Política

Histórias da Cidade: O dia em que Humberto Delgado "entregou" o seu coração ao Porto

  • Paulo Alexandre Neves

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Decorria o ano de 1958 e Portugal assistia a uma das mais concorridas eleições presidenciais do Estado Novo. De um lado, o candidato do regime, o almirante Américo Tomás, do outro, o general Humberto Delgado, regressado ao país, depois de cinco anos em Washington (EUA) como representante de Portugal na NATO. Fruto dessa experiência e da convivência com um regime democrático e num país moderno convenceu-se que Portugal precisava de tomar outro rumo. Durante a campanha, o Porto deu ao "General sem Medo" momentos que ficaram para a história política portuguesa.

"Gradiosa recepção". Foi assim que o Jornal de Notícias noticiou, na edição de 15 de maio de 1958, a chegada e presença do candidato da oposição na cidade. Mais comedido, O Comércio do Porto titulava, na sua primeira página, que "O Sr. General Humberto Delgado, candidato independente à Presidência da República, foi recebido, apoteoticamente, nesta cidade".

Humberto Delgado chegou de comboio (no célebre "Foguete") à estação de S. Bento e dali foi "levado em ombros até ao átrio". Em carro descoberto, descreve o JN, "subiu a Rua dos Clérigos, onde as pessoas acenavam com bandeiras e papéis de duas cores: verde e vermelho". Há quem assegure que as ruas da baixa foram tomadas por mais de 100 mil pessoas para aclamar a coragem de um homem quase desconhecido para a população, mas que dava sinais de esperança ao país.

De uma janela da sede de candidatura, instalada na Praça Carlos Alberto (por cima do antigo Café Luso), Humberto Delgado afirmou: "Povo do Porto! A resposta ao Governo está dada nesta grandiosa manifestação que acaba de me ser prestada por vós. Façam eleições livres e venceremos! Vós sois a Verdade. E a Verdade é que queremos que acabe a tirania. A Verdade é não querermos continuar mais a ser escravos. Viva a República! Viva a Liberdade! Viva a Pátria! Viva o Porto" (O Comércio do Porto, de 15 de maio de 1958).

"Sinto-me deslumbrado"

À noite, a candidatura de Humberto Delgado realizou, no Coliseu, uma sessão de propaganda, novamente com sala cheia. "Sinto-me deslumbrado. Esta gente do Porto insubmissa à tirania acaba de me mostrar a luminosa estrada da liberdade. A apoteose da minha recepção excedeu tudo quanto eu poderia desejar", afirmou o candidato, aos jornalistas, após o discurso, tal como descreve o JN.

"Empenhei nesta batalha a minha vida, as minhas estrelas de general e a alma patriota! Espero sair vencedor", acrescentou.

Foi nesse dia que o "General sem Medo" proferiu uma frase que ficou célebre: "O meu coração ficará no Porto, já que no Porto nasceu, como noutros momentos históricos, o indomável espírito de luta que só terminará com o triunfo da Liberdade em Portugal".

O resto da história é conhecida. No entanto, e como cidade de luta pela liberdade, o Porto não esqueceu o candidato que afrontou o Estado Novo. A sua homenagem a Humberto Delgado está eternizada numa escultura de José Rodrigues, na Praça de Carlos Alberto, mas também no nome da praça onde se encontra a Câmara Municipal do Porto.