Sociedade

Histórias da cidade: "Mundo da Canção" à imagem de Avelino Tavares

  • Paulo Alexandre Neves

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As editoras de Lisboa rejeitaram o projeto, mas, mesmo assim, manteve a ideia. Avelino Tavares não desistia, facilmente, dos seus projetos. Vivia-se, então, a chamada "primavera marcelista". Os editores não ficaram sem resposta: "Vocês esquecem-se que eu venho da zona do granito! Este projeto vai vencer", confessou, em entrevista a Viriato Teles (“Musonautas Visões & Avarias”, 2022, Câmara Municipal do Porto, segunda edição *). A “Mundo da Canção” viria a tornar-se uma referência cultural no Porto e no país.

O primeiro número sai em dezembro de 1969, com o Padre Fanhais na capa. Até 1985, a revista, que ficou conhecida como "MC", tendo como diretor o jornalista e escritor Viale Moutinho, deu palco a músicos da canção portuguesa e internacional. José Afonso, José Mário Branco, Luís Cília, Fausto, entre outros, mas também Leonard Cohen, Donovan, Deniz Cintra, Arrival, The Beatles, Bee Gees. Chegou a ter uma tiragem de 25 mil exemplares.

Os primeiros anos, até ao 25 de Abril, foram de "chumbo", por causa da censura. Como, por exemplo, o que aconteceu com a apreensão do número 34. Nada melhor que ser o próprio Avelino Tavares a contar a história (confissão retirada da mesma entrevista): "A tipografia era na Rua de Santo Ildefonso, junto ao Largo do Padrão, e a PIDE ficava a 500, 600 metros, na Rua do Heroísmo. (…) Quando entrei com os inspectores as pessoas ficaram muito brancas. E eu disse-lhes: “Não se preocupem, eu resolvo isto”. (…) E fui com eles, ajudei-os do princípio ao fim. Mas a jogar em "fifty-fifty": dava-lhes um maço de revistas e metia outro na zona do lixo…”.

No 25 de abril, muito material foi queimado na sede da PIDE, incluindo os números do "Mundo da Canção". Só que…. muitos dos exemplares da número 34 resistiram, pela coragem de Avelino Tavares, que as levou para casa aquando das buscas da polícia política do antigo regime. Hoje, alguns colecionadores possuem tão raros exemplares, envolvidos numa cinta, onde se pode ler: “Este número do MC ‘viajou’ directamente da tipografia para os armazéns da ex-PIDE/DGS e aí passou 13 longos meses! Voltou a encontrar a sua liberdade depois do ’25 de Abril’…”.

Passar do papel para o palco

A revista continuou a ser publicada até meados dos anos 80 do século passado. Apareceram outras publicações dedicadas à música – por exemplo, o jornal Se7e (já extinto) ou a revista Blitz –, tornando a existência do "MC" mais difícil. "Chegou uma altura em que disse a mim mesmo: 'Tu não vais deixar isto, mas vais passar do papel para o palco'", confessou Avelino Tavares a Viriato Teles.

O programador cultural criou, então, a MC-Discoteca, a primeira loja, no Porto, onde se vendiam discos e bilhetes para espetáculos. Mais tarde tornou-se produtor de espetáculos, A ele se deve a vinda à cidade de reputados nomes da "world music", como Cesária Évora (que celebrou os 25 anos de carreira, num espetáculo no extinto Cinema Terço), mas também Leo Ferré, Paco de Lucía, Gal Costa, Astor Piazzola ou Miles Davis.

Ativista cultural trabalhou na organização, produção ou divulgação de festivais, como o Festival de Jazz do Porto, o Praia Blues, o Intercéltico do Porto, entre outros.

Nascido no lugar de Figueiredo de Cima, freguesia de Pinheiro da Bemposta, Oliveira de Azeméis, no dia 9 de abril de 1938, Avelino Tavares tinha o Porto no coração. "A cidade é a minha cidade de coração. (...) Acho que fiz o que tinha a fazer com a cidade", afirmou a Viriato Teles.

* "Musonautas, Visões & Avarias: 1960-2010 - 5 Décadas de Inquietação Musical". Depois do sucesso da primeira edição, a Galeria Municipal do Porto voltou a publicar o livro que resultou da exposição homónima, apresentada em 2018. Com curadoria de Paulo Vinhas, a mostra reuniu cinco décadas de criação musical portuense nas suas mais diversas expressões e aventuras sonoras. Da música erudita à de contestação, passando pela música experimental e eletrónica, a exposição apresentou um mapeamento das diferentes práticas musicais surgidas entre 1960 e 2010. Desta edição em livrofaz parte a entrevista de Viriato Teles a Avelino Tavares, com o título: "Um homem do mundo (da canção e da liberdade)".