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Histórias da cidade: Manoel de Oliveira estreava-se há 90 anos com “Douro, Faina Fluvial”

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No primeiro filme da sua longa carreira (a mais extensa do cinema mundial, num total de 84 anos), o histórico cineasta Manoel de Oliveira explorou a ligação da cidade ao rio. A obra foi projetada pela primeira vez há 90 anos, mas continua a ser possível reconhecer nela muito do que é a identidade do Porto e dos portuenses.

Há precisamente 90 anos, estreava, ainda em versão muda, o filme inaugural da carreira de Manoel de Oliveira. “Douro, Faina Fluvial” arranca com uma frase sobre fundo negro, antes de qualquer imagem, que resume a intenção do autor: “O Douro, rio português, possui uma vida própria característica, que justifica a sua paisagem marginal e as atitudes da gente que em sua volta trabalha”, pode ler-se no ecrã, pelo qual passam, ao longo de quase 19 minutos, cenas do dia-a-dia daqueles que tiravam o seu sustento do rio.

O Douro é o grande protagonista da película projetada pela primeira vez a 19 de setembro de 1931, uma efeméride que será assinalada hoje pela Casa do Cinema Manoel de Oliveira, com um cine-concerto dos Sensible Soccers no auditório do Museu de Serralves. No espetáculo audiovisual será apresentada uma nova banda-sonora criada para o filme, que será editada num álbum intitulado “Manoel”.

“Douro, Faina Fluvial”, terminado quando o realizador tinha 22 anos, é uma obra de amor pelo cinema, pela cidade, e pelo rio. Utilizando uma máquina de filmar que o pai lhe tinha oferecido, Manoel de Oliveira regista as imagens, e posteriormente “revela o negativo de 35 mm na garagem de sua casa, e monta o filme (à mão e ‘a olho’) na sua mesa de bilhar”, recorda a Casa do Cinema Manoel de Oliveira.

O filme foi exibido pela primeira vez em versão muda no V Congresso Internacional da Crítica, no Cinema Central em Lisboa, em setembro de 1931, e despertou reações diversas, com algumas críticas entusiastas e demonstrações de desagrado do público português.

No voto de pesar da Assembleia da República pelo desaparecimento de Manoel de Oliveira, em abril de 2015, lembrava-se que a obra “foi recebida com uma enorme ‘pateada’” na sua primeira projeção. “Manoel de Oliveira é então acusado ‘de dar a ver a estrangeiros gente descalça, rota e de triste condição’”, podia ler-se, embora também existam opiniões muito favoráveis: “O grande dramaturgo italiano Luigi Pirandello e o crítico francês Émile Vuillermoz, pelo contrário, admitiram a mestria do jovem cineasta. Pirandello chega mesmo a ironizar à saída, dizendo que não sabia que em Portugal se aplaudia com os pés.”

Num texto assinado por Alves Costa na edição de 17 de outubro de 1931 do Invicta Cine, um semanário ilustrado de cinematografia publicado semanalmente no Porto entre 1923 e 1936, registava-se o vaticínio de Émile Vuillermoz para os autores de “Douro, Faina Fluvial”: “Fixem os nomes dos srs. Antonio Mendes e Manuel de Oliveira, graças aos quais Portugal representará, dentro em breve, um papel interessante na cinematografia europeia.”

O francês não se enganou. Para além de todo o percurso que foi feito por Manoel de Oliveira, “Douro, Faina Fluvial” continua, nove décadas depois, a provocar uma impressão viva do que era a vida e o trabalho no Porto, particularmente na zona da Ribeira, e da relação que os portuenses tinham com o rio.

Uma experiência que José Régio, na revista Presença, assinalou na altura da estreia do filme: “Isso que pretenderam alguns pintores futuristas – colocar o espectador no próprio centro do quadro – consegue-o Manoel de Oliveira no seu filme. Indefeso e surpreso, o espectador é arrastado pelo ritmo vertiginoso daqueles quadros e semiquadros que continuamente se completam e desenvolvem”, apontou o escritor, descrevendo “Douro, Faina Fluvial” como um “pessoalíssimo documentário”, mas também como “uma pequena obra-prima; e um milagre não só de sensibilidade e inteligência – também de persistência, independência e vontade.”

“Douro, Faina Fluvial” é um ponto ilustre na ligação do Porto ao cinema, sendo que foi igualmente na Invicta que foi filmado o primeiro filme da história do cinema português, quando Aurélio da Paz dos Reis registou o momento da saída dos operários da Camisaria Confiança.