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Histórias da cidade: Nasce arte do palco onde se fez luz

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Porto.

Durante décadas, a luz chegou à cidade do Porto a partir da Central Termoelétrica do Freixo, em Campanhã. Da sua desativação, nasceu um espaço votado a iluminar outros palcos: o CACE Cultural, vestindo-se de casa para as artes do Circolando, que assume o cognome Central Elétrica, e agora intensifica o foco e dará nova luz à mais antiga companhia teatral portuguesa, o Teatro Experimental do Porto. No futuro, a História acrescentará à central a Extensão da Indústria, do Museu da Cidade. Mas até chegar à arte da eletricidade, foi preciso conhecer a iluminação a gás.

Perceber a iluminação da cidade leva-nos ao século XIX. Aos lampiões de azeite de purgueira seguiu-se a iluminação a gás, uma modernidade, dizia-se, ao longo dos 1.373 lampiões públicos que existiam em 1863. Ao mesmo tempo, já se faziam as primeiras experiências no campo da eletricidade e ambas as ofertas surgiam do estrangeiro.

Em 1853, pelas mãos do britânico Hardy Hislop e de vários empresários, financeiros e industriais do Norte, nasce a Companhia Portuense de Iluminação a Gás e dois anos depois, de junto ao Rio Douro, chegava a iluminação pública a gás à cidade. Mas os problemas não tardariam e as cheias na zona também não ajudaram, trazendo diversas interrupções ao fornecimento.

No novo concurso, a Câmara do Porto atribuiu a concessão à Companhia de Gás do Porto, nas mãos de um francês, mas com cláusulas que contemplavam o avanço da ciência a que já se assistia: o Município estava empenhado na luz elétrica, nem que fosse apenas durante a noite, por ser mais intensa. Do contrato, constava o direito da autarquia em reduzir o preço da eletricidade, sempre que os progressos da ciência permitissem a sua produção de forma mais económica.

A falta de carvão provocada pela Primeira Guerra Mundial viria a acelerar a transição do gás para a eletricidade, que já há algum tempo servia diversas fábricas na cidade e que, a partir da viragem do século, seria fornecida pela Central Elétrica do Ouro, em Lordelo do Ouro, com uma potência instalada de 3,25 MW para consumo público e privado.

Por essa altura, gás e eletricidade tornavam-se serviços municipalizados, mas os problemas de abastecimento não cessaram imediatamente, com ruturas e fugas constantes, levantando a questão da pertinência da instalação de uma central termoelétrica, que traria o progresso industrial à cidade e à região e a comodidade aos lares portuenses, onde, na verdade, também operavam pequenas fábricas.

Em 1923, a Câmara do Porto firma contrato com a União Elétrica Portuguesa /Electra del Lima para fornecimento de eletricidade a partir da central do Lindoso. Em dois anos, a potência dos 1.638 motores elétricos na cidade chega aos 3.661 kW.

Energia térmica para a economia, a indústria, as ruas e as casas dos portuenses

O crescimento levou à necessidade de erguer, então, a Central Termoelétrica do Freixo. Primeiro a casa das caldeiras e a casa das máquinas, e mais tarde uma oficina de montagem e manutenção de transformadores e o edifício das bombas e sucessivas modernizações ao longo dos anos. Não foi por acaso que as instalações ali se fixaram: era longe do centro, permitia que as linhas corressem por fora da cidade e ali estavam as águas do Douro para abastecer a estação e servir de via de transporte. A central era ladeada pela Fábrica Económica e pela Fábrica de Garrafas da Amora.

Na década de 20, já a alta tensão subterrânea circulava na cidade, beneficiando o tecido económico, a indústria e a iluminação pública. A 18 de setembro de 1922, a Fábrica de Tecidos na Areosa fixa uma placa onde se lia “Nesta data e nesta fábrica se utilizou pela primeira vez no Porto energia hidroelétrica para força motriz e iluminação. Foi fornecida pela União Elétrica Portuguesa das Quedas do Lindoso (Lima)”.

Projeto assinado por José Bernardo Corte Real, a Central Termoelétrica do Freixo estendia-se por três edifícios de grande volumetria. A partir do meio, era transportado o carvão para a fornalha e o vapor daí resultante entrava na turbina. “Os ciclos sucessivos que se operam neste complexo sistema estão associados a ciclos de transformação energética que, uma vez obtidos, seguem até aos geradores, produzindo energias elétrica”, explicava uma exposição do Museu da Eletricidade, em 1993.

Nos anos 30, a rede subterrânea superava os 12 mil metros de cabos, enquanto a linha aérea operava em quase mil quilómetros de extensão. O consumo de eletricidade na cidade crescia exponencialmente e foram estabelecidas tarifas consoante a carência dos clientes. Aumentava a extensão de cabos, a potência e o número de candeeiros para iluminação pública.

Na década seguinte começa a impor-se a preferência pela produção hidroelétrica, considerada mais barata que a energia térmica. Com o 25 de abril de 1974, a União Elétrica Portuguesa foi incorporada na atual EDP, mas a Central Termoelétrica do Freixo já tinha deixado de produzir eletricidade e de a fazer chegar a várias zonas da região desde 1960, substituída pela central na Tapado do Outeiro, em Gondomar.

Até que por ali entrou a CRL – Central Elétrica (Circolando), “um centro de residências e criação artística que procura ressignificar uma parte deste polo industrial desativado, pulsando e gerando outras formas de energia”. E da luz se fez – e continuará a fazer-se - arte.