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Histórias da Cidade: Dia de celebrar os mortos e um fantasma teimoso na estação

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Filipa Brito

Na noite de Halloween, com maior ou menor susto, é possível esbarrar com várias bruxas e esqueletos pelas ruas. Em todos os outros dias do ano, diz a lenda, circula um fantasma nos corredores da Estação de S. Bento. Uma história com algum terror à mistura que se poderá testemunhar no silêncio deste Dia das Bruxas.

Costuma ser fórmula comum nos filmes de terror: um fantasma que assombra o local onde morreu ou de onde foi retirado contra sua vontade. Assim conta também a história do espírito que se passeia pelos corredores da Estação de S. Bento.

Onde hoje se ergue um dos mais icónicos edifícios da cidade do Porto, havia um mosteiro, o Convento de S. Bento de Avé Maria, mandado construir no século XVI pelo rei D. Manuel I, nas antigas Hortas do Bispo. Inaugurado em 1535, era um local que apenas recebia senhoras abastadas. Apesar da clausura, durante anos foi espaço aberto a eventos e festas sociais, como os Outeiros ou Abadessados onde participavam personalidades como Camilo Castelo Branco ou Guerra Junqueiro.

Quase 200 anos depois da sua abertura, saía o decreto que lhe ditaria o destino. Joaquim António de Aguiar assinava a extinção das ordens religiosas em Portugal, o que lhe haveria de valer a alcunha de “mata frades”. Assim se extinguiam todas as ordens masculinas, eram proibidas as profissões de votos de novas freiras e todos os conventos femininos fechariam portas logo que morresse a última freira que lá residisse.

Para o Convento de S. Bento de Avé Maria haveria de se redigir uma portaria governamental bem definida: o mosteiro iria dar lugar à nova estação de comboio da cidade. Para efeitos de “tirar medidas” para a demolição e consequentes obras, em 1888 o edifício foi “invadido” pelos engenheiros das Obras Públicas.

A abadessa responsável ter-se-á chegado à frente dos homens garantindo que “podem tomar quantas medidas quiserem que o convento não vai a terra enquanto aqui houver religiosas; temos muita fé no nosso patriarca S. Bento que nos ouve e o milagre vai acontecer: ou o ministro morre ou cai o ministério”. Assombração ou não, o ministro não morreu, mas demitia-se dias depois.

Foram precisos 58 anos desde o decreto para conseguir extinguir aquela ordem beneditina do convento, ainda que o edifício já começasse a deteriorar-se por falta de manutenção. D. Maria da Glória Dias Guimarães, a última das abadessas, só viria a falecer em 1892, abrindo caminho para a construção da Estação de S. Bento.

Tudo de lá saiu: as imagens encontraram novos altares, o órgão foi adquirido pela confraria do Senhor do Bonfim, e até os ossos das freiras que haviam sido ali enterrados foram levados para o Cemitério do Prado do Repouso.

Tudo menos algo. Ou alguém. Perpetuados na História estão os testemunhos de quem diz ter ouvido, em certas noites e quando toda a estação está em absoluto silêncio, as rezas e apelos da última abadessa a ecoar pelos corredores. Há quem garanta ter visto o seu vulto a pairar. Ainda assim, de assustador o fantasma de S. Bento terá pouco. Sereno, recatado, teimoso e determinado em não deixar o local onde viveu... em vida e na morte.