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Histórias da cidade: na primeira visita ao Porto, Isabel II viveu duas horas de apoteose

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Numa visita muito rápida, mas que continua gravada na memória de alguns portuenses, a rainha Isabel II passou pelo Porto em 1957. A monarca britânica, cujos 70 anos de reinado estão a ser celebrados, foi recebida na cidade Invicta com grande entusiasmo popular, contam os relatos da época.

Em fevereiro de 1957, Isabel II tinha 30 anos e envergava a coroa há apenas cinco. Nesse ano, a rainha de Inglaterra – atualmente com 96 anos e a celebrar o seu jubileu de platina – visitou, pela primeira vez, Portugal. O programa incluiu uma breve passagem pelo Porto, e a cidade correspondeu brindando a monarca com uma receção apoteótica.

Última paragem da jovem rainha antes do regresso a casa, a cidade Invicta teve as ruas repletas para saudar Isabel II. Foi uma visita breve, mas marcada pela “apoteose de amizade”, titulava o Diário de Lisboa, na primeira página da edição de 21 de fevereiro de 1957: “A cidade do Porto, última terra portuguesa visitada pela rainha Isabel e pelo duque de Edimburgo, viveu hoje um dos seus dias grandes, dando mais uma afirmação clara e expressiva da sincera e espontânea hospitalidade que caracteriza os seus habitantes. O Porto oficial e o Porto popular, a burguesia e a gente humilde mais uma vez se misturaram nas suas ruas, praças e avenidas, numa afirmação entusiástica, imprimindo à cidade um ambiente de acontecimento invulgar, que ficará a perdurar na memória de todos.”

Há razões para dizê-lo: não só alguns portuenses continuam a ter memória da visita real de 1957 protagonizada por Isabel II, como há documentos históricos que permitem, a quem não testemunhou esse momento, ter consciência das suas dimensões. No site do Arquivo Municipal do Porto encontra-se um conjunto de fotografias captadas nesse dia, e o Museu da Presidência da República reproduz uma imagem da Avenida dos Aliados, repleta de gente, aquando da passagem do cortejo automóvel, que se encontra depositada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Ocasião diplomática histórica

Afinal, viveu-se uma ocasião diplomática histórica, acrescentava o diário lisboeta. “O Porto nunca teve, dentro dos seus muros, uma cabeça coroada estrangeira. Eduardo VIII esteve nesta cidade, durante a realização da Exposição Colonial, mas nessa altura era, apenas, Príncipe de Gales. A vinda da rainha de Inglaterra à cidade – mesmo breve e privada – tomou, pois, foros de acontecimento inédito e extraordinário”, lia-se.

No interior dessa edição, o Diário de Lisboa dedicava uma página inteira à passagem da monarca britânica pela Invicta. “O Porto vibrou em ardente entusiasmo nas manifestações com que acompanhou a breve visita da rainha Isabel II”, era o título que encabeçava a reportagem, onde se referia que a visita foi acompanhada por 51 fotógrafos e jornalistas estrangeiros.

Referindo a “espontânea euforia e simpatia da multidão, que deu assim a nota de profunda estima e especial simpatia que o povo do Porto sente pela Inglaterra, pela sua gente e pela sua soberana”, o Diário de Lisboa lembrava as razões para esta afeição: a Invicta é “berço da maior e mais antiga colónia britânica em Portugal, que com a Inglaterra sempre manteve relações de intenso comércio e o seu grande embaixador – o vinho do Porto – granjeou na Grã-Bretanha invulgar prestígio. Daí, reivindicar o Porto para si o título de a mais anglófila cidade portuguesa.”

“O cortejo penetrou na cidade pela Rua do Monte dos Burgos, seguindo pelas ruas do Carvalhido e da Prelada, Avenida da França e Praça de Mouzinho de Albuquerque, onde se aglomerava enorme multidão”, descrevia o jornal, acrescentando que pela Avenida dos Aliados e Praça da Liberdade “assumiu aspetos deslumbrantes pelo ambiente de verdadeira apoteose que envolveu o pequeno cortejo. Nos passeios, a multidão comprimida procurava por todos os meios testemunhar à rainha a sua simpatia enquanto das janelas não cessava também de cair flores.”

Cruzando o Douro para Vila Nova de Gaia pelo tabuleiro superior da Ponte Luiz I, Isabel II regressou ao Porto pelo tabuleiro inferior da mesma ponte, dirigindo-se ao Palácio da Bolsa, onde teve lugar a receção oficial. Ao ato solene seguiu-se uma refeição ligeira, e os cumprimentos à multidão a partir da varanda do edifício.

Mudança de carro

A monarca dirigiu-se depois à Feitoria Inglesa, ali ao lado, para contacto com a comunidade britânica na cidade. “À saída dá-se o facto que surpreendeu toda a gente. Sua Majestade, que tinha ocupado um automóvel fechado, disse que era seu desejo seguir num carro aberto, pelo que, não havendo perto outro, passou para um carro de transporte de guardas da PSP”, notava a reportagem do Diário de Lisboa.

Era a despedida de Isabel II do Porto: “O cortejo regressou a Pedras Rubras em ambiente verdadeiramente apoteótico, com a multidão comprimida ao longo do percurso. As aclamações atingiram o rubro e no ar estralejavam foguetes. O cortejo passou pela Marginal, atravessou a Foz do Douro, sendo então lançadas flores sobre o carro que transportava o régio casal.”

Seria preciso esperar quase três décadas pelo regresso de Isabel II à cidade Invicta. A monarca britânica voltaria a visitar a cidade em 1985 (fotografias no Arquivo Municipal), tendo sido recebida pelo então presidente da Câmara do Porto, Paulo Vallada, nos Paços do Concelho. O autarca entregou as chaves da cidade à rainha de Inglaterra, que seria mais tarde brindada com uma parada militar na Ribeira.