Urbanismo

Histórias da cidade: da arquitetura alemã à visão japonesa para dar a volta - e vida - ao Matadouro

  • Cláudia Brandão

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Miguel Nogueira

O passado não se apaga, mas pode ser transformado em futuro. Agora que já se vislumbra a nova imagem e utilização do Matadouro, a memória recua aos croquis dos primeiros anos de um importante foco da indústria do Porto. Da inspiração alemã à visão japonesa, o Matadouro deixa lá atrás a função para que foi erguido e passa a representar uma nova vida a oriente.

Ainda antes de se sentir a necessidade de um lugar que ocupasse quase 30 mil metros quadrados, as atividades da matança do gado na cidade passaram por vários pontos. Um recuo rápido até antes do século XVI leva-nos aos açougues que existiram junto à Sé. Eram três: o açougue Real, cuja carne se destinava ao consumo da cidade, o açougue do Bispo, que servia o paço episcopal e os cónegos, e o dos Judeus, que seguia rituais particulares. E ainda o da, na altura, Viela do Açougue, em Cedofeita, que trabalhava para abastecer o Hospital do Carmo.

O tempo e a necessidade de alimentar uma população em crescimento levaram-nos a instalar-se na zona das Fontainhas, uma zona que ficaria associada ao abate de animais e às oficinas de curtumes. E, com eles, ao mau cheiro. Daí a passagem para a Rua de S. Dinis, em Paranhos, onde o Matadouro Municipal do Porto haveria de laborar até a dimensão do trabalho obrigar à necessidade de criar um edifício de raiz, de maiores dimensões.

O projeto para o edifício que se instalou na Rua de São Roque da Lameira, em campos de lavradio expropriados pela Câmara para anexar aos terrenos municipais, foi aprovado em 1910. A escolha do local não foi ao acaso, ainda que nem todo o futuro tenha sido equacionado. Apesar de povoada, a cidade não se estendia para a Corujeira – ao contrário dos dias de hoje.

Além disso, a zona possuía captação de água própria e em abundância, escoava os líquidos com facilidade e permitia uma eventual ampliação. Mais a proximidade aos caminhos-de-ferro, ao centro e às cidades à volta. Já por ali se realizavam as feiras do Gado e dos Moços.

O autor, o arquiteto António Correia da Silva, também responsável pelo Mercado do Bolhão e pelo próprio edifício dos Paços do Concelho, foi buscar a inspiração ao matadouro alemão Offenbach, contrariando a tendência para construção em altura. Foram precisos muitos anos para que se vissem os traços modernos, a organização funcional e o desenho geométrico. A inauguração oficial seria apenas em 1932, ainda que já trabalhasse há quase uma década.

Eram dezasseis volumes com quatro pavilhões para a matança de bois, porcos, vitelas e carneiros e a produção de carnes. E foram cerca de 70 anos em funções, ao fim dos quais se fechou para a cidade.

Até agora, que a bússola passou a apontar o Oriente. O japonês Kengo Kuma e a equipa do gabinete OODA, prometem “uma nova etapa da história de vida [do Matadouro] devolvendo-o à cidade”. O arquiteto vencedor do concurso de reconversão do antigo Matadouro assume a defesa da história do sítio, fazendo uma “tradução sensorial de um espaço público que pertence a todos, mas que cada um pode vivenciar como seu”.

A fase preparatória da obra já arrancou e não faltará muito para que o que foi o antigo Matadouro Municipal do Porto dê lugar ao futuro. Para que seja entregue à cidade uma nova casa de atividade económica e empresarial, valências culturais e polo de dinamização social.