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Histórias da cidade: Inspiração francesa no Porto é mais doce do que a francesinha

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Se falarmos em influência francesa na cidade do Porto, rapidamente nos vem à ideia o mais conhecido prato da Invicta. A francesinha nasceu na cidade em 1934, mas não foi a primeira iguaria a ir beber inspiração a França para reconfortar os estômagos portuenses. Ainda no século XIX, o rei dos bolos já se servia por toda a cidade. Quando se aproxima o Dia de Reis, fica a vénia a sua majestade, o bolo-rei.

Em 1774, Jean-Baptiste Greuze pintou “Le Gâteau des rois” [O Bolo dos Reis], um quadro que retrata uma antiga tradição francesa ligada à Epifania, um feriado cristão que marca a Adoração de Jesus, o dia em que os reis magos chegaram a Belém. Ao centro da harmonia familiar, uma espécie de panqueca de massa folhada, o bolo cozido pela primeira vez em França no tempo de Luís XIV, e que será o antepassado do bolo-rei que hoje conhecemos.

E nenhum pormenor deixa de ter a sua simbologia, ou não representasse o bolo os presentes que os Reis Magos ofereceram ao Menino Jesus: o ouro vem em forma de coroa, a mirra são as frutas secas e cristalizadas, e o incenso vem do aroma exalado pelo doce.

Diz a lenda que, no século XVIII, o cozinheiro de Luís XV terá colocado uma moeda de ouro no bolo com objetivo de surpreender o rei, a brincadeira virou tradição e hoje é sinal de sorte. Adotado pelo povo, incluiu-se a fava seca que “obriga” a quem a trincar a pagar o bolo-rei do próximo ano.

Mas parece que o bolo-rei já agradava aos romanos que, durante os banquetes, promoviam a eleição do “rei da festa" consoante aquele a quem saísse a fava, coroando-o "o rei da fava".

A sobremesa que hoje conhecemos terá chegado a Portugal em 1870, pelas mãos de Balthazar Castanheiro Júnior, herdeiro da lisboeta Confeitaria Nacional, e a criatividade do pasteleiro Gregório.

De acordo com Guido de Monterey, em “O Porto 2”, citando o jornal “O Correio do Porto”, “dizem as crónicas que, no Porto, o bolo-rei tradicional foi introduzido” pela, então, Confeitaria Portugueza (depois Confeitaria Cascais), graças ao seu proprietário, Francisco Júlio Cascais, que também havido ido a França buscar uma receita.

Não há certezas quanto a datas – 1887, 88 ou mesmo 90 –, mas o nome era bastante unânime: Bolo-Rei à Parisiense. Este doce de massa lêveda com frutas cristalizadas, passas e frutos secos era inicialmente apenas vendido na véspera do Dia de Reis.

Com brinde ou fava, o bolo agradou ao paladar portuense e passou a ser confecionado praticamente em qualquer altura do ano pelas muitas confeitarias da cidade, ainda que algumas requeiram encomenda. Há tradições que não se hão-de querer perder. Como não se perdeu o nome original.

É que, com a implantação da República, em 1910, tal como em França, aquando da revolução, o doce chegou a chamar-se Bolo de Natal, Bolo de Ano Novo, Bolo-Presidente, Bolo-Nacional ou até Bolo-Arriaga, em honra do primeiro Presidente eleito da República Portuguesa. Mas saiu-lhes a fava.