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Histórias da Cidade: Cinco “cães” a uma pedra e outras tertúlias em águas férreas

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Porto.

Dali já brotou “água milagrosa” e no mesmo local jorraram conversas que haveriam de marcar uma geração. Era na Casa da Pedra, na Rua de Águas Férreas, que Antero Quental, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão dinamizavam as tertúlias que marcaram a atividade intelectual dos anos 70 no país.

O anfitrião destas conversas era o historiador, escritor e filósofo Joaquim Oliveira Martins, que para ali se havia mudado quando lhe atribuíram a tarefa de dirigir a construção da via-férrea que ligaria o Porto à Póvoa de Varzim e a Vila Nova de Famalicão. A obra valeria, muito mais tarde, 1995, a colocação de uma estátua nos jardins, da autoria do artista plástico José Rodrigues.

Para ali Oliveira Martins convidava aquele que ficou conhecido como o “Grupo dos Cinco”, uma referência da Geração de 70, o movimento académico nascido em Coimbra na segunda metade do século XIX.

Mas antes de Oliveira Martins dispor dos aposentos da Casa da Pedra para traçar os caminhos-de-ferro, já este material assumia uma função especial – e “milagrosa” – através das águas da então conhecida como Fonte de Águas Férreas de onde muitos bebiam à procura de cura para a anemia. As águas ricas em ferro deram lugar a um espaço de termas e, no início do século XIX, comprovada a qualidade terapêutica, o Município tratou de erguer a fonte de pedra.

A ida à fonte terá sido a prescrição para males de saúde…e de amores. Dizem as histórias que vêm dessa altura que os rapazes novos pagavam ao então guarda fonte, o “cartola”, uma moeda para que este os deixassem apenas colocar os lábios no mesmo local onde as suas apaixonadas haviam saciado a sede. Mais tarde, a Fonte de Águas Férreas foi transferida para o Parque da Cidade, mas o nome da rua ali continua para deixar gravada na pedra a função curativa do espaço.

Da saúde aos amores, dos amores à literatura. São várias as referências aos encontros deste “Grupo dos Cinco” na cidade do Porto, também para lá das tertúlias na Casa da Pedra. São célebres os jantares que juntavam esta “matilha” no Palácio de Cristal. Assim se designavam os próprios, demonstrando a amizade pessoal para lá da afinidade intelectual.

Um episódio, datado de 1884, conta que Eça de Queirós terá perdido, numa partida de bilhar, uma aposta de um leque de cetim cor de ouro, ornado de uma aguarela representando um grupo de cinco cães. Vindo o escritor de “Os Maias” almoçar ao Porto no dia seguinte, trouxe o leque para ser assinado pelos companheiros de tertúlias.

Cada um do “Grupo dos Cinco” terá personalizado um ditado popular e dali saíram os saberes assumidos como “latidos”: “Quem muito ladra pouco aprende”, por Antero de Quental, “Escritor que ladra não morde”, da autoria de Oliveira Martins, “Dentada de crítico cura-se com pelo do mesmo crítico”, escrevia Ramalho Ortigão, “Cão lírico ladra à lua; cão filósofo abocanha o melhor osso”, por Eça de Queirós, e ainda, de Guerra Junqueiro, “Cão de letras - Chachorro!”.

No final, um poema. “São cinco cães, sentinelas / De bronze e papel almaço, / De bronze para as canelas, / De papel para o regaço”. Assinado: “A matilha”.