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Histórias da cidade: Nos caminhos de um labirinto que se orienta entre natureza e arte

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Miguel Nogueira

Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Assim em toda a natureza e assim, também, num dos seus testemunhos que o Porto guarda a oriente. Enquanto a cidade se desenvolve na sua circundante, o pulmão do Parque de São Roque por ali continua a respirar, e a fazer respirar, cada vez melhor. São mais de dois séculos de uma história que pode ser contada a partir de um copo de Vinho do Porto.

Recuemos a 1759, data para a qual a fachada da casa amarela, na Rua de São Roque da Lameira, nos orienta. Possivelmente, o ano da construção do Palacete, que funcionava também como pavilhão de caça, e que viríamos a conhecer como Quinta da Lameira ou Palacete Ramos Pinto. Casa São Roque, também, mas isso foi mais tarde. Cem anos passados do que nos indica o brasão, ali nascia António Ramos Pinto, um dos mais conhecidos produtores e exportadores de Vinho do Porto, e que havia de ver a sua família a unir-se aos Cálem.

Foi preciso chegar a 1978 para a Câmara do Porto comprar o espaço aos herdeiros e trazer uma parcela da Quinta de São Roque da Lameira para o domínio público. Do interior, mobília e os objetos mais importantes foram preservados e ainda hoje estão em uso na coleção da Casa do Roseiral.

No ano seguinte, a autarquia oferecia à cidade a totalidade do espaço: mata, casas, até as casas que albergavam o jardineiro e o motorista, mais os anexos. Um espaço de mais de quatro hectares que ganharia a denominação oficial de Parque de São Roque, e que vai buscar o nome ao francês que, contam as histórias, é lembrado por atos de humanidade e generosidade quando, no século XIV, se dedicou a acudir os que padeciam da peste.

São Roque, santo protetor contra a peste e padroeiro dos inválidos, cirurgiões…e dos cães. Sim, dos cães, pois, diz a lenda, terá sido um cão a alimentá-lo quando, também Roque estava enfermo e isolado num bosque. O pão era roubado da mesa do dono para dar comer ao homem.

Foi por esta altura que o espaço ganharia várias esculturas, além de uma capela, inicialmente erguida no Largo Actor Dias, mas que seria desmontada para se voltar a erguer em São Roque da Lameira. O sentido era o da revitalização do parque e, por isso, ali haveria de vir a funcionar o Gabinete de Planeamento Urbanístico da Câmara do Porto, por entre jacarandás, canfora e, claro, vários exemplares de camélias, além do famoso labirinto feito de buxo comum, cuja perfeição continua a atrair miúdos e graúdos amantes da natureza e diversão.

Estão lá todos ainda, à exceção do próprio gabinete. A sua saída marcaria o início do período em que o Parque de São Roque e o Palacete Ramos Pinto viveram devolutos. Seriam precisos mais de dez anos para dar a volta à história. Ou, pelo menos, começar a redesenhar o futuro do espaço.

Em 2019, a ruína começou a inverter-se com a reconversão da - agora oficialmente - Casa São Roque, a abrir portas como polo cultural pelas mãos do colecionador de arte, Pedro Álvares Ribeiro. Recuperado o palacete e toda a sua arquitetura, mantendo o estilo eclético, introduzido no início do século XX com a remodelação de José Marques da Silva, e que se inspirou nos historicismos franceses do século XIX e na art nouveau belga, ali passam a ganhar vida exposições de arte contemporânea.

De dentro para fora, e com caminhos cuja saída é a da natureza, estão em curso os concursos para a beneficiação do Parque de São Roque, que se seguirão à própria extensão do espaço.

Tudo se transforma para que São Roque respire cada vez melhor e se volte a encontrar o romantismo daqueles patamares, a frescura das águas do lago, o aconchego das zonas mais sombrias e da gruta que sustenta o miradouro circular. E, lá ao longe, sempre presente, o rio a perder de vista.