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Histórias da cidade: há um relógio que homenageia quatro figuras do Porto

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Filipa Brito

A hora mudou na madrugada deste domingo, com a entrada em vigor do horário de inverno. Pretexto para revisitar um relógio que é, provavelmente, dos mais fotografados e filmados do Porto.

Não é o relógio mais antigo da cidade, nem o mais icónico, especialmente tendo em conta que na Invicta há exemplares tão distintos como são o relógio do edifício da Câmara do Porto ou o da Torre dos Clérigos. No entanto, aquele que se encontra na esquina entre a Rua de Santa Catarina e a Rua de Passos Manuel estará, com alguma certeza, entre os relógios mais fotografados e filmados por quem visita o Porto. Isso deve-se ao simbolismo de que está carregado.

Referimo-nos ao relógio na fachada do edifício das antigas Galerias Palladium, que não se limita a assinalar a passagem do tempo, mas conta também um pouco da história do Porto e de algumas das suas figuras mais emblemáticas. É comum os transeuntes deterem-se alguns instantes a assistir (e a fotografar ou filmar) à cena que se desenrola, de três em três horas: as portas sob o relógio abrem-se e quatro figuras surgem, enquanto soam as badaladas do carrilhão.

E que figuras são essas? Quatro nomes profundamente relacionados com a história e a identidade do Porto: São João, o Infante D. Henrique, Almeida Garrett e Camilo Castelo Branco. Todos eles dispensam apresentações, mas ainda assim é justo assinalar que se trata do santo acarinhado e anualmente celebrado pelos portuenses, da figura crucial para o período dos Descobrimentos, e de dois nomes eminentes da literatura portuguesa e muito ligados ao Porto.

Após um par de minutos, as figuras regressam ao interior do relógio e os espectadores prosseguem o seu caminho.

Mas não é apenas o relógio que ali merece atenção, o edifício onde ele se encontra é uma joia da cidade, carregada de história. Concebida pelo arquiteto Marques da Silva, autor de ícones da Invicta como a Estação de S. Bento, o Teatro Nacional São João ou o Liceu de Alexandre Herculano, a obra foi construída para albergar uma casa comercial: os Grandes Armazéns Nascimento, inaugurados em 1927.

O empreendimento viria a encerrar passados alguns anos, para reabrir a partir de 1940, com um estabelecimento sem par em Portugal: o Café Palladium. A inauguração foi um acontecimento marcante à escala nacional. Referindo-se ao Palladium como "o maior e mais confortável estabelecimento do género no país", o Diário de Lisboa noticiava na edição de 4 de novembro de 1940 a inauguração do novo café portuense.

"O Palladium, que se encontra instalado num dos maiores edifícios da cidade, no ângulo das ruas de Santa Catarina e Passos Manuel, é uma instalação de luxo, conforto e bem-estar e consegue ser ao mesmo tempo salão de chá, restaurante e café", lia-se no jornal, onde se acrescentava: "Na instalação do Palladium foram rigorosamente observados os mais pequenos detalhes. Há um confortável gabinete 'privado', onde os clientes podem tratar em particular de qualquer assunto comercial ou não, todas as mesas têm ligação telefónica, e, em todo o edifício, há alto-falantes que anunciam a chamada ao telefone, o que, apesar de ser uma coisa muito usada nas grandes capitais, constitui novidade entre nós".

Com uma decoração art déco e um ambiente cuidado - no Arquivo Municipal do Porto encontra-se um cartão de admissão ao salão nobre do Café Palladium, que pertenceu ao escritor, ilustrador e publicitário portuense António Cruz Caldas - o estabelecimento foi considerado, à época, o maior da península ibérica. Distribuído por vários pisos, tinha café, restaurante, salão de chá, salas de jogos, snooker e bilhar, e uma área para espetáculos.

Na segunda metade da década de 1970 o Café Palladium encerrou, abrindo no seu lugar um espaço de pronto a vestir, as Galerias Palladium, como o edifício continua a ser conhecido nos nossos dias. Foi também nessa altura que foi instalado o relógio que presta homenagem ao Porto, nas figuras de São João, do Infante D. Henrique, Almeida Garrett e Camilo Castelo Branco. Atualmente, a obra de Marques da Silva alberga dois espaços comerciais.