histórias da cidade: Os 120 anos da casa-mãe da fotografia e da invicta memória coletiva

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Talvez apenas os olhares mais curiosos de quem passa pela Rua de Santa Catarina reparem na assinatura que o número 120 ainda ostenta. 120 são, precisamente, os anos que se contam da fundação da Casa Alvão, o lugar onde a fotografia da cidade – e não só – criou bases fortes e construiu um refúgio. Muito do que o olhar de Domingos Alvão captou já não existe. E isso só lhe atribui ainda mais importância na construção da memória coletiva do Porto. Aos 120 anos, faz-se a revelação dos segredos do número 120 no coração da cidade.

A Ponte Pênsil deixou de ligar as margens do Rio Douro em 1887 para dar lugar à Ponte Luís I. Quase 30 anos depois, chegava o primeiro comboio à recém-inaugurada Estação de S. Bento. Dois momentos que marcam a história do Porto com uma testemunha em comum: Domingos Alvão, de máquina fotográfica em riste.

Nascido na Lapa, aprendeu o ofício na Casa Biel, uma das mais importantes do país, e ainda estagiou em Madrid. No regresso, entrou na porta onde permaneceria o resto da sua vida como fotógrafo. Primeiro como Escola Práctica de Photographia do Photo-Velo Club. Depois, em nome próprio, Fotografia Alvão.

Com a sociedade com o discípulo e companheiro de trabalho, Álvaro Cardoso de Azevedo, o número 120 ficaria para sempre recordado como Casa Alvão, que, há um ano, entrou para o grupo de lojas protegidas pelo Porto de Tradição. Até à morte do mestre – em 1940 –, Álvaro, que entretanto se tornara proprietário da loja, chamando à sociedade Alvão & Cª, Sucessor, e a quem o Governo Português, no ano de 1943, concedeu o Grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo, mantinha a assinatura “Alvão” em cada fotografia que captava.

E, aqui, é a fotografia que conta. E que conta as histórias da cidade e outras tantas do país. Será difícil nunca ter passado por uma fotografia de Domingos Alvão. O trabalho mais conhecido, e que hoje faz parte do espólio nacional, talvez seja o que fez, em 1933, a pedido do Instituto do Vinho do Porto, retratando o vasto território duriense. As imagens estiveram, ainda no ano passado, em exposição no Centro Português de Fotografia.

Mas não lhe ficam atrás as imagens da Exposição Colonial Portuguesa que o Palácio de Cristal recebeu em 1934 e para a qual Alvão foi convidado a fotografar em exclusivo locais como a Avenida dos Aliados, a Praça do Império ou o Monumento ao Soldado Desconhecido, na Praça Carlos Alberto.

Durante muitos anos, ajudou a Câmara do Porto a perpetuar a memória da cidade em imagens da Companhia da Fábrica de Garrafas na Amora ou da Fábrica de espelhos A Bisália, Limitada, do salão de festas do Jardim Passos Manuel, das cheias do Rio Douro, das senhoras de largos chapéus no carro elétrico, do despacho aduaneiro na Alfândega ou até da construção do extinto Estádio das Antas.

120 anos que mal cabem num ano de celebrações

Premiado em Portugal e no estrangeiro, com trabalho nas maiores revistas mundiais, Domingos Alvão retratou a Monarquia, a República e o Estado Novo, foi o fotógrafo oficial do Estado e viu as suas imagens representarem o país nas paredes das embaixadas no estrangeiro.

Depois de ter sido exposto em diversos sítios da cidade do Porto, como o Teatro Príncipe Real ou nas vitrinas da Tabacaria Africana, o espólio da Casa Alvão – 22.145 imagens feitas entre os finais do séc. XIX até à década de 60 do séc. XX – está agora guardado no Centro Português de Fotografia, na antiga Cadeia da Relação.

Estão lá milhares de histórias, e uma grande parte da história: a área vinhateira do Douro, fábricas, hidroelétricas, barragens, hospitais, bairros económicos, exposições, inaugurações, congressos, personalidades, paisagens, usos e costumes, regiões, localidades portuguesas, monumentos, urbanismo, transportes terrestres, retratos de estúdio e de grupo.

O ano de 2021 vai ser marcado pelas celebrações que o Centro Português de Fotografia está a preparar para perpetuar a memória da Casa Alvão. Faz parte da agenda o lançamento de uma publicação digital mensal sobre esta casa fotográfica, uma exposição com imagens e equipamento do Fundo Fotografia Alvão para o Dia Mundial da Fotografia, um percurso temático, assim como palestras com alguns temas já escolhidos - “Retratos Perfeitíssimos, o retoque na Fotografia Alvão” e outra sobre a corrente estética de meados do século XX, Salonismo.

No número 120 de Santa Catarina há, hoje, 120 anos depois, mais do que uma loja de fotografia. Mas há sempre essa mesma loja de fotografia. E, se subirmos ao primeiro andar, ainda podemos fazer retratos de passe e de estúdio, restauração de fotografias antigas e revelação de filmes. Um absoluto requinte.