Sociedade

Histórias da cidade: Cemitérios, verdadeiros museus a céu aberto

  • Paulo Alexandre Neves

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Filipa Brito

Por estes dias, os cemitérios encheram-se de flores e velas. A tradição mantém-se nos primeiros dias de novembro, num misto de saudade e visita a verdadeiros museus a céu aberto. Quem por ali passa pode descobrir obras de arte, história, notáveis ou monumentos do Porto. Pequenas cidades dentro da cidade grande.

Os cemitérios fazem parte do roteiro turístico da cidade. Daí ter sido lançado, este ano, um novo vídeo promocional, pelos serviços municipais do Turismo, que desvenda alguns dos segredos destes espaços, evidenciando os seus aspetos patrimoniais.

“Cemitérios do Porto” integra o conjunto de 22 vídeos promocionais que o Município do Porto está a lançar com o objetivo divulgar e valorizar a cidade, bem como promovê-la a nível local, nacional e internacional, apresentando uma cidade cativante nas suas diversas dimensões: cultura, arquitetura, património, gastronomia, artesanato, arte urbana, desporto, feiras e mercados ou hospitalidade.

São seis os cemitérios existentes na cidade: Agramonte e Prado do Repouso, ambos municipais, e do Bonfim, da Lapa, Saint James Cemetery (cemitério britânico) e Catacumbas da Ordem Terceira de S. Francisco, todos privativos. A estes pode juntar-se ainda o crematório, projetado pelo arquiteto Manuel da Silva Lessa e situado na zona sul do Cemitério do Prado do Repouso, junto à escarpa para o rio Douro.

As histórias do Prado do Repouso e Agramonte

A história remonta a 1 de dezembro de 1839, data em que foi benzido, pelo bispo D. Frei Manuel de Santa Inês, o primeiro cemitério público da cidade: Prado do Repouso, construído após a proibição da inumação dentro de capelas. Ali predomina o neogótico, a utilização do granito e a monumentalidade, sobretudo nos jazigos-capela.

De entre os monumentos destaca-se a capela do cemitério e um cruzeiro. Dos jazigos realce para o de Francisco de Almada e Mendonça, com busto do escultor Soares dos Reis, do poeta Eugénio de Andrade, projeto do arquiteto Siza Vieira, do médico e artista plástico Abel Salazar, do pintor António Cruz, da pintora Aurélia de Souza, do pioneiro do cinema português Aurélio da Paz dos Reis e do músico Francisco Eduardo da Costa, com busto do escultor francês Anatole Calmels.

Gente ilustre está ali sepultada: o pintor Ângelo de Sousa, o médico Eduardo Santos Silva, a escritora Ilse Losa, os políticos João Semedo e Joaquim Pina Moura, o jornalista e escritor Manuel António Pina, o cineasta Paulo Rocha, o ex-diretor do FC Porto Reinaldo Teles, o maestro e compositor Pedro Osório, entre muitos outros.

Já o Cemitério de Agramonte foi inaugurado em 1855, na zona ocidental da cidade. De realçar diversos jazigos com esculturas de Soares dos Reis, António Teixeira Lopes e Alves Pinto. Dos numerosos monumentos destaca-se o jazigo do Conde Ferreira, com réplica da escultura de Soares dos Reis, cujo original foi entretanto retirado para o museu de que o escultor é patrono, do realizador Manoel de Oliveira, do pintor António Carneiro, da violoncelista Guillermina Suggia, do fotógrafo Carl Émile Biel e do arquiteto Tomás Soller, entre outros.

Destaque também para o memorial às vítimas do Teatro Baquet. Trata-se de uma gigantesca arca com materiais pertencentes ao próprio edifício do teatro, pedaços de ferro torcidos pelo fogo que atingiu, em 1888, o edifício e uma enorme coroa de martírios também em ferro, simbolizando a morte das cerca de 120 vítimas.

Este é um dos cemitérios portugueses “mais ricos em arte romântica”, segundo a Associação dos Cemitérios Monumentais da Europa, que congrega mais de 150 espaços. Aliás, o Prado do Repouso e Agramonte têm a particularidade de serem os únicos, em Portugal, a integrar a associação e estarem também incluídos na Rota Europeia dos Cemitérios, criada, em 2010, pelo Conselho da Europa.

Cemitérios privativos

Uma breve referência aos cemitérios privativos existentes na cidade. O cemitério britânico (“Saint James Cemetery”) foi construído em 1788, com a condição de ser estabelecido na periferia da cidade e circundado por muros altos. A Ordem Terceira de S. Francisco possuía já um cemitério catacumbal desde o último quartel do século XVIII, situado por debaixo da sua Casa do Despacho. Posteriormente, este cemitério catacumbal foi alargado para debaixo da igreja neoclássica da Ordem Terceira de S. Francisco e do respetivo pátio.

Em 1833, o Cerco do Porto gerou uma situação de extrema insalubridade na cidade, favorecendo o surgimento duma epidemia: o Cholera morbus. Nesse ano, a Mesa da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa pediu a D. Pedro IV que autorizasse a construção de um cemitério privativo, mesmo antes do decreto de 1835, que proibia o enterramento dentro das igrejas. Como situação de transição, foi construído um cemitério provisório, por detrás da capela-mor da respetiva igreja, tendo o Cemitério da Lapa propriamente dito sido oficialmente benzido no verão de 1838.

Já o cemitério do Bonfim, estabelecido em 1849/50 pela Irmandade do Santíssimo Sacramento e do Senhor do Bonfim e da Boa Morte, situa-se junto à respetiva igreja.