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Histórias da cidade: o Cavalheiro das Virtudes ou o Porto como um rio correndo entre camélias

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Filipa Brito

Diz o provérbio que no meio está a virtude. Diz o Porto que as virtudes estão nos socalcos que, em jeito de muro até ao Douro e com uma bateria ali instalada, protegiam a cidade durante a guerra que opôs liberais e absolutistas, nos idos anos de 1832-34. E, se há revoluções que culminaram em cravos, o fim desta guerra civil viu nascer…camélias! Esta é a história do Sr. Loureiro, o “Cavalheiro das Camélias”.

O “Era uma vez” começa com Pedro das Virtudes, nome por que era conhecido o dono da, então, Casa da Quinta das Virtudes, e a sua enorme vontade de dar àquele espaço uma imagem que fugisse ao cenário de batalha. Pensou em flores. E, se pensou em flores, pensou em José Marques Loureiro, um viseense que chegava ao Porto aos 14 anos e cuja bagagem era uma imensa paixão e conhecimento de floricultura.

Ao longo dos anos, ali fez nascer um verdadeiro horto, onde a rainha era a enorme coleção de camélias do Sr. Loureiro. É – também - dedo seu o amor do Porto por esta flor do Oriente. Talvez duas mãos cheias e um olho para o negócio, que lhe permitiram encomendar uma variedade de espécies exóticas de camélias para a Quinta das Virtudes. Em 1865, tinha espólio suficiente para apresentar na Exposição Internacional no Palácio de Cristal, tradição que a Câmara do Porto mantém viva até hoje.

Nessa exposição, o horticultor reproduziu a árvore genealógica da Casa Real de Bragança em camélias de cera, com os nomes dos elementos da família. Uma prenda depois oferecida à rainha, D. Maria Pia.

Por esta altura, já José Marques Loureiro era proprietário da Quinta das Virtudes, cujo amarelo da fachada recebe hoje as atividades da Cooperativa Árvore. Para ali eram atraídos reis e rainhas, que faziam vénia ao encanto plantado pelo Sr. Loureiro que se estendia pelo verde até ao azul do rio. Contam as histórias que o rei D. Luís terá querido ficar com um feto, mas que o horticultor se terá recusado. E não houve ordem real que cortasse a ligação do exemplar ao jardim.

"Se A Dama das Camélias de Dumas Filho não vivesse em Paris, viveria certamente no Porto", escrevia Alberto Pimentel, no início do século passado. Giosuè Carducci dizia mesmo que o Porto era como “um rio correndo entre camélias”. Uma revolução que se começava a construir e cujo nome se perpetuava: o do floricultor criador de várias espécies de camélias, entre as quais a “Bela Portuense” e a “Picturata Plena Portuensis”.

Uma exposição permanente

Era tal a transformação que o próprio José Marques Loureiro a cravava em palavras. “Os jardins públicos desta cidade (…) já se nos não afiguram jardins de uma cidade abandonada ou de um povo que tivesse o mau sestro de considerar uma superfluidade a manutenção destes recreios, criados por quem reconheceu a sua utilidade, e mais tarde abandonados por uma falsa economia ou pela incúria e ignorância”.

O excerto constava de mais um contributo seu para o campo da horticultura na cidade: primeiro o Jornal Portuense, mais tarde o Jornal de Horticultura Prática. Muita prosa discorreu sobre as espécies de camélias que foi plantando em locais para lá do seu Horto das Virtudes: São Lázaro, Cordoaria, e outros tantos jardins particulares. Até o espaço onde viria a ser o antigo Estádio das Antas se tinha vestido de flores, depois de José Marques Loureiro aí ter criado a Real Companhia Hortícola-Agrícola Portuense. Era o Porto em modo de exposição permanente de camélias (e outras espécies).

A cidade que ajudou a florir homenageou-o…num jardim. Na Cordoaria, uma estátua de bronze, a Flora, do escultor António Teixeira Lopes, vive ainda hoje entre as flores, pois claro.

Hoje tão popular para finais de tarde entre amigos, por seu lado, o Miradouro das Virtudes é uma das varandas com mais história visual para a cidade. Na próxima foto partilhada, talvez valha a pena acrescentar a hashtag #ObrigadoSrLoureiro.